Embora não seja uma corte eleitoral, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), frequentemente, toma decisões que têm impacto direto nas disputas políticas pelo país afora.

O artigo 26-C da Lei da Ficha Limpa dá ao STJ o poder de “suspender a inelegibilidade” decorrente das condenações impostas por órgãos colegiados dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais, sempre que o recurso apresentado contra a condenação em segunda instância mostrar que reúne chances razoáveis de êxito.

No exercício dessa atribuição legal, a primeira tarefa da corte foi definir os parâmetros de sua atuação, fixando na jurisprudência, por exemplo, o entendimento de que – a despeito da literalidade da lei – a decisão sobre a elegibilidade do candidato cabe, de fato, à Justiça Eleitoral.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, nas eleições municipais de 2016, 2.329 candidatos em todo o Brasil foram barrados pela Lei da Ficha Limpa, de um total de 496 mil candidaturas registradas (ou seja, 0,5% de todos os postulantes foram declarados inelegíveis).

Instâncias autônomas

Em agosto de 2010, ao julgar a MC 16.932, a Primeira Turma firmou o entendimento de que a decisão do STJ não vincula a Justiça Eleitoral ao deferimento do registro da candidatura, mas significa importante ato jurídico que respalda o deferimento dessa pretensão junto à própria Justiça Eleitoral.

“Dessa forma, ainda que o STJ venha a suspender os efeitos de eventual condenação de improbidade administrativa, não lhe caberá deliberar quanto à elegibilidade do candidato, pois envolve, naturalmente, outras questões estranhas às ordinariamente aqui decididas”, afirmou o ministro Benedito Gonçalves, relator da medida cautelar.

Ele afirmou que a redação da lei exige esforço hermenêutico para além da interpretação literal, a fim de se evitar eventual conflito de competência entre a Justiça comum e a Eleitoral.

O relator explicou que a expressão contida no caput do artigo 26-C, segundo a qual o tribunal – no caso, o STJ – “poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade” deve ser entendida como a possibilidade de o tribunal atribuir efeito suspensivo ao recurso especial, suspendendo, dessa forma, os efeitos da condenação.

A suspensão da inelegibilidade, segundo o relator, é medida justificada para o candidato que, por meio de recurso pertinente, “demonstre, de plano, a plausibilidade de sua pretensão recursal tendente a anular ou a reformar a condenação judicial que impede o exercício de sua capacidade eleitoral passiva”.

No caso analisado, o pedido de atribuição de efeito suspensivo foi deferido, pois o colegiado entendeu que o tribunal de origem não analisou a questão da presença de dolo no suposto ato de improbidade (contratação temporária de servidores sem concurso).

Efeitos eleitorais

Na MC 17.110, o ministro Benedito Gonçalves reafirmou que, mesmo após a decisão do STJ atribuindo efeito suspensivo ao recurso contra a condenação, cabe à Justiça Eleitoral se pronunciar sobre a elegibilidade do candidato.

Na ocasião, o relator destacou que a Lei da Ficha Limpa impôs a discussão dos efeitos das decisões do STJ no processo eleitoral, devido aos reflexos no tocante à inelegibilidade de candidatos condenados por ato de improbidade administrativa, por exemplo.

“Nessa esteira, cabe comentar, por oportuno, que, pela nova lei, não é qualquer condenação por improbidade que obstará a elegibilidade, mas, tão somente, aquela resultante de ato doloso de agente público que, cumulativamente, importe em comprovado dano ao erário e correspondente enriquecimento ilícito”, afirmou.

Requisitos

Ao analisar a MC 17.133, também durante o período das eleições de 2010, o ministro Luiz Fux (hoje no Supremo Tribunal Federal) destacou três requisitos para a atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial: que a suspensão tenha sido requerida expressamente, como exigido pelo artigo 26-C (ou, no caso dos recursos protocolados antes da nova lei, que tivessem sido aditados); que a causa de inelegibilidade esteja prevista nas alíneas “d”, “e”, “h”, “j”, “l” ou “n”, do inciso I do artigo 1º da LC 64/90, alterado pela LC 135/2010, e, por último, que fique demonstrada a plausibilidade do recurso.

No caso, o Ministério Público Federal (MPF) agravou de decisão liminar que atribuiu efeito suspensivo ao recurso. A Primeira Turma manteve a decisão, por entender que as penas aplicadas no caso eram desarrazoadas.

Em 2014, também no período pré-eleições, ao julgar a MC 22.831, o ministro Mauro Campbell Marques afirmou que a atribuição de efeito suspensivo a recurso especial, solicitado em caráter incidental no processo, “deve satisfazer cumulativamente os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, além da prévia admissão do recurso especial pela corte de origem. A ausência de qualquer dos requisitos referidos obsta a pretensão cautelar”.

Além disso, observou, “é pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que, em sede de medida cautelar, a plausibilidade do direito invocado relaciona-se diretamente à probabilidade de êxito do apelo excepcional”.

Ao tratar do caso concreto, o ministro apontou que as principais teses sustentadas no recurso especial destoavam da jurisprudência do STJ. Por exemplo, o recorrente, acusado de improbidade administrativa, alegava ter direito a foro por prerrogativa de função, o que contraria o entendimento pacífico dos tribunais superiores.

Por não reconhecer a plausibilidade do direito invocado no recurso especial, a Segunda Turma acompanhou o voto do relator e julgou improcedente a medida cautelar.

Competência

Ao analisar a Reclamação 32.717, em setembro de 2016, o ministro Nefi Cordeiro suspendeu os efeitos de uma liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que havia permitido uma candidatura à prefeitura de Palmas.

O MPF entrou com a reclamação afirmando que o desembargador do TRF1 que concedeu a liminar usurpou competência do STJ ao deferir a medida, já que a decisão nesse tipo de caso deve ser sempre tomada por órgão colegiado do STJ. Para Nefi Cordeiro, relator da reclamação, o MPF tinha razão em suas alegações.

“Realmente, tratando-se de ação originária, competente para o recurso seria este Superior Tribunal de Justiça, de modo que apenas a esta corte caberia o exame, pelo colegiado, da pretensão deferida de sustar a inelegibilidade do condenado”, declarou o ministro.

Acórdão anulado

Em decisão de 2016, a Segunda Turma estabeleceu que o provimento do recurso especial por ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil de 1973 não leva necessariamente à suspensão da inelegibilidade nos termos da Lei da Ficha Limpa. Ao julgar o REsp 1.596.498, os ministros reconheceram vício de fundamentação no acórdão recorrido, que não se manifestou sobre os temas levantados em embargos de declaração, e por isso anularam o julgado e determinaram o retorno dos autos à origem para reapreciação daquelas questões.

“O reconhecimento da ofensa ao artigo 535 do CPC, com a consequente anulação do acórdão recorrido, torna prejudicada a análise dos demais temas suscitados nos apelos, inclusive no que diz respeito ao pedido cautelar de suspensão da inelegibilidade, cujo exame passa a ser de competência do tribunal de origem”, afirmou a desembargadora convocada Diva Malerbi, relatora do processo.

Pedido precipitado

Em agosto de 2018, ao analisar a Pet 12.316, apresentada por um candidato a governador do Rio de Janeiro, o ministro Benedito Gonçalves destacou que o juízo de admissibilidade (a cargo do tribunal de origem) é pressuposto para que o STJ possa analisar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial.

O recorrente interpôs o recurso contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) em julho de 2018, e no mês seguinte alegou ao STJ que o apelo teria “grandes chances” de resultar na reforma de sua condenação, razão pela qual requereu a atribuição de efeito suspensivo.

O relator destacou a regra geral do artigo 1.029 do CPC/2015, segundo a qual o pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial deve ser encaminhado ao tribunal superior respectivo no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e a sua distribuição, o que ainda não havia ocorrido naquele caso.

Segundo o ministro, a competência para a apreciação de pedidos cautelares, no momento, era ainda do TJRJ. Só a partir da decisão do tribunal fluminense sobre a admissibilidade do recurso especial é que estaria inaugurada a competência do STJ.

Recurso inadmitido

Em outro caso, o recurso especial foi inadmitido pelo tribunal de origem, mas o recorrente entrou com agravo contra a decisão (agravo em recurso especial), o que possibilita a análise do pedido de atribuição de efeito suspensivo pelo próprio STJ.

No AREsp 747.469, o ministro Gurgel de Faria negou o pedido de tutela provisória apresentado por um ex-governador do Distrito Federal para suspender os efeitos da condenação por ato de improbidade administrativa.

O ministro concluiu que o recurso submetido ao tribunal não tem plausibilidade jurídica, razão pela qual não pode ter o efeito de suspender desde logo a decisão recorrida, já que, conforme os precedentes do tribunal na matéria, não basta a alegação de perigo na demora para justificar o efeito suspensivo.

A defesa do ex-governador pediu o reconhecimento da nulidade da condenação ou, no mínimo, que fosse dado efeito suspensivo ao agravo em recurso especial que tramita no STJ para possibilitar a candidatura.

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