Juros e correção monetária incidem sobre valor de cotas da ex-mulher em empresa que foi objeto de partilha em divórcio e encerrada após a separação, quando estava sob a administração exclusiva do ex-marido. O artigo 389 do Código Civil foi a base para o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ ao manter a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS.

Em primeiro grau, o juiz aplicou correção monetária e juros de 1% ao mês sobre o valor de avaliação das cotas societárias, pois a empresa esteve sob a administração do ex-marido durante o período. A ex-mulher, por outro lado, não teve acesso a esses valores. O magistrado entendeu que os juros e a correção se justificavam diante do dever do homem em indenizar a meação à antiga cônjuge, autora da ação, pelo fechamento da empresa.

Na análise do recurso especial apresentado pelo ex-marido, o relator do caso, o ministro Villas Bôas Cueva, esclareceu que a discussão não é sobre o compartilhamento dos eventuais prejuízos decorrentes do fechamento da empresa, pois o homem reconheceu a responsabilidade de pagar a quantia relativa às cotas que caberiam à ex-esposa. O debate é relativo apenas à incidência de juros e correção monetária sobre o valor dessa participação societária, conforme avaliado em perícia técnica nos autos originários.

Há jurisprudência pacífica sobre o tema no STJ

De acordo com o ministro, a jurisprudência do STJ é pacífica ao reconhecer a possibilidade de partilha, em ação de divórcio, da expressão econômica resultante de cotas empresariais que integraram o patrimônio comum construído na vigência do relacionamento entre as partes, independentemente da natureza da sociedade.

No caso dos autos, o relator lembrou que a ex-mulher teve reconhecido o direito à metade do valor das cotas empresariais. Entretanto, tendo em vista o encerramento das atividades da empresa após a separação do casal, ele apontou que o objeto a ser partilhado consiste no próprio capital investido na sociedade à época do relacionamento, com as devidas atualizações.

Ainda segundo Cuevas, considerando que o encerramento da empresa não deve impor à ex-mulher – que ficou privada do patrimônio relativo às cotas – o prejuízo decorrente da administração exclusiva do ex-marido, é incabível afastar os juros no pagamento de perdas e danos sobre o valor das cotas, sob pena de se consolidar indevido desequilíbrio na divisão de bens pactuada na partilha.

“Diante do encerramento das atividades negociais, resta ao devedor suprir o valor integralizado outrora alocado na empresa e por ele gerido exclusivamente, convertendo-o nos autos em perdas e danos aptos a representar os direitos patrimoniais sobre as cotas sociais então devidas à recorrida. Por esse motivo, correta a avaliação que inclua não só a obrigação principal, mas também seus acessórios, ou seja, juros e correção monetária”, concluiu o ministro.

Apuração de haveres

O advogado e professor Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM comenta: “Sempre entendi que um processo de divórcio ou de dissolução de união estável realizado em uma vara de família pode fazer a partilha das cotas de uma sociedade empresarial. Agora, o quanto valem essas cotas e sua liquidação, a transformação em dinheiro, dependem, no meu modo de entender, de uma ação própria, específica, a ser promovida em uma vara cível.”

Segundo Rolf, o processo na vara cível pode acionar os demais sócios da empresa, que nada têm a ver com a ação de divórcio. “Sendo proprietária de metade das cotas, a mulher precisa saber quanto elas valem. Deve, então, ingressar com uma ação de apuração de haveres, que tramita em vara cível, para que sejam apurados os valores”, diz.

Ele observa que, no caso analisado, o marido parou de operar a empresa após a partilha das cotas, o que desvalorizou significativamente seu valor. Por isso, se faz necessária a apuração de haveres “no tempo do divórcio”, como frisa o especialista. O que se investiga é quanto as cotas valiam quando o casal se separou.

“Essa empresa, se continuasse, poderia ter ido bem ou mal, e em ambas as situações sem a participação da ex-mulher. O que aconteceu após o divórcio não atinge a ela, comunheira de um bem que ajudou a manter e crescer. Depois disso, o destino, para o melhor ou para o pior, não diz lhe mais respeito”, explica Rolf.

Juros de mora

O jurista diverge parcialmente do entendimento do STJ. Ele aponta como pertinente a correção monetária, mas discorda da aplicação de juros sobre as cotas devidas à ex-mulher. “Juros são juros de mora, devidos porque alguém que deixou de pagar”, pontua Rolf.

“Alguém só deixa de pagar quando sabe o que deve. O ex-marido não poderia pagar o valor correspondente a 50 cotas se, quando se divorciou, não se sabia quanto valiam essas cotas, já que elas ainda precisavam ser levantadas, apuradas – algo só feito agora”, acrescenta.

Para Rolf, os juros só podem ser cobrados após o momento em que o homem é informado do valor devido à ex-esposa. “Se não pagar o valor que só agora ele sabe que tem que dar à ex-esposa, entra em mora, será um devedor. Juros só podem ser cobrados depois que se sabe o quanto deve”, defende o especialista.

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