Por entender que o reconhecimento da inimputabilidade ou da semi-imputabilidade depende da prévia instauração de incidente de insanidade mental e do respectivo exame médico-legal, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) contra acórdão que havia declarado a semi-imputabilidade do réu apenas com base no depoimento de vítima de estupro. O acórdão questionado invocou o artigo 26, parágrafo único, do Código Penal.

Com o provimento do recurso, em razão de dúvida sobre a sanidade do réu, o colegiado determinou a realização do exame médico-legal, nos termos do artigo 149 do Código de Processo Penal (CPP).

No recurso apresentado ao STJ, o MPRS sustentou que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) contrariou o Código Penal ao reconhecer a semi-imputabilidade – e, em consequência, aplicar a causa especial de redução da pena – somente com base nas declarações da vítima, sem determinar a realização de exame médico para verificar se, na época do crime, o autor realmente não era capaz de entender por completo o caráter delituoso de sua conduta.

Exame indispensáv​​el

Segundo o relator do caso, ministro Sebastião Reis Júnior, o magistrado não possui conhecimentos técnicos para aferir a saúde mental ou a autodeterminação do acusado, o que leva à necessidade de produção de parecer técnico. Essa circunstância, entretanto, não impede o magistrado de decidir de forma diversa do apontado no laudo pericial, como previsto no artigo 182 do CPP, desde que a decisão seja devidamente fundamentada.

“Não há como ignorar a importância do exame pericial, considerando que o Código Penal adotou expressamente o critério biopsicológico”, destacou o relator ao reconhecer que a avaliação médica é indispensável para a formação da convicção do julgador.

Internação pr​​ovisória

Sebastião Reis Júnior apontou que a medida cautelar de internação provisória, no caso de crimes praticados com violência ou grave ameaça – prevista no artigo 319 do CPP –, também exige parecer pericial sobre a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade do réu.

Ao dar provimento ao recurso especial do Ministério Público, a turma decidiu pela cassação, em parte, do acórdão TJRS, determinando a realização do exame de sanidade.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial. 

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a diferença para mais entre o volume de combustível que entra na distribuidora e o que sai nas suas operações de venda – decorrente da dilatação do produto, provocada pela variação da temperatura ambiente – não dá à Fazenda Pública o direito de exigir complementação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Para os ministros, a dilatação volumétrica é fenômeno físico, e não jurídico, não se amoldando à descrição legal que autoriza a incidência do imposto.

A decisão foi tomada na análise de recurso em que o Estado da Paraíba apontou perdas no ICMS recolhido pelas distribuidoras de combustíveis, porque o volume do produto aferido para fins de tributação é inferior ao comercializado.

De acordo com a Fazenda Pública estadual, o combustível adquirido pelas distribuidoras para comercialização é entregue pelas refinarias a uma temperatura padrão definida pelos órgãos reguladores, mas a variação da temperatura ambiente durante o transporte, o armazenamento e a comercialização faz com que o produto sofra retração ou dilatação. No caso do Nordeste, os procuradores estaduais ressaltaram que as temperaturas em que o combustível é comercializado são bem superiores à padrão, o que gera ganho de volume para a distribuidora.

Com esses argumentos, a Fazenda Pública da Paraíba defendeu a legalidade da cobrança do ICMS sobre a diferença entre o volume de entrada e o de saída do combustível, sustentando que a caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitui, nos termos do parágrafo 2º do artigo 2º da Lei Complementar 87/1996.

Fenômen​​o físico

Em seu voto, o ministro relator do recurso, Benedito Gonçalves, destacou que a variação volumétrica do combustível não é um fenômeno jurídico, mas uma “consequência física inescapável” decorrente das diferenças de temperatura. “Não se pode confundir fenômeno físico com a natureza jurídica das coisas”, disse ele.

O ministro ressaltou que não se aplica ao caso o disposto no parágrafo 2º do artigo 2º da LC 87/1996, pois não se verifica novo fato gerador com a alteração de volume dos combustíveis líquidos, não havendo nisso uma nova operação tributável – ou seja, uma nova entrada ou saída intermediária não considerada no cálculo do imposto antecipado.

Assim, não cabe estorno ou cobrança adicional de ICMS se o volume de combustível se retraiu ou dilatou, já que tal fenômeno físico foge à hipótese de incidência tributária.

Prece​​​dentes

Benedito Gonçalves citou precedente de sua relatoria (REsp 1.122.126), em que a Primeira Turma não reconheceu o alegado direito do contribuinte ao creditamento de ICMS em razão da perda de gasolina por evaporação. O colegiado considerou que a volatilização constitui elemento intrínseco desse tipo de comércio, devendo ser considerado por seus agentes para fins de composição do preço do produto.

“Esse fenômeno natural e previsível difere, em muito, das situações em que a venda não ocorre em razão de circunstâncias inesperadas e alheias à vontade do substituído”, afirmou o magistrado naquele julgamento.

O relator lembrou ainda que, analisando questão análoga relacionada à entrada de cana-de-açúcar na usina para produção de álcool, o STJ se pronunciou no sentido de que a quebra decorrente da evaporação é irrelevante para fins de tributação do ICMS.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1884431

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 676 do Informativo de Jurisprudência, com destaque para duas teses.

Uma delas foi adotada em julgamento no qual a Quarta Turma decidiu, por unanimidade, que “as fundações públicas de direito privado não fazem jus à isenção das custas processuais” (REsp 1.409.199).

No outro caso, a Primeira Seção entendeu, por unanimidade, que “é aplicável o artigo 187 do Decreto 3.048/1999, quando a aposentadoria foi deferida com base no direito adquirido anterior à vigência da Emenda Constitucional 20/1998, devendo a atualização dos salários de contribuição integrantes do período básico de cálculo observar como marco final a data ficta de dezembro de 1998 e, a partir de então, a renda mensal inicial deverá ser reajustada até a data da entrada do requerimento administrativo pelos índices de reajustamento dos benefícios” (PUIL 810).

Conheça o Informativo

O Informativo de Jurisprudência divulga periodicamente notas sobre teses de relevância firmadas nos julgamentos do STJ, selecionadas pela repercussão no meio jurídico e pela novidade no âmbito do tribunal.

Para visualizar as novas edições, acesse Jurisprudência > Informativo de Jurisprudência, a partir do menu no alto da página. A pesquisa de informativos anteriores pode ser feita pelo número da edição ou pelo ramo do direito.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que não é cabível a condenação em honorários advocatícios nas decisões interlocutórias que resolvem incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que determinou o pagamento de honorários ao advogado da sócia de uma empresa, em razão da improcedência do pedido de desconsideração da personalidade jurídica formulado pela parte contrária na fase de cumprimento de sentença de uma ação monitória.

Na decisão, o TJSC afirmou que quem pede a desconsideração da personalidade jurídica e não obtém êxito deve arcar com o ônus da sucumbência, devido ao princípio da causalidade, pois o incidente instaurado pode – como no caso dos autos – levar o sócio à contratação de advogado para se defender.

A corte local destacou ainda que, apesar de não estar previsto de forma expressa no rol do artigo 85, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em muito se assemelha ao procedimento comum, pois determina a citação do sócio ou da pessoa jurídica para manifestação e requerimento de provas, e fixa a possibilidade de instrução processual.

Previsão expr​essa

Ao STJ, a empresa que suscitou o incidente alegou que o CPC/2015 é expresso e taxativo ao prever em seu artigo 85, parágrafo 1º, que os honorários somente devem ser fixados na sentença, e esse dispositivo não admitiria interpretação extensiva para incluir decisões interlocutórias que resolvem incidentes processuais.

Em seu voto, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, declarou que a jurisprudência do STJ preza pela harmonização dos princípios da sucumbência e da causalidade para distribuir de forma justa os ônus sucumbenciais, especialmente em relação aos honorários advocatícios.

Entretanto, ponderou que, no caso analisado, não há necessidade de fazer tal avaliação, pois o CPC/2015 determinou que, em regra, a condenação nos ônus de sucumbência é vinculada às decisões que tenham natureza jurídica de sentença, podendo, excepcionalmente, ser estendida às decisões previstas de forma expressa no parágrafo 1º do artigo 85.

“No caso concreto, está-se diante de uma decisão que indeferiu o pedido incidente de desconsideração da personalidade jurídica, à qual o legislador atribuiu de forma expressa a natureza de decisão interlocutória, nos termos do artigo 136 do CPC/2015″, afirmou o relator para, então, concluir que “afastada a natureza sentencial e não ressalvada a possibilidade de condenação em honorários advocatícios, essa pretensão revela-se juridicamente impossível”.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1845536

Crédito decorrente de aposentadoria pelo regime geral de previdência, ainda que o beneficiário tenha recebido o quinhão retroativamente após o divórcio, integra o patrimônio comum. Por isso, deve ser partilhado no limite correspondente ao período em que durou a união sob o regime de comunhão parcial de bens.

Esse foi o entendimento apresentado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, que havia determinado a impossibilidade da partilha de valores decorrentes de ação previdenciária nos regimes de comunhão parcial. O embasamento foi no artigo 1.659, inciso VI, do Código Civil.

Na ação de sobrepartilha, a mulher alegou que o crédito de natureza previdenciária recebido pelo ex-marido após o divórcio deveria ser dividido entre eles. Em sua defesa, pontuou que a ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS foi ajuizada durante o casamento e a aposentadoria foi concedida de forma retroativa, alcançando o período em que eles estiveram casados.

O juiz responsável pelo caso no TJRS manteve a sentença de primeira instância com o fundamento de que os créditos provenientes do trabalho pessoal, bem como os valores de aposentadoria, seriam incomunicáveis. Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial no STJ, a incomunicabilidade geraria “injustificável distorção”.

Injustificável distorção

“Tal qual nas hipóteses de indenizações trabalhistas e de recebimento de diferenças salariais em atraso, a eventual incomunicabilidade dos proventos do trabalho geraria uma injustificável distorção, em que um dos cônjuges poderia possuir inúmeros bens reservados, frutos de seu trabalho, e o outro não poderia tê-los porque reverteu, em prol da família, os frutos de seu trabalho”, afirmou Nancy Andrighi.

A ministra também atentou à jurisprudência, identificando a existência de consenso entre as turmas de direito privado do STJ no sentido da comunhão e partilha de indenizações trabalhistas correspondentes a direitos adquiridos na constância do vínculo conjugal, ainda que a quantia tenha sido recebida após a dissolução do casamento ou da união estável. Para a ministra, o mesmo tratamento deve ser dispensado à aposentadoria pelo regime geral.

Ela ressaltou que se a aposentadoria tivesse sido deferida durante a constância do casamento, haveria a comunicação dos valores auferidos até o momento do divórcio. Há, segundo Nancy, famílias em que apenas um dos cônjuges desenvolve atividade remunerada, para que o outro permaneça em casa, ou, ainda, casais que dividem tarefas de modo que um se responsabiliza pelas obrigações principais da família, enquanto o outro cuida dos investimentos para garantir o futuro familiar.

Ao dar provimento ao recurso da ex-mulher, a ministra Nancy Andrighi estabeleceu que o recebimento posterior do benefício, mas referente a contribuições ocorridas à época da relação conjugal, deve ser igualmente objeto de sobrepartilha, observado o período compreendido entre a data do indeferimento do pedido administrativo pelo INSS e a data do divórcio. O número do processo não foi divulgado em razão de segredo judicial.

Decisão coerente

“A decisão é coerente com a jurisprudência consolidada no âmbito do STJ no sentido de que as indenizações trabalhistas e outras verbas salariais recebidas após o divórcio, mas referentes a atividades prestadas durante o casamento, devem ser objeto de partilha”, comenta Mário Delgado, diretor nacional Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

Ele acrescenta: “De modo que o mesmo raciocínio teria necessariamente que ser aplicado no tocante ao crédito de aposentadorias que deveriam ter sido recebidas durante o casamento, mas só o foram após o divórcio”.

Delgado também avalia a divergência no entendimento ao inciso VI do artigo 1.659 do Código Civil, que prevê a exclusão da comunhão os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge.

“A interpretação que se extrai do inciso VI do artigo 1.659 do CC é abrangente dos frutos e proventos do trabalho, quer seja na atividade ou na inatividade, somente se excluindo da comunhão o direito à percepção, mas não o produto e os frutos do trabalho adquiridos pelo casal, onerosamente, durante a sociedade conjugal”, explica o especialista.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STJ)

Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que, na hipótese de ação civil pública que versa sobre questão de grande complexidade jurídica e social, não são admissíveis a decisão de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido, especialmente quando, a despeito da repetitividade da matéria, não há tese pacificada pelos tribunais.

O Ministério Público do Ceará ajuizou dez ações civis públicas contra um município para que dez diferentes menores, em acolhimento institucional por período superior ao teto fixado em lei, fossem encaminhados a programa de acolhimento familiar e recebessem reparação pelos danos morais decorrentes do abrigamento por tempo excessivo, que teria sido causado pela omissão do ente público.

Com base no artigo 332, III, do Código de Processo Civil de 2015, a sentença, liminarmente, julgou o pedido improcedente, sob o argumento de que o problema do acolhimento institucional por período superior a dois anos (18 meses a partir de 2017) envolve, por exemplo, falta de recursos do poder público, desestruturação das famílias, excesso de crianças para adoção e desinteresse das pessoas em adotar crianças mais velhas.

Para o juiz, o município não poderia ser responsabilizado por todos esses problemas de índole social e estrutural. O Tribunal de Justiça do Ceará confirmou a sentença.

Ao recorrer ao STJ, o Ministério Público alegou violação ao artigo 332 do novo CPC, sob o argumento de que a hipótese em exame não envolve tese firmada em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) ou Incidente de Assunção de Competência (IAC) – como exigido pelo inciso III do dispositivo –, razão pela qual não poderia ter havido julgamento de improcedência liminar do pedido.

Precedentes qualif​icados

De acordo com a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, o CPC/2015 não admite o julgamento de improcedência liminar do pedido com base apenas no entendimento do juízo sobre questões repetitivas.

É necessário, segundo ela, que tenha havido a prévia pacificação da questão jurídica controvertida no âmbito dos tribunais, materializada em precedentes como súmula ou recurso repetitivo do Supremo Tribunal Federal ou do STJ, súmula do Tribunal de Justiça sobre direito local, IRDR ou IAC.

“Por se tratar de regra que limita o pleno exercício de direitos fundamentais de índole processual, em especial o contraditório e a ampla defesa, as hipóteses autorizadoras do julgamento de improcedência liminar do pedido devem ser interpretadas restritivamente, não se podendo dar a elas amplitude maior do que aquela textualmente indicada pelo legislador no artigo 332 do novo CPC”, esclareceu.

Ação civil púb​​​lica

A ministra destacou que, para o juiz resolver o mérito liminarmente e em favor do réu, ou até mesmo para haver o julgamento antecipado do mérito imediatamente após a citação do réu, é indispensável que a causa não exija ampla dilação probatória – situação diferente do que costuma ocorrer com a ação civil pública.

“Os litígios de natureza estrutural, de que é exemplo a ação civil pública que versa sobre acolhimento institucional de menor por período acima do teto previsto em lei, ordinariamente revelam conflitos de natureza complexa, plurifatorial e policêntrica, insuscetíveis de solução adequada pelo processo civil clássico e tradicional, de índole essencialmente adversarial e individual”, observou.

Segundo Nancy Andrighi, para a adequada resolução dos litígios estruturais, é preciso que a decisão de mérito seja construída em ambiente colaborativo e democrático, mediante a efetiva compreensão, participação e consideração dos fatos e argumentos, das possibilidades e limitações do Estado em relação aos anseios da sociedade civil adequadamente representada no processo.

Mini​mizar danos

Para a ministra, embora o Brasil ainda não tenha o arcabouço jurídico adequado para lidar corretamente com as ações que demandam providências estruturantes e concertadas, não se pode negar a tutela jurisdicional minimamente adequada a um litígio de natureza estrutural.

Segundo Nancy Andrighi, é “inviável” que conflitos como o do caso em julgamento – “que revelam as mais profundas e duras mazelas sociais e as mais sombrias faces dos excluídos” – sejam resolvidos de modo liminar ou antecipado, sem exauriente instrução e sem participação coletiva, “ao simples fundamento de que o Estado não reuniria as condições necessárias para a implementação de políticas públicas e ações destinadas à resolução, ou ao menos à minimização, dos danos decorrentes do acolhimento institucional de menores por período superior àquele estipulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Ao dar provimento ao recurso especial do Ministério Público, a Terceira Turma anulou o processo desde a citação e determinou que a causa seja regularmente instruída e rejulgada – com a adoção, pelo juízo de primeiro grau, de medidas de adaptação procedimental e de exaurimento instrutório apropriadas à hipótese.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ manteve o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP que fixou a guarda unilateral de uma criança para o pai. Entre outros elementos, a corte local levou em conta a recusa da mãe em se submeter a tratamento psicoterápico, os registros de intensa disputa entre os pais em relação aos interesses da filha e, ainda, as declarações de profissionais no sentido de que a criança preferia ficar com o pai, pois sofria com o isolamento e o tratamento inadequado na companhia da mãe.

A decisão partiu do entendimento de que, apesar da Lei 13.058/2014 estar em vigência, no momento de decidir sobre o tipo de guarda, o juiz deve analisar as especificidades que envolvem a relação entre pais e filhos e, sobretudo, considerar o princípio constitucional do melhor interesse da criança – que pode levar, inclusive, ao estabelecimento da guarda unilateral.

No caso, o pai ajuizou ação com o objetivo de obter a guarda da filha sob a alegação da prática de atos de alienação parental por parte da genitora. Em primeiro grau, embora tenha fixado a guarda compartilhada, o juiz determinou que a criança ficasse morando com o pai e estabeleceu regime de visitas maternas, condicionando a ampliação das visitas à submissão da mãe a tratamento psicoterápico. Ambos apelaram da sentença, mas o TJSP acolheu apenas o recurso do pai, estabelecendo a guarda unilateral da criança a seu favor.

Por meio de recurso especial, a mãe alegou que, nos termos dos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, a guarda compartilhada não está condicionada à possibilidade de convívio amistoso entre os pais. Segundo ela, as duas únicas exceções à guarda compartilhada seriam quando um dos pais não a deseja e quando um deles não é capaz de exercer o poder familiar.

O ministro Villas Bôas Cueva afirmou que a Lei 13.058/2014 rompeu paradigmas seculares, propiciando novos parâmetros para a aplicação dos modelos de guarda. No caso do formato compartilhado, explicou, há a possibilidade de que a família, mesmo não tendo vínculo conjugal, exista na modalidade parental.

Entretanto, o ministro lembrou que a aplicação da lei se submete à interpretação dos princípios constitucionais, sobretudo da cláusula de supremacia do melhor interesse do menor.

Em relação aos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, o relator apontou que a guarda unilateral será mantida quando houver a inaptidão de um dos pais – situação que poderá ocorrer de inúmeras formas, que não passam, necessariamente, pela perda do poder familiar.

Villas Bôas Cueva considerou que esse princípio foi elevado à condição de metaprincípio por possuir função preponderante na interpretação das leis, em decorrência da natureza específica e vulnerável do menor.

Decisão não é inovadora, mas chama a atenção

O advogado Marcelo Bürger, presidente da Comissão de Relações Acadêmicas do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, destaca que a decisão do STJ não é inovadora, mas chama a atenção por superar uma resistência dos tribunais brasileiros em atribuir a guarda unilateral em favor do pai.

“Tal resistência não é mera suposição: a última Estatística do Registro Civil divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE apontou que, no ano de 2018, em primeiro grau de jurisdição, 65,4% das guardas foram atribuídas de forma unilateral à mãe, contra apenas 4,3% de guardas unilaterais paternas”, afirma.

Outro ponto da decisão enfatizado por Marcelo Bürger é a funcionalização dos institutos de Direito Civil, especificamente da guarda. Segundo ele, embora a estrutura da regra legal determine que, na ausência de acordo entre os genitores o juiz, se aplicará a guarda compartilhada, assim o faz estribada na premissa de que o modelo compartilhado é, ao menos em regra, o que representa o melhor interesse dos filhos, daí a sua obrigatoriedade.

“Embora esta seja a regra geral, quando o caso concreto demonstrar que a aplicação da regra (guarda compartilhada), naquele contexto familiar, não reflete a melhor solução para a criança ou adolescente, o juiz deverá excepcionar a regra e aplicar solução jurídica outra que efetivamente concretize esse princípio. Trata-se, ao fim, de funcionalizar a guarda em favor do melhor interesse do filho. Neste ponto, a decisão é elogiável não só pela técnica como pela sensibilidade”, conclui.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STJ)

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou sua jurisprudência e definiu que a ação de prestação de contas pode ser usada para fiscalizar o uso dos valores de pensão alimentícia. Com esse entendimento, o coleg​iado deu parcial provimento ao recurso de um homem que pedia a comprovação de que o dinheiro da pensão estaria sendo usado pela mãe e guardiã apenas nos cuidados do menino.
Segundo o processo, o filho – com síndrome de Down e quadro de autismo – sempre esteve sob a guarda unilateral da mãe e nunca conviveu com o pai, o qual foi condenado, em 2006, a prestar alimentos no valor de 30 salários mínimos e custear o plano de saúde. Em 2014, em ação revisional, a pensão foi reduzida para R$ 15 mil.
Em 2015, o pai ajuizou ação de prestação de contas para verificar se a mãe estaria empregando o dinheiro apenas em despesas do filho. Contudo, o juiz de primeiro grau considerou que a ação de prestação de contas não poderia ser usada com esse objetivo – decisão mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Proteção in​​tegral
Autor do voto que prevaleceu no julgamento, o ministro Moura Ribeiro afirmou que o parágrafo 5º do artigo 1.583 do Código Civil estabelece a legitimidade do pai que não possui a guarda do filho para exigir informações e a prestação de contas daquele que detém a guarda unilateral.
Para o ministro, em determinadas hipóteses, é juridicamente viável a ação de exigir contas ajuizada pelo alimentante contra o guardião e representante legal do incapaz, “na medida em que tal pretensão, no mínimo, indiretamente, está relacionada com a saúde física e também psicológica do menor”.
Essa possibilidade – ressaltou – funda-se no princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente, bem como no legítimo exercício da autoridade parental, devendo aquele que não possui a guarda do filho ter meios efetivos para garantir essa proteção.
“A função supervisora, por quaisquer dos detentores do poder familiar, em relação ao modo pelo qual a verba alimentar fornecida é empregada, além de ser um dever imposto pelo legislador, é um mecanismo que dá concretude ao princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente”, disse.

Interesse process​ual.
De acordo com Moura Ribeiro, aquele que presta alimentos ao filho tem o direito e também o dever de buscar o Judiciário – ainda que por meio da ação de exigir contas – para aferir se, efetivamente, a verba alimentar está sendo empregada no desenvolvimento sadio de quem a recebe.
Com base na doutrina sobre o tema, o ministro observou que não é necessário indicar a existência de desconfiança sobre a forma de administração da pensão alimentícia, cabendo ao interessado somente demonstrar que tem o direito de ter as contas prestadas.
O ministro alertou, contudo, que essa ação não pode ser proposta com o intuito de apurar a existência de eventual crédito – pois os alimentos pagos não são devolvidos –, e também não pode ser meio de perseguições contra o guardião.

Finalidade da ação
Na hipótese em análise, Moura Ribeiro verificou que a finalidade da ação foi saber como é gasta a verba alimentar destinada ao filho, e não apurar eventual crédito ou saldo devedor em favor próprio.
Tendo o pai demonstrado legitimidade e interesse em saber como é empregado o dinheiro da pensão, o ministro entendeu que não poderia ser negado a ele o exercício do atributo fiscalizatório inerente ao poder familiar.
“A razão de ser da ação de exigir contas em questões relacionadas a alimentos é justamente o desconhecimento de como a verba é empregada. Esse é o seu desiderato”, afirmou o ministro.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

imprensa@stj.jus.br

Com a aplicação do conceito ampliado de consumidor estabelecido no artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor – conhecido como bystander –, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que afastou a relação de consumo em ação de indenização ajuizada por um gari atropelado por ônibus enquanto trabalhava.

Segundo o TJRJ, para que a vítima fosse caracterizada como consumidor por equiparação, seria necessário haver um acidente de consumo, originado de defeito na execução dos serviços – o que não seria o caso dos autos, já que não houve vítimas entre os passageiros. Entretanto, no entendimento da Terceira Turma, o CDC não exige que o consumidor seja vítima do evento para que se confirme a extensão da relação de consumo em favor de terceiro – o bystander.

Ao afastar a incidência do CDC no caso, o TJRJ havia declarado a prescrição da ação indenizatória com base no prazo de três anos para ajuizamento previsto no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil. Entretanto, com o provimento do recurso da vítima, a Terceira Turma adotou o prazo prescricional de cinco anos estabelecido no artigo 27 do CDC. 

Consumidor amp​liado

O relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que, nas cadeias contratuais de consumo – que vão desde a fabricação do produto, passando pela rede de distribuição, até chegar ao consumidor final –, frequentemente, as vítimas ocasionais de acidentes de consumo não têm qualquer tipo de vínculo com o fornecedor.

Por isso, comentou o ministro, esses terceiros ficariam de fora do conceito de consumidor previsto no artigo 2º do CDC caso fosse adotada uma abordagem mais restrita. Entretanto, ele destacou que essas pessoas estão protegidas pela regra de extensão prevista no artigo 17 do código, que legitima o bystander para acionar diretamente o fornecedor responsável pelos danos sofridos.

“É para o CDC suficiente a existência de uma relação de consumo, ou seja, que o produto seja fornecido e o serviço esteja sendo prestado dentro do escopo do Código de Defesa do Consumidor, para que, advindo daí um acidente de consumo a vitimar alguém, integrante ou não da cadeia de consumo, incidam os institutos protetivos do CDC”, afirmou Sanseverino.

Circunstância in​diferente

Por outro lado, o relator ressalvou que um acidente de trânsito pode ocorrer em contexto no qual o transporte não seja de consumidores nem seja prestado por fornecedor, como no caso do transporte de empregados pelo empregador – hipótese em que não incidiria o CDC, por não se tratar de relação de consumo.

No entanto, segundo Sanseverino, se a relação é de consumo e o acidente se dá no seu contexto, o fato de o consumidor não ter sido vitimado não faz diferença para que o terceiro diretamente prejudicado pelo fato seja considerado bystander.

Como o atropelamento do gari aconteceu em 2012 e a ação foi ajuizada pela vítima em 2016, o ministro constatou não estar ultrapassado o prazo prescricional previsto no artigo 27 do CDC, que é de cinco anos, motivo pelo qual o TJRJ deve prosseguir na análise da procedência ou não do pedido indenizatório.

Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1787318

Por maioria de votos, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma distribuidora de medicamentos para reconhecer seu direito de manter os créditos da contribuição ao PIS e da Cofins não cumulativos decorrentes da aquisição de mercadorias no regime monofásico, vendidas à alíquota zero.

No sistema monofásico, ocorre a incidência única da tributação, com alíquota mais elevada, desonerando-se as demais fases da cadeia produtiva. Nesse sistema, o contribuinte é único, e o tributo recolhido não é devolvido, mesmo que as operações subsequentes não sejam consumadas.

Ao analisar o mandado de segurança impetrado pela empresa, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou o pedido de creditamento tributário sob o fundamento de que, no âmbito de operações beneficiadas com alíquota zero, não haveria direito a outro benefício fiscal em virtude do princípio da não cumulatividade.

Base sobre base

A relatora do recurso no STJ, ministra Regina Helena Costa, explicou que a não cumulatividade representa a aplicação do princípio constitucional da capacidade contributiva, pois busca impedir que o tributo se torne cada vez mais oneroso nas várias operações de circulação de mercadorias, de prestação dos serviços e de industrialização de produtos.

A ministra observou que, para os tributos de configuração diversa, cuja base de cálculo é a receita bruta ou o faturamento – como o PIS e a Cofins –, embora a eles também seja aplicável o princípio da capacidade contributiva, a não cumulatividade deve observar a técnica “base sobre base”, em que o valor do tributo é apurado mediante a aplicação da alíquota sobre a diferença entre as receitas auferidas e aquelas necessariamente consumidas pela fonte produtora (despesas necessárias).

Regime mon​​ofásico

De acordo com a relatora, com a instituição do regime monofásico do PIS e da Cofins, os importadores e fabricantes de determinados produtos tornaram-se responsáveis pelo recolhimento dessas contribuições incidentes sobre toda a cadeia de produção e consumo, mediante a aplicação de uma alíquota de maior percentual global, reduzindo-se a zero, em contrapartida, a alíquota de revendedores, atacadistas e varejistas nas operações subsequentes.

A ministra destacou que as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, ao regularem o sistema não cumulativo do PIS e da Cofins, definiram as situações nas quais é possível a apropriação dos créditos. De igual forma, observou, os normativos excluem do direito ao crédito o valor da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota zero, além dos isentos e daqueles não alcançados pela contribuição.

Contudo, Regina Helena Costa lembrou que o artigo 17 da Lei 11.033/2004 revogou tacitamente as disposições anteriores, ao disciplinar, entre outros temas, o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto), instituindo benefícios fiscais como a suspensão da contribuição ao PIS e da Cofins.

“Tal preceito assegura a manutenção dos créditos existentes de contribuição ao PIS e da Cofins, ainda que a revenda não seja tributada. Desse modo, permite-se àquele que efetivamente adquiriu créditos dentro da sistemática da não cumulatividade não ser obrigado a estorná-los ao efetuar vendas submetidas à suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência da contribuição ao PIS e da Cofins”, explicou.

Benefício exten​​sível

Para a relatora, a partir da vigência do artigo 17 da Lei 11.033/2004, os contribuintes atacadistas ou varejistas de quaisquer produtos sujeitos à tributação monofásica fazem jus ao crédito relativo à aquisição desses produtos. Ela ressaltou que a Primeira Turma tem decidido que o benefício fiscal consistente em permitir a manutenção de créditos de PIS e Cofins, ainda que as vendas e revendas realizadas não tenham sido oneradas pela incidência dessas contribuições no sistema monofásico, é extensível às pessoas jurídicas não vinculadas ao Reporto.

Ao dar provimento ao recurso especial, a ministra afirmou que “é irrelevante o fato de os demais elos da cadeia produtiva estarem desobrigados do recolhimento, à exceção do produtor ou importador responsáveis pelo recolhimento do tributo a uma alíquota maior, não constituindo óbice para que os contribuintes mantenham os créditos de todas as aquisições por eles efetuadas”.

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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1861190