​”A criança tem lugar especial na consciência pública, razão pela qual garantir seus direitos é tarefa de todos, não só do Judiciário” – afirmou o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, ao participar nesta quinta-feira (10) da abertura do seminário 30 Anos da Convenção sobre os Direitos da Criança.

O evento, que integra a programação comemorativa do 30º aniversário de instalação do STJ, foi realizado no auditório do tribunal e teve a participação de especialistas e de organizações ligadas à questão dos direitos e do desenvolvimento integral da criança, entre elas a Instituto Alana, Coletivo da Cidade e a Nova Acrópole.

Noronha lembrou que, em suas três décadas de existência, o STJ vem construindo jurisprudência para tornar efetivas as normas legais de proteção à infância. “Queremos olhar para a convenção considerando cenários políticos, culturais e institucionais da realidade brasileira. Queremos substituir políticas genéricas por políticas inteligentes, ou seja, por ações transformadoras”, declarou o ministro.

Convenção sobre os Direitos da ​Criança foi instituída pela ONU em 20 de novembro de 1989. Assinada por 196 países, entre eles o Brasil, é o acordo de direitos humanos mais ratificado da história e um instrumento de solidariedade internacional sem precedentes. Seus 54 artigos tratam do compromisso de proteger as crianças contra a discriminação, a exploração, o abuso e a violência.

A juíza auxiliar do STJ Cláudia Sílvia de Andrade; a secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Petrúcia de Melo; o coordenador do Instituto Alana, Pedro Hartung; o diretor nacional da Nova Acrópole, Luis Carlos Fonseca, e a deputada distrital Júlia Lucy participaram do painel de abertura.

Responsabilidade de​​ todos

Representando o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Petrúcia de Melo ressaltou a necessidade de um olhar especial para as políticas públicas. “Precisamos avaliar nossa participação social e o espaço de controle social em que possamos fazer diferença. Não avaliar condutas – ou participações – clientelistas, mas atitudes de cidadania onde possamos transformar a realidade local”, analisou a secretária.

A deputada distrital Júlia Lucy, que preside a Frente Parlamentar da Primeira Infância, disse que, desde a convenção, já foram implementadas diversas ações voltadas para a proteção, educação e saúde da criança. “Alguns índices foram reduzidos, como os da mortalidade de crianças abaixo de cinco anos (que caiu pela metade), do analfabetismo e da desnutrição”, destacou. Entretanto, apesar das tendências positivas, ainda há muito o que ser feito.

“Precisamos perceber o papel primordial de responsabilidade da família, do Estado e da sociedade em favor da saúde, do cuidado e da proteção das crianças, enquanto pessoas em desenvolvimento. Precisamos repensar e compreender as mudanças da sociedade e o quanto isso pode impactar no desenvolvimento delas”, concluiu a deputada.

Após a abertura, houve uma apresentação da Acrópole Filarmônica Juvenil, com a participação de 40 jovens músicos, entre adolescentes e crianças. O grupo musical é mantido pela ONG Nova Acrópole.

Peculiar desenvolvim​​ento

O primeiro painel da manhã discutiu “A importância do Convenção sobre os Direitos da Criança”, tendo o ministro do STJ Napoleão Nunes Maia Filho como moderador. O magistrado destacou que o tema tem máxima importância, pois tudo o que vier a favor dos jovens é importante, urgente, necessário e, acima de tudo, insuficiente. “Sou juiz há 30 anos e ainda não vejo que exista uma evolução consistente ou significativa da proteção dos direitos da criança e do adolescente. Temos que mudar a cabeça dos juízes e espero que este encontro ajude, auxiliando futuras decisões em favor dos jovens”, disse.

O primeiro palestrante foi Vital Didonet, da Rede Nacional Primeira Infância, com o tema “Neurociência e a condição peculiar de desenvolvimento”. Ele lembrou que a criança não nasce inteligente, e que isso é uma construção do sujeito na interação com o meio em que vive. “De modo genérico, todas as crianças nascem com o cérebro preparado para construir capacidades de aprendizagem. Portanto, a qualidade do meio ambiente em que vivem é fundamental para o desenvolvimento”, ressaltou.

Em seguida, Pedro Hartung, do Instituto Alana, proferiu a palestra “A consideração primordial do melhor interesse da criança”. Para ele, a Convenção sobre os Direitos da Criança tem como importância no cenário internacional a possibilidade de consagrar juridicamente o seu status como ser em estágio peculiar de desenvolvimento progressivo de suas capacidades e, portanto, titular de direitos fundamentais e humanos específicos, merecendo um tratamento diferenciado por parte dos Estados.

“Temos a responsabilidade de abrir verdadeiramente as portas do nosso sistema de Justiça, para o acesso direto de crianças e adolescentes, para fazerem suas denúncias de forma direta, sem a presença de um responsável, até porque, infelizmente, grande parte das denúncias estão no âmbito familiar. Temos que mudar a cabeça, não só dos juízes, mas de todos os integrantes e profissionais do sistema de Justiça”, afirmou Hartung.

Fechando o painel, o promotor de Justiça de Goiás Vinicius Ribeiro falou da “Responsabilidade compartilhada”. Ele destacou que a convenção permitiu que fosse evidenciada na Constituição de 1988 uma tríplice responsabilidade, entre Estado, família e sociedade. O promotor lembrou que, apesar de todas as garantias estabelecidas em documentos políticos e jurídicos, o Estado brasileiro não tem colocado os jovens em posição de prioridade absoluta.

“O Estado está relativizando e excluindo a discussão dos direitos da criança e do adolescente, pois está se preocupando em olhar para eles somente quando violam o direito de adultos. Então, o que a gente percebe é que se discute muito a infração aos nossos direitos, mas não aos deles”, frisou.

Acesso à Just​​​iça

O segundo painel da manhã tratou do “Acesso à Justiça de crianças à luz da convenção – desafios dos direitos de crianças e adolescentes”. O ministro do STJ Sérgio Kukina abriu o painel afirmando que a ideia do acesso direto de menores de 18 ao Judiciário é algo novo. “Antes, o juiz não lidava tanto com essas questões, e as audiências de família, às vezes, nem incluíam os menores”, apontou.

Segundo o ministro, com a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, isso mudou muito. “Hoje, os mais jovens são sujeitos de direitos e têm prioridade absoluta”, lembrou. Para o magistrado, é importante colocar essas proteções em prática.

O primeiro palestrante foi o juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Richard Pae Kim. “Fui juiz de família por 14 anos e monitoro essa área de perto. O que ainda temos é uma triste realidade”, alertou. Apesar disso, Pae Kim aponta que houve muitos avanços.

“Os abrigos, há 30 anos, não eram nada mais que prisões, e não havia mecanismos de controle. A situação ainda está longe da ideal, mas houve um aprimoramento real”, afirmou. Ele disse que a Lei 13.509/2017 melhorou e deu mais agilidade ao processo de adoção. “Essa é uma lei de proteção à convivência familiar, algo necessário diante dos altos índices de violência e negligência com crianças.” Outro ponto importante, segundo o juiz, foi a implantação do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, que facilitou as adoções em todo o país – o que chamou de “mudança de paradigma”.

Desafios na proteçã​​o

A palestrante seguinte foi Claudia Vidigal, do Instituto Fazendo História, que afirmou que em 2019 tem havido sensíveis retrocessos em conquistas para crianças e adolescentes. “Estamos vendo retrocessos na universalização da educação, nos direitos da infância e da juventude, e o esvaziamento de conselhos e agências governamentais voltados para eles”, advertiu. Para ela, é essencial mudar não só a cabeça dos juízes e operadores do direito, mas conscientizar toda a sociedade sobre o apoio necessário na infância e na transição para a vida adulta”, completou.

Fechando a manhã, a representante do Instituto Alana, Mayara Silva, afirmou que o acesso ao Judiciário deve ser sensível e amigável para crianças e adolescentes. “Deve haver respeito, e elas devem ser priorizadas”, destacou. Segundo ela, a grande maioria dos menores no sistema de abrigamento estão lá por atividades ligadas ao tráfico de drogas.

Para Mayara Silva, além do fator criminal, isso seria uma forma de exploração do trabalho de menores. “Falhamos duplamente, primeiro por não proteger contra o tráfico e depois por não reconhecer que houve uma exploração contra os menores de 18 anos”, afirmou. Outro ponto abordado foi o componente racial na punição de crianças e adolescentes. “Das crianças e dos adolescentes nessa situação, 59,8% são negros e apenas 22,5% são brancos”, acrescentou.

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