Pelas mãos da artista plástica Marianne Peretti, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) converteu-se na expressão perfeita das múltiplas possibilidades de conexão da arquitetura com a criatividade, a ousadia e a inventividade da arte. Na fachada principal do tribunal, os vidros desenhados pela artista estão sinuosamente esculpidos entre as colunas de concreto projetadas pelo engenheiro Bruno Contarini; na sala do Pleno, a obra Mão de Deus ergue-se, imponente, sobre o local de reunião dos 33 ministros do STJ.

De sotaque francês e coração pernambucano, a artista plástica de 91 anos foi a única mulher a integrar a equipe responsável pelos prédios públicos que formaram Brasília, chefiada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Na capital federal, são assinadas por Peretti obras como os vitrais da Catedral de Brasília e do Panteão da Pátria, além de esculturas no Teatro Nacional e no Senado Federal.

O projeto de elaboração da fachada da nova sede do STJ veio logo após a conclusão da substituição dos vitrais da catedral brasiliense, em 1990. Depois de criar algo com a dimensão e a expressão artística de um dos principais monumentos de Brasília, o desafio que a corte apresentava a Marianne não era menor: uma estrutura de 840 metros quadrados, estendida em um vão livre de 60 metros de comprimento.

Dos vitrais às colunas

E a artista dos vitrais, no STJ, optou por não fazer vitrais. Queria fazer algo novo e, de maneira intuitiva, disse a Niemeyer que daquela vez iria criar colunas. Na obra Marianne Peretti: a Ousadia da Invenção, a artista lembra que, quando se fala em tribunais, vêm à cabeça colunas pesadas, rígidas, em distâncias milimetricamente iguais. Para a nova corte, todavia, a fachada de concreto virou floresta: uma “floresta imaginária”, como definiu Marianne o projeto de vidros assimétricos e sinuosos, lembrando galhos de árvores.

“A fachada que criei é uma poesia. Aqui o traço é livre. O vidro que adotamos está integrado às colunas da fachada, fazendo o jogo do claro e escuro. De dia, entra a luminosidade através deles; e, à noite, eles ficam escuros, e o concreto é que fica iluminado pela luz da parte interna, em contraposição ao efeito que a obra confere na parte externa. Uma obra que muda com o passar do dia, sempre conferindo leveza e elegância, tanto no ambiente interno como externamente. Nenhuma coluna é igual à outra, elas possuem movimento, sustentam todo aquele enorme vão e ao mesmo tempo conferem fantasia ao lugar”, descreve a própria artista.

De fato, a fachada impressionou até o próprio Niemeyer, que, após ver o reflexo sinuoso dos galhos imaginários em uma poça formada pela chuva, decidiu modificar o projeto original do tribunal para incluir um espelho d’água que refletisse as formas dos vidros.

Mão, olho e pássaro

Caminhando pelo amplo vão livre ladeado pela fachada do STJ, é possível chegar à sala do Pleno, que guarda outra criação da artista: a obra Mão de Deus, um painel escultural de 6,80 metros de altura. Composto por ferro pintado de branco e vitral alemão azul, a obra representa – como o próprio nome indica – uma mão divina aberta, mas também é possível observar um composto de formas de pássaro e de um olho vigilante – e quantas outras imagens o espectador puder enxergar.

Perguntada sobre a inspiração para a obra, Marianne esquivou-se, atribuindo a criação ao próprio dono da mão: “Vem de cima, só pode ser isso. Pura inspiração, iluminação”.

Em 2011, a artista fez uma visita ao STJ e reviu o seu próprio trabalho. Observadora e crítica, ela fez várias sugestões, especialmente de iluminação das obras. Sobre a Mão de Deus, disse: “A forma redonda externa, que também faz parte da obra, não devia estar pintada de cinza, mas com um colorido mais forte. A luz precisava vir de fora, pois esse olho azul é feito com vidros alemães muito bonitos, radiantes”. As adaptações sugeridas pela artista foram posteriormente realizadas pelo tribunal.

Sobre o tempo

Quando Marianne Peretti fala sobre sua participação artística nas obras de Brasília, costuma lembrar que tudo era feito de maneira muito rápida, no ritmo de uma cidade que estava sendo inventada naquele momento. Tudo foi “de imediato”, nas palavras da artista.

À medida que se concluía um projeto, Niemeyer oferecia uma construção para uma nova obra de arte de Marianne. Também assim foi o STJ: uma criação rápida e intuitiva, inédita e moderna.

Apesar desse processo de criação veloz e inventivo, a própria artista já confessou, sobre os seus trabalhos, que nunca esteve ligada a uma marcação temporal rígida de sua produção. “Eu nunca calculo tempo”, afirmou. E nem seria importante calcular: o tempo das obras de uma artista como Marianne Peretti está gravado no preciso intervalo da eternidade.

A série 30 anos, 30 histórias apresenta reportagens especiais sobre pessoas que, por diferentes razões, têm suas vidas entrelaçadas com a história de três décadas do Superior Tribunal de Justiça. Os textos são publicados nos fins de semana.
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