DECISÃO
27/02/2020

​Mesmo com as alterações feitas na Lei de Registros Públicos pela lei que instituiu o Código de Processo Civil de 2015, o ajuizamento da ação de usucapião não está condicionado à negativa do pedido em cartório.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o retorno de um processo que discute a usucapião de um imóvel ao juízo de origem, para que prossiga com a ação.

A interessada afirmou que adquiriu o direito possessório referente ao imóvel em 2003, realizando benfeitorias e reformas ao longo de 13 anos de posse mansa e pacífica. Em junho de 2016, ela entrou com o pedido judicial de usucapião.

Enun​​ciado

A sentença, desfavorável à autora, citou o Enunciado 108, aprovado em encontro de desembargadores promovido pelo Centro de Estudos e Debates (Cedes-RJ), segundo o qual a ação de usucapião é cabível somente quando houver óbice ao pedido na esfera extrajudicial. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a decisão.

No recurso especial, a Defensoria Pública alegou que as alterações promovidas com o CPC de 2015 facultam ao interessado fazer o pedido de usucapião em cartório, porém sem prejuízo de optar pela via judicial.

Segundo a DP, o artigo 1.071 do CPC/2015 incluiu o artigo 216-A na Lei de Registros Públicos para possibilitar a alternativa extrajudicial, mas não exige que o interessado tenha uma negativa nessa via para só então ajuizar a demanda.

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso especial, deu razão à DP. Ele destacou que a redação do artigo 216-A da Lei de Registros Públicos é clara: “Como se verifica já na abertura do caput desse enunciado normativo, o procedimento extrajudicial de usucapião foi disciplinado ‘sem prejuízo da via jurisdicional'”.

Conflito pre​​sumível

O relator afirmou que é salutar a intenção do Cedes-RJ de fomentar a desjudicialização de conflitos com o Enunciado 108, mas não se pode ignorar o texto legal.

“Ademais, como a propriedade é um direito real, oponível erga omnes, o simples fato de o possuidor pretender se tornar proprietário já faz presumir a existência de conflito de interesses entre este e o atual titular da propriedade, de modo que não seria possível afastar de antemão o interesse processual do possuidor, como parece sugerir o enunciado do tribunal de origem”, concluiu o ministro.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1824133
DECISÃO
18/02/2020 06:55

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão de segunda instância que condenou um banco a devolver em dobro o valor cobrado por uma dívida já quitada, ainda que o consumidor não tenha chegado a fazer o pagamento infundado. No recurso, o banco alegava que o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê a devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente apenas na hipótese de ter havido pagamento.

Os ministros entenderam que, nas relações de consumo, quando a falta do pagamento impedir a aplicação do artigo 42 do CDC, a solução pode se basear no artigo 940 do Código Civil – o qual também estabelece o direito à devolução em dobro, caso a dívida questionada tenha sido demandada judicialmente e se comprove a má-fé do suposto credor.

Para o colegiado, embora o CDC tenha aplicação prioritária nas relações de consumo, a incidência do Código Civil é possível, principalmente quando a lei específica agravar a situação do consumidor.

O recurso teve origem em ação de reparação de danos movida pelo consumidor contra o banco, com o objetivo de obter indenização por danos materiais e morais em virtude da cobrança judicial de dívida já paga. O débito discutido tinha origem em contrato de abertura de crédito para a aquisição de um trator agrícola.

Má​​​-fé

Em primeiro grau, o juiz reconheceu que houve cobrança indevida por meio judicial do contrato já quitado pelo consumidor, razão pela qual condenou o banco a devolver em dobro o valor de R$ 108 mil, correspondente à dívida cobrada.

A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS). Segundo a corte, apesar de o processo tratar de relação de consumo, ficou demonstrada a presença dos requisitos do artigo 940 do Código Civil, inclusive em relação à má-fé do banco ao ajuizar ação de execução de título extrajudicial para cobrar dívida já quitada.

Hipóteses disti​​​ntas

O ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso especial interposto pelo banco, destacou que os artigos 940 do Código Civil e 42 do CDC possuem hipóteses de aplicação diferentes. Segundo o ministro, o artigo 42 não pune a simples cobrança indevida, exigindo que o consumidor tenha realizado o pagamento do valor indevido. O objetivo, afirmou, é coibir abusos que possam ser cometidos pelo credor no exercício de seu direito de cobrança.

O ministro consignou que, no caso dos autos, o valor questionado não foi pago duas vezes e, portanto, não haveria possibilidade de aplicação do artigo 42 do CDC.

Por outro lado, o relator destacou a jurisprudência do STJ no sentido da possibilidade de aplicação do artigo 940 do Código Civil quando a cobrança se dá por meio judicial – mesmo sem ter havido o pagamento – e fica comprovada a má-fé do autor da ação. O ministro entendeu ser essa a hipótese dos autos, visto que o TJMS concluiu que houve má-fé por parte do banco, que insistiu em cobrar dívida já quitada, mesmo após a apresentação de exceção de pré-executividade e da sua condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé em embargos à execução.

Valores e ​​​princípios

De acordo com Villas Bôas Cueva, a aplicação do CDC é prioritária nas relações de consumo. Ressaltou, todavia, que “a aplicação do sistema jurídico deve ser convergente com os valores e princípios constitucionais, não podendo adotar métodos que excluam normas mais protetivas ao sujeito que se pretende proteger – no caso, o consumidor”.

O ministro manteve o direito do consumidor ao recebimento em dobro, concluindo que a aplicação do CC/2002 é admitida, no que couber, “quando a regra não contrariar o sistema estabelecido pelo CDC, sobretudo quando as normas forem complementares (situação dos autos), pois os artigos 42, parágrafo único, do CDC e 940 do CC preveem sanções para condutas distintas dos credores”.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1645589
DECISÃO
05/02/2020 08:20

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou parcialmente acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que aplicou o prazo prescricional de três anos previsto no artigo 206, parágrafo 3º, do Código Civil de 2002 a um pedido de indenização por falhas aparentes de construção em imóvel vendido na planta.

Por unanimidade, o colegiado concluiu que, na falta de prazo específico do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, aplica-se o prazo prescricional geral de dez anos fixado pelo artigo 205 do CC/2002.

No caso dos autos, o consumidor ajuizou pedido de obrigação de fazer cumulado com reparação de danos materiais e morais, devido a vícios apresentados no imóvel. Segundo o autor, o projeto do apartamento – uma cobertura de dois andares – contava com piscina externa e acesso ao segundo pavimento por meio de elevador, porém esses itens não foram providenciados pela construtora.

O comprador também apontou problemas no piso do imóvel e na escada interna, além da ausência de telhado na área externa. Por isso, buscava receber verbas reparatórias pelas apontadas imperfeições do imóvel e também pedia a conclusão do projeto.

O juiz de primeiro grau julgou extinto o processo, tendo em vista a decadência do direito do consumidor. A sentença foi mantida pelo TJSP, que concluiu que os vícios apontados na ação diziam respeito à incompletude do imóvel e a falhas nos acabamentos, estando relacionados, portanto, à própria construção.

Vícios ap​​arentes

A ministra Nancy Andrighi, ao analisar o caso no STJ, afirmou que, nas relações de responsabilidade do fornecedor por vício de obra, o CDC confere tratamento mais abrangente do que aquele previsto pela legislação civil. Em seu artigo 26, por exemplo, o CDC prevê a proteção do consumidor em relação aos vícios aparentes, o que não ocorre na relação jurídica entre o empreiteiro e o comitente, que é regulada pelos artigos 615 e 616 do Código Civil.

Nesse sentido, apontou a relatora, quando o consumidor adquire imóvel na planta ou em construção, ou quando contrata empresa especializada para a realização de obras, a responsabilidade do fornecedor por vícios aparentes não termina no momento do recebimento do imóvel, podendo o consumidor reclamar de eventuais falhas de fácil constatação no prazo decadencial de 90 dias (artigo 26, inciso II, do CDC).

Nancy Andrighi também apontou que a legislação consumerista não traz limitação quanto à natureza dos vícios apresentados no imóvel, tampouco restrição quanto à magnitude do empreendimento. E, além da possibilidade de rescindir o contrato ou pleitear o abatimento do preço, o CDC oferece ao consumidor a opção de substituir o produto ou reexecutar o serviço.

Prazo g​​​eral

Segundo a relatora, o prazo decadencial previsto no artigo 26 do CDC está relacionado ao período em que o consumidor pode exigir judicialmente alguma das alternativas que são conferidas pelo próprio código, não se confundindo com o prazo prescricional a que se sujeita o consumidor para pleitear indenização decorrente da má execução do contrato.

“E, à falta de prazo específico no CDC que regule a hipótese de inadimplemento contratual – o prazo quinquenal disposto no artigo 27 é exclusivo para as hipóteses de fato do produto ou do serviço –, entende-se que deve ser aplicado o prazo geral decenal do artigo 205 do CC/2002”, afirmou.

No caso dos autos, Nancy Andrighi ressaltou que, em relação à pretensão de reexecução do contrato, o TJSP reconheceu a decadência sob o fundamento de que transcorreu, entre a efetiva entrega do bem e o ajuizamento da ação, prazo superior a 90 dias. No tocante à reparação dos vícios redibitórios, o tribunal também reconheceu a ocorrência de decadência, tendo em vista considerar ser aplicável o prazo decadencial de um ano previsto no artigo 445 do Código Civil.

Em relação às pretensões de reparação e compensação, disse a ministra, o TJSP considerou-as prescritas, tendo em vista a aplicação do prazo prescricional trienal previsto no artigo 206 do CC/2002.

Quanto à pretensão de reexecução dos serviços e de redibição do contrato, a relatora entendeu que, de fato, aplica-se o prazo decadencial de 90 dias previsto no artigo 26 do CDC, não tendo havido nos autos causas obstativas da decadência.

“Com relação à pretensão indenizatória (reparação de danos materiais e compensação de danos morais), incidirá o prazo prescricional decenal, não transcorrido entre a entrega do imóvel (2004) e o ajuizamento da ação, que se deu em 19/07/2011”, concluiu a ministra ao afastar a prescrição trienal e determinar o retorno da ação à origem para julgamento dos pedidos reparatórios e compensatórios.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1721694
DECISÃO
28/01/2020 06:50

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, indeferiu liminar que pedia a liberdade de um hacker preso preventivamente, em setembro de 2018, no âmbito da Operação Open Doors II. A operação investiga uma quadrilha especializada em furtos por meio de fraude bancária.

Segundo o Ministério Público (MP), o grupo ligava para as vítimas se fazendo passar por funcionário do banco, e solicitava informações para atualização de cadastro no internet banking – momento em que era feito o desvio de valores contidos na conta da vítima.

No pedido de habeas corpus, a defesa do hacker afirmou que vários corréus foram soltos por decisão do STJ, sendo justificado o pedido de extensão para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas da prisão.

A defesa alegou também excesso de prazo na medida e ausência de contemporaneidade dos fatos.

Investigação co​mplexa

Segundo o ministro João Otávio de Noronha, as informações processuais indicam que o hacker não se encontra em situação equivalente à dos demais corréus, motivo pelo qual o pedido de extensão não é justificado.

Além disso, o ministro citou trecho da decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que destacou a complexidade da operação como justificativa plausível para a manutenção da prisão preventiva. “Não subsistem as alegações de ausência de contemporaneidade e de excesso de prazo, uma vez que a situação retrata operação extremamente complexa, com dezenas de investigados”, ressaltou o TJRJ.

De acordo com o TJRJ, a denúncia foi instruída com elementos indiciários de crimes antecedentes e a prisão preventiva mantém-se fundamentada, tendo em conta a necessidade do recolhimento de dados que indiciam a autoria e a materialidade dos fatos investigados relacionados ao hacker.

O presidente do STJ afirmou que o pedido feito pela defesa na liminar confunde-se com o próprio mérito, devendo ser analisado em momento oportuno, já que não há flagrante ilegalidade a ser sanada.

No STJ, o feito seguirá tramitando sob a relatoria do ministro Jorge Mussi.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 557153
DECISÃO
21/01/2020 06:50

O ressarcimento ou a restituição dos bens à administração pública pela pessoa que praticou a conduta ímproba pode ter efeitos para a verificação da responsabilidade pela reparação integral do prejuízo, todavia não faz desaparecer o ato de improbidade que gerou o dano ao erário.

O entendimento foi aplicado, por maioria de votos, pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que condenou ex-funcionário dos Correios por improbidade administrativa após ele e outros réus subtraírem 40 caixas de papel da empresa. O valor estimado do material desviado era de R$ 4,8 mil, mas as resmas foram recuperadas pela Polícia Federal.

De acordo com os autos, o então funcionário dos Correios e outras duas pessoas estranhas aos quadros da empresa organizaram a retirada ilegal das caixas de papel, que continham, ao todo, 400 resmas. Para facilitar a operação, os réus disfarçaram um veículo particular com a logomarca dos Correios, e levaram o material furtado até uma papelaria. Eles foram presos em flagrante.

Condu​​tas

Em primeiro grau, o juiz julgou improcedente a ação de improbidade, por considerar que não houve a demonstração, pelo Ministério Público Federal, de qualquer ato punível pela Lei 8.429/1992, especialmente porque os réus foram presos em flagrante, com a consequente apreensão e devolução do material aos Correios.

A sentença foi, entretanto, reformada pelo TRF5. Para o tribunal, ainda que as resmas tenham sido recuperadas, a situação não afasta a incidência das condutas descritas pelo artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa; apenas limita a punição dos réus. Assim, o tribunal condenou o funcionário dos Correios ao pagamento de multa de duas vezes a remuneração recebida à época – a demissão dele foi decretada em outro processo, na esfera penal.

No recurso especial, o ex-funcionário reiterou o argumento de que os atos praticados não poderiam ser enquadrados em nenhum dos artigos da Lei de Improbidade, o que afastaria a possibilidade de condenação. A defesa também destacou que não havia dano econômico a ser reparado pelo ex-funcionário.

Dano ao e​​rário

No voto – que foi acompanhado pela maioria do colegiado –, o ministro Benedito Gonçalves lembrou que é inquestionável que o ex-agente participou da subtração das caixas de papel, fato que causou prejuízo ao patrimônio público a partir do momento em que o bem foi retirado da empresa e esteve sob a posse dos réus.

“Assim, o instante em que o dano à Administração Pública ocorreu está devidamente determinado. No caso, houve a posse tranquila do bem público por parte dos agentes, ainda que por breve período de tempo, pois a recuperação se deu no mesmo dia, em um estabelecimento comercial da cidade”, disse o ministro.

Segundo Benedito Gonçalves, o fato de a recuperação do bem público ter sido feita em outro local, por intervenção da PF, não afasta a ocorrência do dano ao erário. A recuperação do material – lembrou – está associada ao ato de ressarcimento integral, “mas não apaga do mundo dos fatos o seu antecedente lógico, qual seja, o dano ao erário, como de fato ocorrido”.

“É dizer, o ressarcimento ou a restituição dos bens à Administração Pública por ato daquele que praticou a conduta ímproba ou por ato de terceiro, como no caso, pode devolver o estado anterior das coisas para fins de aferição da responsabilidade pela reparação integral do prejuízo, todavia não faz desaparecer o ato de improbidade que gerou inicialmente o dano ao erário”, concluiu o ministro ao manter a condenação determinada pelo TRF5.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1579678
DECISÃO
17/01/2020 07:00

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso do Estado de Mato Grosso do Sul para limitar o pagamento de custas periciais pela Fazenda Pública, nos casos de gratuidade de Justiça, aos valores constantes da tabela do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O recurso teve origem em mandado de segurança impetrado pelo ente estatal após ter sido condenado a pagar R$ 4.980 pela realização de prova pericial, requerida por uma parte beneficiária da assistência gratuita em ação declaratória de inexistência de débito.

A Fazenda Pública estadual solicitou o arbitramento do valor conforme a Resolução 232/2016 do CNJ, que instituiu a tabela dos honorários pagos aos peritos nos casos em que há gratuidade de Justiça. Além disso, pediu que o valor fosse desembolsado ao final do processo, se vencida a parte beneficiária da Justiça gratuita.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul deferiu o pedido de pagamento ao final do processo, mas manteve o valor dos honorários ao entendimento de que a resolução do CNJ não tem caráter vinculante, sendo mero parâmetro para a fixação da verba.

Limitação da respon​​sabilidade

A relatora do recurso no STJ, ministra Isabel Gallotti, explicou que o Código de Processo Civil (CPC) estabelece no artigo 95, parágrafo 3°, inciso II, que a perícia realizada por particular, quando for responsabilidade de beneficiário da Justiça gratuita, será paga com recursos da União, do Estado ou do Distrito Federal, sendo o valor fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de omissão, do CNJ.

Segundo Gallotti, enquanto o CPC estabelece limite para a responsabilidade do Estado no custeio do pagamento desse tipo de honorários, a Resolução 232/2016 regulamenta essa limitação.

No caso julgado, a ministra observou que a perícia foi feita por particular, devendo o pagamento com recursos públicos ser fixado de acordo com a previsão do CPC. Ela lembrou que apenas fundamentadamente o juiz pode fixar o valor acima do previsto na tabela, como prevê o parágrafo 4° do artigo 2° da Resolução 232/2016.

“O caso concreto afastou a determinação legal sem qualquer justificativa, apenas transcrevendo o artigo 95 do Código de Processo Civil e omitindo qualquer menção ao excerto da norma que estabelece a limitação. Tampouco apresentou qualquer fundamentação quanto à justificativa para o arbitramento em valor superior”, disse.

Ao dar provimento ao recurso, a ministra lembrou que a limitação da responsabilidade estatal não retira a do sucumbente quanto a eventual verba honorária remanescente, sendo aplicada a suspensão legal do crédito nos termos do artigo 98, parágrafos 2° e 3°, do CPC.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RMS 61105
DECISÃO
10/01/2020 06:50

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes deu provimento a recurso especial para reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e assegurar a presença de cuidador dentro da sala de aula para um adolescente portador da síndrome de Worster-Drought, uma forma rara de paralisia cerebral.

Para o ministro, o cuidador deve ficar no local que entender necessário para o desenvolvimento de suas atividades, e a administração escolar tem de providenciar profissional adequado ao apoio pedagógico demandado pelo aluno com deficiência.

Segundo os autos, após uma cuidadora acompanhar o aluno durante três anos, a nova diretora da escola estadual proibiu-a de permanecer na sala de aula, determinando que ficasse do lado de fora, esperando para ser acionada pela professora quando necessário.

O aluno, em virtude da síndrome, sofre de hemiplegia (paralisia de metade do corpo), anorexia, dislexia, disfagia (dificuldade para engolir), dificuldades para falar e escrever, sequelas motoras e neurológicas, além de órteses na mão direita.

O acórdão do TJSP, tendo em vista o dever do Judiciário de garantir o direito fundamental de crianças e adolescentes com deficiência à educação, reconheceu a necessidade de acompanhamento de profissional habilitado para o estudante. Porém, no entender do tribunal, a lei federal não descreve o local onde o cuidador deve permanecer para atender às necessidades do menor.

No STJ, a Defensoria Pública interpôs agravo contra a decisão que inadmitiu seu recurso especial sob o argumento de incidência da Súmula 7/STJ. Segundo a DP, houve incompatibilidade entre a negativa de produção de provas e o julgamento de improcedência da ação por falta de provas.

Atendimento especia​​​lizado

Ao reformar o acórdão do TJSP, o ministro Og Fernandes afirmou que não é lógico nem razoável deixar a cargo do professor avaliar se o aluno precisa ou não ser atendido pelo cuidador.

“Não compete ao profissional encarregado da já relevante dinâmica didática, e certamente bastante sobrecarregado nessa atuação, dedicar atenção ao aluno que necessita de atendimento especializado até mesmo para engolir sua própria saliva com segurança, sentar-se corretamente ou segurar um lápis. Dispensa outras digressões concluir que o ensino de todo o grupo seria prejudicado pela atribuição adicional dessa responsabilidade ao professor”, explicou.

Segundo Og Fernandes, a consideração de que um aluno nas condições descritas no caso, com comprometimento motor e neurológico, dispensa atendimento integral e será melhor atendido em sua vida pela autonomia forçada “é absolutamente criticável”.

Para o relator, a Lei 13.146/2015 assegura a plena inclusão da pessoa com deficiência, sem discriminação, violência ou negligência, com atendimento integral por profissional adequado às suas necessidades pedagógicas específicas.

Ao acolher integralmente o pedido do adolescente, o ministro Og Fernandes lhe assegurou a presença do cuidador dentro da sala de aula.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

DECISÃO
13/12/2019

om base na impossibilidade de retroação dos efeitos da Lei 13.043/2014, que regulamentou o parcelamento tributário para empresas em recuperação judicial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu não ser cabível exigir a certidão negativa de débitos fiscais de uma empresa cuja recuperação foi deferida em 2006.

No recurso analisado pela turma, a Fazenda Nacional questionava a falta de comprovação de regularidade fiscal da empresa – discussão que surgiu apenas quando uma nova assembleia de credores, em 2016 (após o encerramento do processo de recuperação), aprovou a venda de um parque fabril para quitar créditos ainda em aberto.

“Tal providência, dado o avançado estágio de desenvolvimento do processo de soerguimento da recorrida, representaria violação à segurança jurídica e ao mais basilar dos princípios estampados na própria Lei 11.101/2005 – preservação da empresa –, que objetiva viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores”, afirmou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.

Em decisão interlocutória, o juiz homologou proposta de alienação do parque fabril independentemente da apresentação de certidões de regularidade fiscal. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), o qual entendeu que a exigência de apresentação de certidões negativas não pode ser obstáculo ao deferimento da recuperação de uma empresa, mesmo após a regulamentação do parcelamento de débitos fiscais pela Lei 13.043/2014.

Inércia legisla​tiva

Por meio de recurso especial, a Fazenda Nacional e o Ministério Público do Rio Grande do Sul sustentaram que a apresentação das certidões seria condição imprescindível para a concessão da recuperação judicial. Segundo as recorrentes, não existe mais o vácuo legislativo relativo ao parcelamento especial para empresários em processo de recuperação, em razão da publicação da Lei 13.043/2014.

A ministra Nancy Andrighi apontou que, efetivamente, a Lei 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação de Empresas – LFRE) dispõe, em seu artigo 57, que, após a aprovação do plano pela assembleia geral de credores, incumbe ao devedor apresentar em juízo certidões comprobatórias de sua regularidade fiscal. Trata-se, segundo a ministra, de exigência imprescindível, nos termos do artigo 58 da mesma lei.

Entretanto, a relatora lembrou que, em razão das disposições constantes no artigo 68 da LFRE e no artigo 155-A do Código Tributário Nacional – as quais garantem ao empresário em recuperação a possibilidade de parcelar seus débitos fiscais em condições especiais –, a Corte Especial do STJ passou a entender que a inércia do legislador em editar lei específica sobre o parcelamento impossibilitaria o contribuinte de cumprir a regra do artigo 57 da Lei 11.101/2005, não podendo o empresário sofrer prejuízos pela demora do Legislativo.

Parcelamento esp​ecial

Em 2014, foi publicada a Lei 13.043/2014, incluindo o artigo 10-A na Lei 10.522/2002, dispositivo que prevê modalidade especial de parcelamento de débitos tributários para a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação. A lei foi regulamentada pela Portaria Conjunta PGFN/RFB 1/2015, conciliando, segundo Nancy Andrighi, os interesses dos credores privados do devedor e os do fisco.

“Como a obtenção do parcelamento conduz à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e esta permite a expedição de certidões positivas com efeitos de negativas, achava-se pavimentado o caminho que possibilita o cumprimento, pela recuperanda, da exigência da norma do artigo 57 da LFRE (comprovação da regularidade fiscal)”, afirmou a ministra.

Além disso, Nancy Andrighi lembrou que, de acordo com o fixado nos artigos 57 e 58 da Lei 11.101/2005, bem como no artigo 191-A do CTN, a comprovação da regularidade fiscal da recuperanda deve ocorrer em momento anterior à concessão da recuperação judicial.

Ela ressaltou, porém, que o processo de soerguimento da empresa já estava encerrado em 2008, e a insurgência da Fazenda Nacional quanto à comprovação da necessidade da regularidade fiscal só foi manifestada após o pedido de homologação da decisão de vender o parque fabril, tomada em assembleia de 2016, durante a execução do plano.

“Como, à época da concessão do benefício legal, não havia lei específica a disciplinar o parcelamento especial do crédito tributário do devedor em processo de recuperação, tem plena aplicabilidade à espécie o entendimento assentado por esta corte no sentido de que a comprovação da regularidade fiscal da recuperanda não era providência que dela se podia exigir”, concluiu a ministra ao manter a decisão do TJRS.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1719894
DECISÃO
06/12/2019

Afastada condenação de menor por ato infracional análogo a terrorismo

​​Por falta de adequação ao tipo penal, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus a um menor para determinar o rejulgamento do seu caso, afastando a capitulação da sua conduta como ato infracional análogo ao crime previsto no artigo 5° da Lei 13.260/2016 – que trata de atos preparatórios de terrorismo.

No habeas corpus requerido ao STJ, a defesa alegou constrangimento ilegal na condenação, pois esta não teria apontado os elementos necessários para a configuração da conduta punida pela Lei Antiterrorismo: motivação por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.

Em seu voto, o relator do habeas corpus, ministro Sebastião Reis Júnior, contextualizou a criação da Lei Antiterrorismo no Brasil e a dificuldade de definição desse ato. Citando doutrinadores do direito, o ministro ressaltou que a formulação do tipo penal de terrorismo constitui juízo de valor que demanda contextualização fática e objetiva dos intérpretes.

“Embora o repertório jurídico anterior à lei pudesse oferecer respostas penais a eventuais atentados, tipificando as condutas terroristas como homicídios, crimes de ódio ou relativas à posse de armamento ou explosivos, fixando uma definição para o terrorismo o legislador finca novo horizonte de análise e convida o intérprete a observar o entorno do fato em questão em suas múltiplas dimensões”, afirmou.

Interpretação sistemáti​​ca

Sebastião Reis Júnior explicou que o legislador estabeleceu os tipos penais de terrorismo nos artigos 2º, 3º, 5º e 6º da Lei 13.260/2016. Segundo ele, o reconhecimento de ato infracional análogo ao crime do artigo 5° demanda interpretação conjunta com o caput do artigo 2º, o qual define legalmente o terrorismo.

Em decorrência do princípio da legalidade – lembrou –, a estrutura semântica da lei incriminadora deve ser rigorosamente observada. Assim, o relator ressaltou que a tipificação da conduta descrita no artigo 5º exige a motivação por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, como estabelece o artigo 2º.

O ministro afirmou que, diferentemente do entendimento das instâncias ordinárias, a motivação constitui elemento fundamental nos contornos da conduta penal do terrorismo, conforme a definição legal.

“Trata-se de criminalização dos atos preparatórios do delito de terrorismo, expressão que remete ao dispositivo anterior, exigindo a interpretação sistemática. Não se mostra admissível, do ponto de vista hermenêutico, que o delito subsidiário tenha âmbito de aplicação diferente do delito principal”, disse.

Para o relator, não é possível extrair do caso em julgamento pretensão de subversão da ordem, elemento político-ideológico, pretensão reivindicatória ou outros elementos comuns a um ato de terrorismo por parte do agente. “Em se tratando de menor de idade, sobeja extremamente grave a sua rotulagem como terrorista”, destacou.

Proteção ​​​​falha

O ministro observou que esse entendimento não representa “condescendência com a gravidade do ato praticado”, sendo preocupante a crescente ocorrência de casos semelhantes, fato que “explicita a omissão do sistema brasileiro de proteção à criança e ao adolescente”. Ele lembrou que a Justiça local poderá, no caso, entender pela configuração de outro ato infracional, conforme a análise das provas.

“Ressalto, ainda, que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe de diversos instrumentos de atuação, sendo a imposição de medida socioeducativa a ultima ratio nesse subsistema. Cabe, portanto, indagação sobre quantas instâncias de proteção falharam no acolhimento do ora paciente e lhe permitiram flertar com a barbárie.”

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

DECISÃO
04/12/2019 07:00

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que são ilegais as provas obtidas por meio de revista íntima realizada em presídio com base em elementos subjetivos ou meras suposições acerca da prática de crime. Para o colegiado, tal conduta contraria o direito à dignidade, à intimidade e à inviolabilidade corporal.

A decisão foi tomada em recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça que absolveu uma ré do crime de tráfico de drogas por entender que a prova contra ela foi colhida em revista íntima realizada sem fundadas razões.

A corte gaúcha aplicou por analogia a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 603.616, no qual se concluiu que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial só é legítimo – a qualquer hora do dia ou da noite – quando houver fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem a ocorrência de flagrante delito no interior da residência.

A acusada foi flagrada com 45,2 gramas de maconha ao tentar ingressar no presídio para visitar seu companheiro. Segundo os autos, ela foi submetida a revista íntima porque um telefonema anônimo levantou a hipótese de que poderia estar traficando drogas.

Dignida​​​de

Em seu voto, o relator do recurso na Sexta Turma, ministro Rogerio Schietti Cruz, lembrou que o procedimento de revista íntima – que por vezes é realizado de forma infundada, vexatória e humilhante – viola tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil, além de contrariar recomendações de organismos internacionais.

“É inarredável a afirmação de que a revista íntima, eventualmente, constitui conduta atentatória à dignidade da pessoa humana (um dos pilares do nosso Estado Democrático de Direito), em razão de, em certas ocasiões, violar brutalmente o direito à intimidade, à inviolabilidade corporal e à convivência familiar entre visitante e preso”, disse o ministro.

Schietti citou resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça, que exige que a revista pessoal seja feita com o uso de equipamentos eletrônicos (como detectores de metais, aparelhos de raios X e escâner corporal) e proíbe qualquer forma de revista que atente contra a integridade física ou psicológica dos visitantes.

Citou ainda a Lei Federal 13.271/2016, que proíbe revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambiente prisional.

Direito à segur​​ança

O relator também lembrou que, por outro lado, o Estado tem o dever de preservar a segurança dos detentos e dos que precisam entrar nos estabelecimentos penais e, “em sentido mais amplo, o próprio direito social à segurança pública”.

“Registro que a segurança nos presídios é um dever em relação ao qual o Estado não pode renunciar, devendo ele ser desempenhado com a eficiência indispensável e adequada à magnitude dos direitos envolvidos, tais como o da segurança pública”, afirmou.

A falta de disciplina expressa na legislação federal acerca do tema, de acordo com o ministro, deixou aos estados a regulamentação das visitas íntimas em seus presídios, sendo que, em alguns, o procedimento foi proibido pelo próprio Poder Executivo, enquanto em outros foi vedado por decisões judiciais.

Schietti destacou também que a questão da ilicitude da prova obtida em revista íntima em presídio se encontra pendente de julgamento pelo STF (ARE 95​9.620, com repercussão geral).

Quanto à regulamentação no Rio Grande do Sul, o ministro ressaltou que há portaria determinando que “todos os visitantes, independentemente da idade, somente poderão ingressar nos estabelecimentos prisionais após serem submetidos a uma revista pessoal e minuciosa, e também a uma revista íntima, se necessário ou mediante fundada suspeita”.

Colisão e pond​​eração

Diante da colisão entre dois direitos fundamentais – de um lado, a intimidade, a privacidade e a dignidade; de outro, a segurança –, o relator afirmou que a solução do caso requer o uso da técnica da ponderação, aliada ao princípio da proporcionalidade.

“O próprio Supremo Tribunal Federal reconhece a técnica da ponderação como instrumento de solução de conflitos de interesses embasados em proteção de nível constitucional. Já decidiu a Corte Suprema que a proporcionalidade é um método geral de solução de conflito entre princípios protegidos pela Constituição”, declarou.

Ao analisar as circunstâncias da prisão, o relator concordou com o entendimento do tribunal de segunda instância, ressaltando que, após o telefonema anônimo às agentes penitenciárias, não foi realizada nenhuma diligência, e “não houve nenhum outro elemento suficiente o bastante para demonstrar a imprescindibilidade da revista”.

Schietti assinalou que a denúncia anônima, por si só, não configura fundada razão para justificar a revista íntima. Diferentemente seria se a ré tivesse sido submetida a equipamento eletrônico capaz de identificar o porte de arma ou drogas.

Ademais, esclareço que nem sequer houve registro documental dessa ‘denúncia anônima’ feita ao estabelecimento prisional (quando, por qual meio etc.), o que torna absolutamente impossível de controle a própria existência da notícia”, concluiu.

Leia o acórdão.