A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ manteve o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP que fixou a guarda unilateral de uma criança para o pai. Entre outros elementos, a corte local levou em conta a recusa da mãe em se submeter a tratamento psicoterápico, os registros de intensa disputa entre os pais em relação aos interesses da filha e, ainda, as declarações de profissionais no sentido de que a criança preferia ficar com o pai, pois sofria com o isolamento e o tratamento inadequado na companhia da mãe.
A decisão partiu do entendimento de que, apesar da Lei 13.058/2014 estar em vigência, no momento de decidir sobre o tipo de guarda, o juiz deve analisar as especificidades que envolvem a relação entre pais e filhos e, sobretudo, considerar o princípio constitucional do melhor interesse da criança – que pode levar, inclusive, ao estabelecimento da guarda unilateral.
No caso, o pai ajuizou ação com o objetivo de obter a guarda da filha sob a alegação da prática de atos de alienação parental por parte da genitora. Em primeiro grau, embora tenha fixado a guarda compartilhada, o juiz determinou que a criança ficasse morando com o pai e estabeleceu regime de visitas maternas, condicionando a ampliação das visitas à submissão da mãe a tratamento psicoterápico. Ambos apelaram da sentença, mas o TJSP acolheu apenas o recurso do pai, estabelecendo a guarda unilateral da criança a seu favor.
Por meio de recurso especial, a mãe alegou que, nos termos dos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, a guarda compartilhada não está condicionada à possibilidade de convívio amistoso entre os pais. Segundo ela, as duas únicas exceções à guarda compartilhada seriam quando um dos pais não a deseja e quando um deles não é capaz de exercer o poder familiar.
O ministro Villas Bôas Cueva afirmou que a Lei 13.058/2014 rompeu paradigmas seculares, propiciando novos parâmetros para a aplicação dos modelos de guarda. No caso do formato compartilhado, explicou, há a possibilidade de que a família, mesmo não tendo vínculo conjugal, exista na modalidade parental.
Entretanto, o ministro lembrou que a aplicação da lei se submete à interpretação dos princípios constitucionais, sobretudo da cláusula de supremacia do melhor interesse do menor.
Em relação aos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, o relator apontou que a guarda unilateral será mantida quando houver a inaptidão de um dos pais – situação que poderá ocorrer de inúmeras formas, que não passam, necessariamente, pela perda do poder familiar.
Villas Bôas Cueva considerou que esse princípio foi elevado à condição de metaprincípio por possuir função preponderante na interpretação das leis, em decorrência da natureza específica e vulnerável do menor.
Decisão não é inovadora, mas chama a atenção
O advogado Marcelo Bürger, presidente da Comissão de Relações Acadêmicas do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, destaca que a decisão do STJ não é inovadora, mas chama a atenção por superar uma resistência dos tribunais brasileiros em atribuir a guarda unilateral em favor do pai.
“Tal resistência não é mera suposição: a última Estatística do Registro Civil divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE apontou que, no ano de 2018, em primeiro grau de jurisdição, 65,4% das guardas foram atribuídas de forma unilateral à mãe, contra apenas 4,3% de guardas unilaterais paternas”, afirma.
Outro ponto da decisão enfatizado por Marcelo Bürger é a funcionalização dos institutos de Direito Civil, especificamente da guarda. Segundo ele, embora a estrutura da regra legal determine que, na ausência de acordo entre os genitores o juiz, se aplicará a guarda compartilhada, assim o faz estribada na premissa de que o modelo compartilhado é, ao menos em regra, o que representa o melhor interesse dos filhos, daí a sua obrigatoriedade.
“Embora esta seja a regra geral, quando o caso concreto demonstrar que a aplicação da regra (guarda compartilhada), naquele contexto familiar, não reflete a melhor solução para a criança ou adolescente, o juiz deverá excepcionar a regra e aplicar solução jurídica outra que efetivamente concretize esse princípio. Trata-se, ao fim, de funcionalizar a guarda em favor do melhor interesse do filho. Neste ponto, a decisão é elogiável não só pela técnica como pela sensibilidade”, conclui.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STJ)
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