Uma fisioterapeuta e um servidor público federal da cidade de Petrolina, em Pernambuco, conseguiram reverter no Conselho Nacional de Justiça — CNJ um impasse com o cartório que impedia o reconhecimento da paternidade socioafetiva. A decisão foi aprovada na 69ª sessão do Plenário Virtual. O cartório responsável terá cinco dias para alterar a certidão de nascimento da mulher e reconhecer a relação de paternidade socioafetiva estabelecida com o servidor público federal.
De acordo com o relator do processo, o cartório se negava a reconhecer a relação devido a uma norma emitida pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul — CGJMS, editada anteriormente e em contrariedade às atuais normas da Corregedoria Nacional de Justiça que tratam do tema.
O artigo 1º do Provimento 149 da CGJMS não permitia o reconhecimento da paternidade socioafetiva nos casos em que o nome do pai biológico já constava nos registros de nascimento da pessoa que requeria o direito. Tal regra afronta o previsto nos Provimentos 63/2017 e 83/2019 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como o decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal — STF, no RE n. 898.060/SC.
O relator afirmou ainda que o mencionado provimento, referendado à unanimidade pelo Plenário do CNJ, ao prever que tal reconhecimento não implicará o registro de mais de dois pais ou de duas mães no campo filiação, deixa claro ser “plenamente possível que os nomes do pai biológico e do pai afetivo constem simultaneamente nos registros de nascimento”.
Segundo as normas da Corregedoria Nacional, a paternidade ou maternidade socioafetiva deve ser estável e exteriorizada socialmente, podendo ser demonstrada por todos os meios em direito admitidos.
Especialista destaca a decisão
Presidente da Comissão de Notários e Registradores do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a oficiala de registro civil Márcia Fidelis destacou que a decisão do CNJ está em conformidade aos entendimentos do STF no sentido de ser juridicamente admissível a concomitância de vínculos de filiação de origem socioafetiva e biológica, em igualdade de condições e efeitos.
“Ademais, o ato normativo que disciplina o reconhecimento do vínculo socioafetivo de parentesco é o Provimento 63, com as alterações estabelecidas no Provimento 83, ambos editados pelo próprio CNJ. A edição desta normativa foi instada justamente para estabelecer regras que uniformizassem nacionalmente os procedimentos a serem adotados pelos serviços de registro civil de pessoas naturais ao proceder à formalização dos vínculos de filiação, de maneira a observar os exatos termos da interpretação inclusiva recém afirmada pelo STF”, destaca.
Para ela, o artigo 14 deste provimento não deixa dúvidas de que é possível o acréscimo de um pai socioafetivo ou uma mãe socioafetiva, desde que essa inclusão administrativa não resulte em filiação que ultrapasse o limite de dois pais e duas mães.
“Não há, no texto da norma federal, nenhuma informação que condicione a inclusão da parentalidade socioafetiva à inexistência de pai registral. Isso posto, fica bastante clara a possibilidade de inclusão de parentalidade socioafetiva no registro de nascimento de filho ou filha, mesmo se esse acréscimo resultar em multiparentalidade”, diz.
A importância do julgamento
Márcia Fidelis assinala que a decisão do CNJ é de primordial importância para que os operadores do Direito possam unificar o discurso acerca da (im)prescindibilidade da intervenção judicial para os casos em que o reconhecimento da parentalidade resultar em poliparentalidade.
“O reconhecimento da parentalidade socioafetiva pelo procedimento simplificado disciplinado no provimento 63/2017 poderá ocorrer sempre que o filho tiver mais que 12 anos seguido as seguintes regras: desde que ele concorde com o ato; que haja também a anuência do ascendente registral caso o filho seja menor; que haja diferença entre o reconhecido e o reconhecente de, no mínimo, 16 anos; que seja incluído no registro apenas um pai ou uma mãe”, explica.
Portanto, será obrigatória a chancela judicial sempre que houver o desejo de se incluir mais que uma pessoa na filiação (pai e mãe, por exemplo); que já houver, por exemplo, duas mães no registro (caso de reprodução assistida é uma possibilidade) e se pretende acrescer uma terceira mãe socioafetiva (limite de dois pais e duas mães); o filho tiver menos de 12 anos; não houver a diferença de 16 anos entre pai/mãe e filho/filha; faltar alguma anuência.
“A inclusão do afeto como princípio jurídico, potencialmente formador de vínculos de parentesco, foi um avanço em várias esferas do Direito das Famílias, permitindo a inclusão na sociedade de pessoas que se sentiam classificadas em subcategorias sociais porque seus relacionamentos familiares não se enquadravam no padrão exclusivista e discriminatório da tradicional ‘família brasileira’. Hoje mais famílias, mais cidadãos, estão podendo ter orgulho da sua vida real”, conclui Márcia Fidelis.
Leave a Reply
Want to join the discussion?Feel free to contribute!