Em decisão recente, a 2ª Vara das Famílias e Sucessões de Foz do Iguaçu, no Paraná, entendeu que casamento religioso islâmico com dote não justifica regime de separação de bens e estabeleceu o regime de comunhão parcial de bens após declarar a união estável post mortem entre libaneses residentes no Brasil. O juiz Rogério de Vidal Cunha ressaltou que “as regras religiosas não têm o condão de afastar a incidência das regras de Direito interno”.

A sentença está em conformidade com o artigo 1.725 do Código Civil, cuja determinação é de que na união estável aplica-se o regime de comunhão parcial de bens, exceto se houver contrato escrito que fixe outro regime.

Conforme consta nos autos, a autora e o falecido formalizaram uma união há 16 anos, conforme o ritual islâmico. O casal abriu uma conta bancária conjunta e adquiriu um imóvel e um veículo. Após a morte do homem, ela pediu o reconhecimento da união estável desde o casamento religioso até a data do óbito.

Um herdeiro do falecido defendeu que deveria ser adotado o regime de separação total de bens, tendo em vista que, no casamento islâmico, o homem paga um dote à mulher – uma parte logo de início e o restante para ser recebido em caso de separação ou morte.

A união estável foi constatada com base na certidão de casamento islâmico, na certidão de óbito e no instrumento público do imóvel, que demonstrariam a convivência pública, contínua e duradoura do casal. O juiz pontuou que “deve haver expressa manifestação de vontade dos conviventes em adotar regime de bens diverso do legalmente fixado” – o que, no caso concreto, não ocorreu.

Segundo o magistrado, a certidão de casamento islâmico apenas comprovaria que os conviventes se uniram conforme sua fé, como poderia ter acontecido com qualquer outra religião. Ele observou que o casal sequer formalizou o procedimento de habilitação e o registro da ata de cerimônia em cartório.

O juiz também ressaltou que a existência do dote seria irrelevante, “já que tal figura não tem qualquer eficácia no regime legal brasileiro”. Constatou ainda que a declaração do Consulado Geral do Líbano sobre o regime de bens adotado no país não afastaria a regra nacional, já que o casamento aconteceu no Brasil. “Logo, é irrelevante o fato de que no Líbano adota-se o regime diverso do nacional.”

Decisão irretocável

Para o advogado Paulo Lins e Silva, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a sentença que prioriza a aplicação de regras internas, não admitindo normas religiosas que colidem com a legislação vigente, é irretocável. “A certidão de casamento religioso converge para o alcance do artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro, que reconhece a publicidade no âmbito social, a vida em comum contínua e duradoura, que apenas findou com a morte do companheiro varão.”

“Deram também a conotação da constituição de uma família entre ambos os conviventes.  Eles chegaram a ter conta bancária conjunta e adquiriram bens em comum. Apenas como faculta a lei civil (artigo 1.726) e a própria Carta Magna, não converteram o casamento religioso em civil, quando teriam a oportunidade da opção por um outro regime de bens também formal, com a sacramentação de uma escritura de pacto antenupcial”, constata o especialista.

Paulo ressalta que o regime legal no Brasil é o da comunhão parcial de bens, portanto, “os conviventes estavam regidos sob tal regime, mesmo se casando sob outro explícito nas regras religiosas islâmicas.”

No sentido dessa mesma decisão, o advogado lembra que outras foram proferidas em todo o Brasil. Entre elas, cita uma do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, na Apelação Cível 1022322-64.2018.8.26.0002, originário da 7ª Câmara de Direito Privado, da lavra do desembargador Luis Mário Galbetti, proferido em 6 de dezembro de 2019.

“A nossa legislação é rica sob tal aspecto, considerando inclusive o alcance da Lei de Introdução ao Código Civil, em seus artigos 7º ‘caput’ e no parágrafo 4º da mesma norma”, conclui.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do ConJur)

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