09/07/2020

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ permitiu que uma mãe renuncie aos valores de pensão atrasada, desde que não haja prejuízo aos alimentados. O entendimento foi de que a irrenunciabilidade e a vedação à transação estão limitadas ao valor dos alimentos presentes e futuros, não havendo os mesmos obstáculos quanto aos pretéritos. Desta forma, é possível o acordo para exonerar o devedor de pensão alimentícia do pagamento de parcelas vencidas.

A ação de cobranças de alimentos foi extinta após a mãe renunciar aos valores não pagos pelo pai entre janeiro de 2010 e março de 2011. O Ministério Público recorreu, argumentando com o caráter irrenunciável e personalíssimo da obrigação alimentar, o que não permite que a genitora renuncie à verba alimentar da qual as filhas, incapazes, são credoras. A renúncia foi mantida em decisão de segundo grau.

Segundo o relator no STJ, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT aplicou corretamente o artigo 1.707 do Código Civil, que dispõe: “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”.

O ministro observou que “a vedação legal à renúncia ao direito aos alimentos decorre da natureza protetiva do instituto dos alimentos, contudo, a irrenunciabilidade atinge tão somente o direito, e não o seu exercício”. Por isso, a irrenunciabilidade e a vedação à transação estão limitadas aos alimentos presentes e futuros.

Além disso, o Ministério Público, como destacou o magistrado, não especificou qual prejuízo concreto decorreu da transação do débito alimentar. “Ademais, destaca-se que, especialmente no âmbito do Direito de Família, é salutar o estímulo à autonomia das partes para a realização de acordo, de autocomposição, como instrumento para se alcançar o equilíbrio e a manutenção dos vínculos afetivos”, concluiu Villas Bôas na análise do Recurso Especial 1.529.532.

Contratualização dos alimentos

Vice-presidente da seção Minas Gerais do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Maria Goreth Macedo Valadares é coautora do artigo “Limites e possibilidades da contratualização dos alimentos”, que integra a 38ª edição da Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões. O texto aponta que a jurisprudência tem-se mostrado mais flexível quanto à liberdade das partes em ações de alimentos, ainda que contrariando normas até então intangíveis, como a renúncia e a compensação.

Em entrevista ao Boletim IBDFAM divulgado nesta quinta-feira (9), a especialista Maria Goreth afirmou que só vê vantagens na possibilidade de contratualização dos alimentos e na possibilidade de flexibilização das regras. “Isso porque são as próprias partes que vão decidir o quantum, a forma – se em espécie ou in natura – e a periodicidade dos alimentos porventura devidos. É muito melhor que a decisão seja dos envolvidos e o Judiciário seja chamado apenas para homologar o acordo de vontades feito entre credor e devedor”, defendeu a advogada. Leia a entrevista na íntegra.

Confirmada anulação das marcas Doralflex e Neodoralflex por conflito com registro do Dorflex

​Por constatar a possibilidade de confusão entre os consumidores e de associação errônea com o analgésico Dorflex – marca com registro mais antigo –, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) que anulou as marcas Doralflex e Neodoralflex, de propriedade da Pharmascience Laboratórios Ltda.

Ao rejeitar o recurso especial da Pharmascience, por maioria de votos, o colegiado levou em consideração, entre outros pontos, que as marcas em conflito identificam medicamentos para a mesma finalidade terapêutica; que o registro da marca Doralflex foi solicitado 40 anos depois do registro da marca Dorflex, e que o remédio mais antigo tem expressiva notoriedade perante o público brasileiro.

O relaxante muscular Dorflex, produzido pelo laboratório Sanofi, é o medicamento mais vendido do Brasil, de acordo com estudo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).

Na ação, a Sanofi questionou os registros concedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) aos dois medicamentos da Pharmascience. O pedido de nulidade foi julgado procedente em primeira instância, em sentença mantida pelo TRF2.

Segundo o tribunal, os acréscimos das partículas “al” e “neo” aos radicais “dor” e “flex” não conferiam grau de distinção suficiente às marcas impugnadas, fato que impediria a possibilidade de coexistência entre elas e o Dorflex.

Flexibilida​​de

Por meio de recurso especial, a Pharmascience alegou que, no segmento farmacêutico, a colisão entre marcas deve ser analisada de forma mais flexível, de modo que não poderia ser conferido o direito de exclusividade para expressões genéricas, como no caso dos autos.

Além disso, a empresa defendeu a possibilidade de convivência quando as marcas são formadas por termos que fazem referência ao componente principal do medicamento.

Composição​ única

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, lembrou que, nos termos do artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial, a violação do direito de exclusividade conferido pelo registro de marca fica caracterizada quando, para designar produtos ou serviços, são utilizados sinais que possam gerar confusão no consumidor ou que permitam associação com marca anteriormente registrada.

Entre os critérios próprios para verificar eventual violação, a relatora destacou o grau de distintividade das marcas, o grau de semelhança entre elas, o tempo de convivência e a natureza dos produtos ou serviços oferecidos.

Em relação ao grau de distinção, a ministra apontou que a marca Dorflex é formada por expressões passíveis de serem classificadas como de menor grau distintivo, pois se trata de termos de natureza comum, que guardam relação com o produto – destinado ao alívio da dor. Entretanto, a relatora lembrou que o processo de justaposição dessas partículas comuns, formando uma nova expressão, foi tido como suficiente para conferir distintividade à marca, o que permitiu seu registro no INPI.

“Não se pode, portanto, como pretende a recorrente, analisar o registro em questão somente após decompor os elementos que o integram. Deve-se atentar, principalmente, ao novo termo resultante do processo de formação da marca, cuja força é capaz de lhe imprimir suficiente distintividade”, afirmou a ministra.

Conf​usão

Em seu voto, Nancy Andrighi também lembrou que o registro da marca Dorflex ocorreu quatro décadas antes do depósito da marca Doralflex. Assim, no momento do início do processo de registro pela Pharmascience, o medicamento anterior já era amplamente reconhecido pelo público consumidor brasileiro.

“Com efeito, o uso das marcas Doralflex e Neodoralflex, considerando o exame do acervo probatório levado a cabo pelos juízos de primeiro e segundo graus, revela circunstância que implica violação dos direitos da recorrida, configurando hipótese de confusão e associação indevida, sobretudo porque presentes elementos que permitem inferir que o consumidor pode se confundir, comprando um medicamento pelo outro, ou, ainda, acreditar que os produtos por elas designados estejam de alguma forma conectados à sociedade empresária adversa”, concluiu a relatora ao manter a nulidade dos registros.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1848648

24/06/2020

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 672 do Informativo de Jurisprudência. A equipe responsável pelo informativo destacou duas teses entre as demais citadas na edição.

No primeiro destaque, a Segunda Seção estabeleceu, por unanimidade, que “os vícios estruturais de construção estão cobertos pelo seguro habitacional obrigatório vinculado ao crédito imobiliário concedido pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), ainda que só se revelem depois da extinção do contrato” (REsp 1.804.965).

No segundo caso, a Sexta Turma decidiu, por unanimidade, que “a ausência de previsibilidade de que a ofensa chegue ao conhecimento da vítima afasta o dolo específico do delito de injúria, tornando a conduta atípica” (REsp 1.765.673).

Conheça o Infor​​mativo

O Informativo de Jurisprudência divulga periodicamente notas sobre teses de relevância firmadas nos julgamentos do STJ, selecionadas pela repercussão no meio jurídico e pela novidade no âmbito do tribunal.

Para visualizar as novas edições, acesse Jurisprudência > Informativo de Jurisprudência, a partir do menu no alto da página. A pesquisa de informativos anteriores pode ser feita pelo número da edição ou pelo ramo do direito.

16/06/2020 06:55

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de um casal e manteve decisão que concluiu que o site de passagens Decolar e a companhia aérea KLM não eram obrigados a se responsabilizar pela emissão de bilhetes reservados a preços baixíssimos – decorrência de uma falha do site.

O colegiado, levando em conta que a reserva foi cancelada dois dias depois e que não houve cobrança no cartão de crédito, entendeu que não seria possível, em razão de um erro grosseiro no sistema de preços do site, exigir a emissão dos bilhetes de viagem.

O casal fez reservas de passagens de Brasília para Amsterdã pela companhia KLM no site da Decolar, por um preço muito abaixo do normal: cerca de R$ 1 mil para os dois. Após receberem o e-mail de confirmação da reserva, eles foram surpreendidos com o seu cancelamento. Não houve necessidade de estorno no cartão de crédito, pois a cobrança não foi feita no momento da reserva.

Os consumidores acionaram na Justiça a Decolar e a KLM para garantir a emissão dos bilhetes nos termos da oferta, pedindo ainda indenização de danos morais pelo transtorno. A sentença, mantida em segunda instância, condenou as empresas ao pagamento de R$ 2 mil por danos morais, mas rejeitou o pedido de emissão dos bilhetes.

No recurso especial, o casal insistiu na emissão das passagens e pediu o aumento do valor dos danos morais.

Bom s​​​enso

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, as instâncias ordinárias reconheceram a falha na prestação dos serviços, a despeito de concluírem não ter havido descaso das empresas com os consumidores.

A controvérsia – acrescentou – deve ser analisada sob a ótica da razoabilidade e do bom senso. A relatora ressaltou que a reserva foi feita por preços “muito aquém” do normal praticado pelo mercado – um dos trechos de Brasília a Amsterdã saiu por R$ 300 –, e não chegou a haver a emissão dos bilhetes eletrônicos, ou seja, a compra não foi formalizada.

Nancy Andrighi afirmou que, diante de inegável erro grosseiro do sistema no carregamento de preços, não se pode reconhecer falha na prestação dos serviços por parte das empresas, que prontamente tomaram providências para impedir o lançamento de valores na fatura do cartão de crédito e informaram o cancelamento da operação apenas dois dias após a reserva.

De acordo com a relatora, as particularidades do caso afastam a incidência do princípio da vinculação da oferta (artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor).

“Deve-se enfatizar o real escopo da legislação consumerista, que, reitera-se, não tem sua razão de ser na proteção ilimitada do consumidor – ainda que reconheça a sua vulnerabilidade –, mas, sim, na promoção da harmonia e do equilíbrio das relações de consumo”, concluiu.

Por não considerar o valor irrisório ou exagerado, a Terceira Turma manteve a indenização por danos morais em R$ 2 mil.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1794991

Juros e correção monetária incidem sobre valor de cotas da ex-mulher em empresa que foi objeto de partilha em divórcio e encerrada após a separação, quando estava sob a administração exclusiva do ex-marido. O artigo 389 do Código Civil foi a base para o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ ao manter a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS.

Em primeiro grau, o juiz aplicou correção monetária e juros de 1% ao mês sobre o valor de avaliação das cotas societárias, pois a empresa esteve sob a administração do ex-marido durante o período. A ex-mulher, por outro lado, não teve acesso a esses valores. O magistrado entendeu que os juros e a correção se justificavam diante do dever do homem em indenizar a meação à antiga cônjuge, autora da ação, pelo fechamento da empresa.

Na análise do recurso especial apresentado pelo ex-marido, o relator do caso, o ministro Villas Bôas Cueva, esclareceu que a discussão não é sobre o compartilhamento dos eventuais prejuízos decorrentes do fechamento da empresa, pois o homem reconheceu a responsabilidade de pagar a quantia relativa às cotas que caberiam à ex-esposa. O debate é relativo apenas à incidência de juros e correção monetária sobre o valor dessa participação societária, conforme avaliado em perícia técnica nos autos originários.

Há jurisprudência pacífica sobre o tema no STJ

De acordo com o ministro, a jurisprudência do STJ é pacífica ao reconhecer a possibilidade de partilha, em ação de divórcio, da expressão econômica resultante de cotas empresariais que integraram o patrimônio comum construído na vigência do relacionamento entre as partes, independentemente da natureza da sociedade.

No caso dos autos, o relator lembrou que a ex-mulher teve reconhecido o direito à metade do valor das cotas empresariais. Entretanto, tendo em vista o encerramento das atividades da empresa após a separação do casal, ele apontou que o objeto a ser partilhado consiste no próprio capital investido na sociedade à época do relacionamento, com as devidas atualizações.

Ainda segundo Cuevas, considerando que o encerramento da empresa não deve impor à ex-mulher – que ficou privada do patrimônio relativo às cotas – o prejuízo decorrente da administração exclusiva do ex-marido, é incabível afastar os juros no pagamento de perdas e danos sobre o valor das cotas, sob pena de se consolidar indevido desequilíbrio na divisão de bens pactuada na partilha.

“Diante do encerramento das atividades negociais, resta ao devedor suprir o valor integralizado outrora alocado na empresa e por ele gerido exclusivamente, convertendo-o nos autos em perdas e danos aptos a representar os direitos patrimoniais sobre as cotas sociais então devidas à recorrida. Por esse motivo, correta a avaliação que inclua não só a obrigação principal, mas também seus acessórios, ou seja, juros e correção monetária”, concluiu o ministro.

Apuração de haveres

O advogado e professor Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM comenta: “Sempre entendi que um processo de divórcio ou de dissolução de união estável realizado em uma vara de família pode fazer a partilha das cotas de uma sociedade empresarial. Agora, o quanto valem essas cotas e sua liquidação, a transformação em dinheiro, dependem, no meu modo de entender, de uma ação própria, específica, a ser promovida em uma vara cível.”

Segundo Rolf, o processo na vara cível pode acionar os demais sócios da empresa, que nada têm a ver com a ação de divórcio. “Sendo proprietária de metade das cotas, a mulher precisa saber quanto elas valem. Deve, então, ingressar com uma ação de apuração de haveres, que tramita em vara cível, para que sejam apurados os valores”, diz.

Ele observa que, no caso analisado, o marido parou de operar a empresa após a partilha das cotas, o que desvalorizou significativamente seu valor. Por isso, se faz necessária a apuração de haveres “no tempo do divórcio”, como frisa o especialista. O que se investiga é quanto as cotas valiam quando o casal se separou.

“Essa empresa, se continuasse, poderia ter ido bem ou mal, e em ambas as situações sem a participação da ex-mulher. O que aconteceu após o divórcio não atinge a ela, comunheira de um bem que ajudou a manter e crescer. Depois disso, o destino, para o melhor ou para o pior, não diz lhe mais respeito”, explica Rolf.

Juros de mora

O jurista diverge parcialmente do entendimento do STJ. Ele aponta como pertinente a correção monetária, mas discorda da aplicação de juros sobre as cotas devidas à ex-mulher. “Juros são juros de mora, devidos porque alguém que deixou de pagar”, pontua Rolf.

“Alguém só deixa de pagar quando sabe o que deve. O ex-marido não poderia pagar o valor correspondente a 50 cotas se, quando se divorciou, não se sabia quanto valiam essas cotas, já que elas ainda precisavam ser levantadas, apuradas – algo só feito agora”, acrescenta.

Para Rolf, os juros só podem ser cobrados após o momento em que o homem é informado do valor devido à ex-esposa. “Se não pagar o valor que só agora ele sabe que tem que dar à ex-esposa, entra em mora, será um devedor. Juros só podem ser cobrados depois que se sabe o quanto deve”, defende o especialista.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Sanseverino concedeu liminar em habeas corpus para que um bebê de dois meses, em processo de regulamentação de guarda, fique sob os cuidados do casal guardião durante o período da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19).

Em ação de regulamentação de guarda ajuizada pelos atuais guardiões, o juízo da Vara da Infância e da Juventude determinou o acolhimento institucional da criança. Ao analisar o caso, o tribunal estadual considerou não haver flagrante ilegalidade na decisão e manteve o bebê no abrigo para menores.

No habeas corpus impetrado no STJ, o casal alegou que a permanência no abrigo contraria frontalmente os interesses da criança, especialmente diante do cenário do coronavírus. Os guardiões afirmaram que há consentimento da mãe biológica em seu favor e que não se trata de adoção à brasileira, pois o bebê foi registrado pela própria genitora, que posteriormente concedeu a guarda de fato a eles.

Caso excepc​​ional

Segundo o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o STJ possui entendimento no sentido de que o uso de habeas corpus para defender interesses afetos ao direito de família não é adequado, já que nesses casos é preciso fazer uma análise detalhada das provas.

Entretanto – ressaltou –, existe a possibilidade de concessão do habeas corpus quando a decisão questionada se mostra manifestamente ilegal ou absurda – como na hipótese do bebê de dois meses recolhido ao abrigo.

“As circunstâncias manifestamente excepcionais enfrentadas pelo país em decorrência do crescimento exponencial da pandemia de Covid-19, produzida pelo vírus Sars-Cov2, acabam por elevar o caso retratado nos autos a uma situação deveras delicada e urgente, dada a possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos do menor”, afirmou Sanseverino.

De acordo com o ministro, nas instituições de acolhimento de crianças e adolescente costuma haver grande fluxo de educadores, voluntários e visitantes, assim como atividades que promovem agrupamento de pessoas.

Ele disse que a manutenção do bebê com os atuais guardiões é a medida mais prudente e eficaz para preservar a saúde e a segurança da própria criança.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o habeas corpus, quando já tiver sido interposto o recurso próprio contra a mesma decisão judicial, só será examinado se for destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se contiver pedido diverso do recurso que reflita no direito de ir e vir.

Nas demais hipóteses, o colegiado entendeu que o habeas corpus não deverá ser admitido, e o exame das questões que ele apontava ficará reservado para o julgamento do recurso – ainda que a matéria discutida tenha relação indireta com a liberdade individual.

Dessa forma, a seção não conheceu de habeas corpus no qual a defesa pedia a desclassificação da conduta imputada ao réu, por estar pendente o julgamento de apelação com o mesmo pedido no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, ressaltou que a Sexta Turma já havia substituído a prisão preventiva do paciente por medida cautelar de comparecimento em juízo, restando nesse novo pedido apenas a discussão sobre a desclassificação da conduta. Schietti ressaltou que o TJSP não conheceu do habeas corpus lá impetrado justamente por entender que a matéria será mais bem analisada na apelação já interposta.

De acordo com o relator, estando pendente de julgamento a apelação no TJSP, a análise do habeas corpus pelo STJ “implica, efetivamente, ostensiva e inadmissível supressão de instância, justamente porque não caracterizada, na decisão impugnada, a ocorrência de flagrante ilegalidade ou de teratologia jurídica cerceadora do direito de locomoção”.

Raci​​​onalidade

Schietti afirmou que o sistema recursal permite à parte que se sentir prejudicada submeter ao órgão colegiado competente a revisão do ato judicial, “na forma e no prazo previstos em lei”. Ao mesmo tempo, o uso do habeas corpus pode ser uma estratégia válida, mas a defesa precisa sopesar as vantagens e desvantagens dessa opção.

Segundo o ministro, a apelação é a via processual mais adequada para impugnar a sentença condenatória, pois “devolve ao tribunal o conhecimento amplo de toda a matéria versada nos autos, permitindo a reapreciação de fatos e de provas, com todas as suas nuanças”, sem as limitações do habeas corpus – e o mesmo se pode dizer, com as devidas adaptações, dos demais recursos do processo penal.

Para Schietti, é preciso respeitar a racionalidade do sistema recursal e evitar que o emprego concomitante de dois meios de impugnação com a mesma pretensão comprometa a capacidade da Justiça criminal de julgar de modo organizado, acurado e correto – o que traz prejuízos para a sociedade e os jurisdicionados em geral.

Uso desvirt​​​uado

O ministro explicou que é inequívoco o cabimento do habeas corpus para tutelar, de forma direta e exclusiva, a liberdade de locomoção que esteja concretamente ameaçada ou efetivamente violada por ilegalidade ou abuso de poder contido na sentença condenatória. “Ao recurso de apelação caberá, pois, a revisão da decisão de primeiro grau nos demais pontos que, eventualmente, hajam sido impugnados pela defesa (nulidades, individualização da pena etc.)”, disse ele.

Segundo o ministro, nas hipóteses em que o habeas corpus possuir, além do pedido de tutela direta da liberdade, um ou mais objetos idênticos aos da apelação, somente será admissível o seu conhecimento na parte relativa à prisão – se houver insurgência nesse sentido –, cabendo à apelação o exame das outras questões suscitadas pela defesa.

No entanto, se o réu estiver em liberdade e o objeto do habeas corpus for idêntico ao da apelação, não haverá como permitir o prosseguimento do pedido, tendo em vista a opção do legislador ao prever recurso próprio para a impugnação. “O habeas corpus, nesse caso, estará sendo nitidamente utilizado de forma desvirtuada, como meio de contornar as especificidades de tramitação do recurso de apelação, usualmente mais demorado”, afirmou o relator.

Schietti ressaltou ainda que, quando a apelação não for conhecida, será possível a utilização do habeas corpus para sanar eventual constrangimento ilegal da sentença. Ele destacou que esse uso do habeas corpus – em caráter subsidiário – somente deve ser permitido depois de proferido o juízo negativo de admissibilidade da apelação.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 482549

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, afirmou em debate virtual que o juiz tem espaço para criar soluções destinadas a conciliar interesses sob os efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus, mas um suposto “princípio da Covid-19” não pode se transformar em pretexto para interferência nas relações contratuais.

Para o ministro, os conflitos econômicos decorrentes da crise sanitária podem ser resolvidos com repactuação de acordos, porém os juízes não devem atender automaticamente aos pedidos de empresas sem demonstração real de desequilíbrio financeiro.

“O mundo empresarial é um sistema de vasos comunicantes. Se um cliente não paga o fornecedor, isso reflete em toda a cadeia produtiva”, ponderou. Para proteger o sistema, opinou o magistrado, é necessário o uso de mediação em larga escala – uma forma de preservar a economia e a ordem jurídica.

Situação de gu​​erra

Noronha participou na última sexta-feira (29) do 1º Congresso Virtual do Forúm Nacional de Juízes de Competência Empresarial (Fonajem), que reuniu magistrados, juristas e especialistas diversos de todo o país para discutir temas como os impactos financeiros da pandemia, a insolvência das empresas e o sistema de falências e recuperação judicial.

O presidente do STJ é presidente de honra do Fonajem, criado em agosto de 2019, durante um curso na Escola Paulista de Magistratura (EPM), para ser um espaço de discussão do direito empresarial e de compartilhamento de informações”.

“A situação exige ser realista. Estamos numa situação de guerra, com um inimigo invisível, mas que fere tanto como uma bala”, disse Noronha, acrescentando que os desdobramentos econômicos da Covid-19 passarão necessariamente pelo Judiciário e que o ordenamento jurídico brasileiro tem instrumentos para lidar com isso.

Erro indes​​culpável

“A teoria da imprevisão, incorporada pelo artigo 317 do Código Civil, permite a correção de prestações contratuais em casos imprevistos que causem onerosidade excessiva”, afirmou o ministro.

Ele alertou, porém, que não se pode extrair disso uma tendência ao perdão de dívidas. “A Recomendação 63/2020 do Conselho Nacional de Justiça também não sugere a extinção das garantias contratuais indispensáveis para o equilíbrio econômico das instituições financeiras”, apontou. Para o ministro, os juízes que decidem assim cometem um erro indesculpável. “Não há princípio de miserabilidade no direito empresarial, e as garantias são pensadas exatamente para momentos de crise”, declarou.

Noronha lembrou que foi diretor jurídico do Banco do Brasil por dez anos e que sabe que os investidores necessitam de segurança jurídica para empregar seu capital. “O Estado brasileiro deve manter seriedade para atrair o capital nacional e estrangeiro para o pós-pandemia. Temos que tirar o subdesenvolvimento também da nossa cabeça”, comentou.

Base da recupera​​ção

O ministro do STJ Luis Felipe Salomão também participou do evento, em palestra conjunta com a juíza Giovana Farenzena, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Eles trataram da negociação pré-falimentar e dos projetos de reforma da Lei de Recuperação e Falência.

Salomão elogiou a iniciativa do evento e destacou a necessidade de zelar pela solvência das empresas. “Ela serão a base da recuperação econômica na fase pós-pandemia, e não podemos abandoná-las”, comentou.

O conselheiro do CNJ Henrique Ávila apontou a importância do uso da mediação e incentivou a proatividade do Judiciário para evitar processos judiciais de falência e recuperação. “Muitos juízes já estão trabalhando nessa linha e tentando diminuir a judicialização da economia”, observou. Para o conselheiro, a Recomendação 63 do CNJ, publicada em março desse ano, que recomenda medidas para mitigação dos impactos do novo coronavírus, segue nessa direção.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a responsabilidade do síndico da massa falida se inicia com a nomeação, na decretação da falência, devendo a prestação de contas englobar todo o período de sua administração, incluídos os atos realizados pelo gerente de negócios na continuidade provisória das atividades da falida.

Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso de um ex-síndico que pedia para prestar contas exclusivamente do período de sua gestão na massa falida, a qual teria começado, segundo argumentou, somente após o encerramento da continuação provisória dos negócios da falida, cujas contas foram apresentadas em outro processo pelo gestor de negócios.

As contas do ex-síndico foram objeto de impugnação pelo falido em virtude de alegada conduta desidiosa em fiscalizar os atos praticados pelo gerente de negócios. O juízo de primeiro grau rejeitou as contas prestadas pelo ex-síndico por entender que houve irregularidades durante a continuidade do negócio, as quais teriam sido cometidas pelo gestor de negócio sob a sua responsabilidade.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) entendeu que haveria irregularidade nas contas prestadas de forma parcial pelo síndico e apontou a necessidade de apuração conjunta da responsabilidade de todos os envolvidos no processo falimentar. Assim, o tribunal determinou o retorno dos autos ao primeiro grau para julgamento em conjunto com outro incidente de prestação de contas envolvendo a massa falida.

Situação​​ exata

O relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que o síndico (ou o administrador judicial, nos termos da Lei 11.101/2005) exerce uma variedade de funções durante o processo falimentar, ora aproximando-se de atribuições administrativas, ora de atribuições tipicamente judiciárias.

Segundo ele, a nomeação do síndico é feita na sentença que decreta a falência, como determina o artigo 14, parágrafo único, inciso IV, do Decreto-Lei 7.761/1945. Salomão ressaltou que, com a assinatura do termo de compromisso, fica o síndico habilitado a praticar todos os atos próprios da administração da massa, assumindo todas as responsabilidades inerentes à de administrador.

“A prestação de contas do síndico, portanto, deve refletir a exata situação da massa falida durante o período de administração, com a indicação, no final, de eventuais prejuízos causados à massa pelo síndico, por má administração ou infração à lei”, afirmou.

Continuação do negócio

O relator lembrou que o falido pode requerer em juízo a continuação do seu negócio, ouvidos o síndico e o representante do Ministério Público sobre a conveniência do pedido. Se deferida a continuidade, o juiz nomeia pessoa idônea, proposta pelo síndico, para a gerência.

De acordo com o ministro, esse gerente desempenhará funções específicas relacionadas ao comércio dos bens e ficará sob a imediata fiscalização do síndico, cabendo, por fim, a prestação de contas ao síndico. Em seu voto, Salomão citou o jurista Rubens Requião, segundo o qual o síndico tem responsabilidade exclusiva pelos atos do gerente.

Para o relator, “sobressai a responsabilidade do síndico pela prestação de contas da massa falida ao juízo a partir do momento de sua nomeação, incluídos os atos realizados pelo gerente na continuidade provisória das atividades”.

O ministro concluiu que a recomendação do TJPR quanto à análise em conjunto dos incidentes, como forma de garantir a racionalidade do julgamento, não exclui o dever do síndico de prestar contas do período integral de sua administração.

Leia o acórdão.

COMUNICADO
16/03/2020

Além da suspensão das sessões presenciais de julgamento até o dia 27 de março, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) informa que outras medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo novo coronavírus (Covid-19) já estão sendo adotadas pelo órgão, dentre elas, a suspensão dos atendimentos presenciais e da entrada na sede do tribunal de pessoas que não trabalhem no local.

Cerca de 4.500 pessoas circulam diariamente pelo STJ, incluindo público interno e externo. A proibição de acesso ao público externo é total e inclui a entrada no restaurante, biblioteca e agências bancárias. Ademais, cursos e eventos que iriam ocorrer nas dependências do órgão ficam suspensos por 30 dias, a contar dessa segunda-feira (16).

Os prazos processuais não serão interrompidos e as sessões virtuais de julgamento ocorrerão normalmente. As decisões monocráticas também serão proferidas normalmente.

O atendimento ao público será prestado pelo telefone (61) 3319-8000 para informações gerais. Para informações processuais e apoio aos advogados o telefone é o (61) 3319-8410. Já para atendimento à imprensa, o contato é (61) 3319-8026/8593, ou pelo imprensa@stj.jus.br.

Para e-mail dos gabinetes acesse o link.

M​edidas internas

O STJ comunica, ainda, que já estão em vigor medidas internas de prevenção ao coronavírus, tais como:

– Regime de trabalho remoto obrigatório para servidores maiores de 60 anos, aos que tiverem filhos menores de um ano, às gestantes, aos imunossuprimidos e às pessoas com doenças respiratórias crônicas, em razão de pertencerem ao grupo de risco em caso de contágio pelo vírus;

– Facilitação do trabalho remoto para os demais servidores, até o dia 17 de abril, especialmente aos que tem filhos menores de 12 anos, devido à interrupção das atividades escolares;

– Maior atenção na limpeza de banheiros, elevadores, corrimãos e maçanetas, com disponibilização de álcool gel nas áreas de circulação;

– Suspensão do uso do coletor biométrico para o registro de ponto até o dia 17 de abril.​​