A Portaria 2.282 do Ministério da Saúde, que introduziu, no fim de agosto, novas regras para a realização de aborto legal nas unidades do Sistema Único de Saúde – SUS, foi questionada junto ao Supremo Tribunal de Federal – STF. O Instituto Brasileiro de Organizações Sociais de Saúde – IBROSS ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 6.552, distribuída ao ministro Ricardo Lewandowski.
Com a portaria, o Ministério da Saúde passa a exigir que, nos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro, o médico responsável pelo procedimento acione a polícia, preservando possíveis evidências materiais do crime. Para o procedimento de justificação e autorização da interrupção da gravidez em caso de estupro, a mulher deverá fazer um relato sobre a violência sofrida, com informações sobre local, dia e hora do fato, descrição do agressor e indicação de testemunhas, quando houver.
Depois disso, ainda será submetida a exame físico, que incluirá ultrassonografia para visualização do embrião ou feto, se a gestante desejar. A equipe de saúde responsável pelo procedimento deverá ser integrada por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo.
Constrangimento e sofrimento à vítima
Na ação, o IBROSS argumenta que a norma transfere ao médico e aos demais profissionais das instituições de saúde atividade policial e de investigação que extrapola o atendimento assistencial à saúde por meio do SUS. Sob o aspecto legal, moral e humanitário, o Instituto afirma que a portaria constrange e causa sofrimento à vítima, como forma de demovê-la da interrupção da gravidez.
Segundo a entidade, a portaria demonstra o uso político e ideológico do Estado para dificultar o aborto legal. Para o IBROSS, não é mera coincidência o fato de o regramento ter sido editado após o dramático caso do aborto realizado em uma menina de 10 anos em Recife, estuprada desde os 6 anos pelo tio.
De acordo com a argumentação, a norma confronta preceitos constitucionais pétreos e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Simboliza ainda “não apenas o retrocesso nas políticas de proteção à mulher, à criança e ao adolescente como às demais vítimas de violência sexual, que cresce exponencialmente num país que sinaliza para a criminalização da vítima, e não do agressor”.
Para o IBROSS, o oferecimento de exame de ultrassom para visualização do feto prolonga o sofrimento da vítima e a transforma em criminosa. A exigência de que ela detalhe a violência sofrida é outra forma de fazê-la reviver seu drama. Outro problema, segundo o Instituto, é que percentual considerável dos procedimentos de aborto legal ocorrem de forma medicamentosa e, portanto, não necessitam de médico anestesista para sua realização, de maneira que a obrigatoriedade desse profissional na equipe é mais uma forma de dificultar o procedimento.
O IBROSS pede liminar para suspender a eficácia da portaria ministerial, com o argumento de que centenas de mulheres, crianças e adolescentes deixarão de procurar assistência médica em razão dos obstáculos que a norma introduziu. Argumenta, ainda, que as unidades públicas de saúde de todo o país e seus profissionais não têm qualquer estrutura e função de estado-policial, pois sua função é acolher a vítima e garantir sua proteção e sua saúde física e mental.
Revitimização
Na ocasião da divulgação da Portaria 2.282 do Ministério da Saúde, a advogada Maria Berenice Dias comentou as determinações expressas pelo órgão. “Muitas vezes, esses crimes ocorrem na unidade familiar e ninguém na família quer que o agressor seja processado. Isso talvez exclua dos quadros do SUS uma parcela das vítimas cujas famílias não vão querer fazer a denúncia”, observou.
A especialista também criticou o dispositivo que orienta o médico a facultar a realização de ecografia para que a vítima de estupro veja o feto antes de manifestar seu desejo pela interrupção da gravidez. “Isso é revitimização. Ela foi vítima de estupro e procurou médico para exercer seu direito ao aborto”, comentou Maria Berenice.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STF)