DECISÃO
06/12/2019

Afastada condenação de menor por ato infracional análogo a terrorismo

​​Por falta de adequação ao tipo penal, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus a um menor para determinar o rejulgamento do seu caso, afastando a capitulação da sua conduta como ato infracional análogo ao crime previsto no artigo 5° da Lei 13.260/2016 – que trata de atos preparatórios de terrorismo.

No habeas corpus requerido ao STJ, a defesa alegou constrangimento ilegal na condenação, pois esta não teria apontado os elementos necessários para a configuração da conduta punida pela Lei Antiterrorismo: motivação por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.

Em seu voto, o relator do habeas corpus, ministro Sebastião Reis Júnior, contextualizou a criação da Lei Antiterrorismo no Brasil e a dificuldade de definição desse ato. Citando doutrinadores do direito, o ministro ressaltou que a formulação do tipo penal de terrorismo constitui juízo de valor que demanda contextualização fática e objetiva dos intérpretes.

“Embora o repertório jurídico anterior à lei pudesse oferecer respostas penais a eventuais atentados, tipificando as condutas terroristas como homicídios, crimes de ódio ou relativas à posse de armamento ou explosivos, fixando uma definição para o terrorismo o legislador finca novo horizonte de análise e convida o intérprete a observar o entorno do fato em questão em suas múltiplas dimensões”, afirmou.

Interpretação sistemáti​​ca

Sebastião Reis Júnior explicou que o legislador estabeleceu os tipos penais de terrorismo nos artigos 2º, 3º, 5º e 6º da Lei 13.260/2016. Segundo ele, o reconhecimento de ato infracional análogo ao crime do artigo 5° demanda interpretação conjunta com o caput do artigo 2º, o qual define legalmente o terrorismo.

Em decorrência do princípio da legalidade – lembrou –, a estrutura semântica da lei incriminadora deve ser rigorosamente observada. Assim, o relator ressaltou que a tipificação da conduta descrita no artigo 5º exige a motivação por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, como estabelece o artigo 2º.

O ministro afirmou que, diferentemente do entendimento das instâncias ordinárias, a motivação constitui elemento fundamental nos contornos da conduta penal do terrorismo, conforme a definição legal.

“Trata-se de criminalização dos atos preparatórios do delito de terrorismo, expressão que remete ao dispositivo anterior, exigindo a interpretação sistemática. Não se mostra admissível, do ponto de vista hermenêutico, que o delito subsidiário tenha âmbito de aplicação diferente do delito principal”, disse.

Para o relator, não é possível extrair do caso em julgamento pretensão de subversão da ordem, elemento político-ideológico, pretensão reivindicatória ou outros elementos comuns a um ato de terrorismo por parte do agente. “Em se tratando de menor de idade, sobeja extremamente grave a sua rotulagem como terrorista”, destacou.

Proteção ​​​​falha

O ministro observou que esse entendimento não representa “condescendência com a gravidade do ato praticado”, sendo preocupante a crescente ocorrência de casos semelhantes, fato que “explicita a omissão do sistema brasileiro de proteção à criança e ao adolescente”. Ele lembrou que a Justiça local poderá, no caso, entender pela configuração de outro ato infracional, conforme a análise das provas.

“Ressalto, ainda, que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe de diversos instrumentos de atuação, sendo a imposição de medida socioeducativa a ultima ratio nesse subsistema. Cabe, portanto, indagação sobre quantas instâncias de proteção falharam no acolhimento do ora paciente e lhe permitiram flertar com a barbárie.”

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

DECISÃO
04/12/2019 07:00

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que são ilegais as provas obtidas por meio de revista íntima realizada em presídio com base em elementos subjetivos ou meras suposições acerca da prática de crime. Para o colegiado, tal conduta contraria o direito à dignidade, à intimidade e à inviolabilidade corporal.

A decisão foi tomada em recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça que absolveu uma ré do crime de tráfico de drogas por entender que a prova contra ela foi colhida em revista íntima realizada sem fundadas razões.

A corte gaúcha aplicou por analogia a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 603.616, no qual se concluiu que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial só é legítimo – a qualquer hora do dia ou da noite – quando houver fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem a ocorrência de flagrante delito no interior da residência.

A acusada foi flagrada com 45,2 gramas de maconha ao tentar ingressar no presídio para visitar seu companheiro. Segundo os autos, ela foi submetida a revista íntima porque um telefonema anônimo levantou a hipótese de que poderia estar traficando drogas.

Dignida​​​de

Em seu voto, o relator do recurso na Sexta Turma, ministro Rogerio Schietti Cruz, lembrou que o procedimento de revista íntima – que por vezes é realizado de forma infundada, vexatória e humilhante – viola tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil, além de contrariar recomendações de organismos internacionais.

“É inarredável a afirmação de que a revista íntima, eventualmente, constitui conduta atentatória à dignidade da pessoa humana (um dos pilares do nosso Estado Democrático de Direito), em razão de, em certas ocasiões, violar brutalmente o direito à intimidade, à inviolabilidade corporal e à convivência familiar entre visitante e preso”, disse o ministro.

Schietti citou resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça, que exige que a revista pessoal seja feita com o uso de equipamentos eletrônicos (como detectores de metais, aparelhos de raios X e escâner corporal) e proíbe qualquer forma de revista que atente contra a integridade física ou psicológica dos visitantes.

Citou ainda a Lei Federal 13.271/2016, que proíbe revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambiente prisional.

Direito à segur​​ança

O relator também lembrou que, por outro lado, o Estado tem o dever de preservar a segurança dos detentos e dos que precisam entrar nos estabelecimentos penais e, “em sentido mais amplo, o próprio direito social à segurança pública”.

“Registro que a segurança nos presídios é um dever em relação ao qual o Estado não pode renunciar, devendo ele ser desempenhado com a eficiência indispensável e adequada à magnitude dos direitos envolvidos, tais como o da segurança pública”, afirmou.

A falta de disciplina expressa na legislação federal acerca do tema, de acordo com o ministro, deixou aos estados a regulamentação das visitas íntimas em seus presídios, sendo que, em alguns, o procedimento foi proibido pelo próprio Poder Executivo, enquanto em outros foi vedado por decisões judiciais.

Schietti destacou também que a questão da ilicitude da prova obtida em revista íntima em presídio se encontra pendente de julgamento pelo STF (ARE 95​9.620, com repercussão geral).

Quanto à regulamentação no Rio Grande do Sul, o ministro ressaltou que há portaria determinando que “todos os visitantes, independentemente da idade, somente poderão ingressar nos estabelecimentos prisionais após serem submetidos a uma revista pessoal e minuciosa, e também a uma revista íntima, se necessário ou mediante fundada suspeita”.

Colisão e pond​​eração

Diante da colisão entre dois direitos fundamentais – de um lado, a intimidade, a privacidade e a dignidade; de outro, a segurança –, o relator afirmou que a solução do caso requer o uso da técnica da ponderação, aliada ao princípio da proporcionalidade.

“O próprio Supremo Tribunal Federal reconhece a técnica da ponderação como instrumento de solução de conflitos de interesses embasados em proteção de nível constitucional. Já decidiu a Corte Suprema que a proporcionalidade é um método geral de solução de conflito entre princípios protegidos pela Constituição”, declarou.

Ao analisar as circunstâncias da prisão, o relator concordou com o entendimento do tribunal de segunda instância, ressaltando que, após o telefonema anônimo às agentes penitenciárias, não foi realizada nenhuma diligência, e “não houve nenhum outro elemento suficiente o bastante para demonstrar a imprescindibilidade da revista”.

Schietti assinalou que a denúncia anônima, por si só, não configura fundada razão para justificar a revista íntima. Diferentemente seria se a ré tivesse sido submetida a equipamento eletrônico capaz de identificar o porte de arma ou drogas.

Ademais, esclareço que nem sequer houve registro documental dessa ‘denúncia anônima’ feita ao estabelecimento prisional (quando, por qual meio etc.), o que torna absolutamente impossível de controle a própria existência da notícia”, concluiu.

Leia o acórdão.

Silêncio na corte. Um clima de tensão toma conta do ambiente quando o réu, sob escolta, é apresentado na sala de julgamentos. Do lado de fora, a imprensa acompanha cada passo da movimentação no tribunal, em uma sessão que promete durar várias horas, talvez dias. Jurados escolhidos, defesa e acusação a postos, olhos curiosos do público: o juiz declara aberto o julgamento.

Os procedimentos que envolvem os julgamentos no tribunal do júri costumam habitar o imaginário popular, tanto no Brasil quanto fora dele. Contribuem para esse fenômeno a constante representação das sessões do júri em filmes e novelas, muitas vezes em dramatizações carregadas de irreverência e exagero. Por outro lado, a própria comoção pública e a repercussão social gerada por muitos crimes dolosos contra a vida são, em si, um elemento ideal para que o julgamento popular atraia a atenção de leigos e especialistas.

O sistema de julgamento popular remonta à Grécia antiga. Em Atenas, a decisão sobre crimes de sangue competia ao Areópago, órgão cujos membros eram escolhidos por sorteio entre os cidadãos atenienses. Também na Roma clássica havia a distinção em relação à natureza dos delitos. A lex licinia, legislação de 55 a.C., previa a formação por sorteio de um corpo de jurados leigos, que prestavam compromisso de bem desempenhar suas funções judiciárias no processo penal.

Nascido nos sistemas antigos, o tribunal do júri evoluiu e percorreu diversos ordenamentos legais no mundo – como na Inglaterra, Alemanha e França –, chegando ao Brasil oficialmente em 1822, quando o príncipe regente D. Pedro de Alcântara, por decreto imperial, instituiu o Tribunal do Júri do Brasil.

Em terras nacionais, o sistema de julgamento pelo povo foi sendo renovadamente previsto em sucessivas legislações, e atualmente tem status constitucional garantido pela Carta de 1988, com competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida. Mesmo assim, nos processos submetidos ao júri popular, uma série de questões ainda são controvertidas e demandam soluções pelo Judiciário, muitas delas dadas em última palavra pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por isso, o STJ apresenta a série especial de matérias Caminhos do Júri, que neste domingo (1º) e nos dois próximos percorrerá todas as etapas do processo de julgamento perante o tribunal do júri por meio de seus diversos entendimentos sobre o tema.

Fases do proc​​edimento

Apesar da associação que se faz entre o julgamento popular e a imagem do réu sentado diante dos jurados, o procedimento do júri, na verdade, começa bem antes, é complexo e se divide em duas fases: o judicium accusationis, também conhecido como sumário de culpa, e o judicium causae, ou o plenário do júri. Nessas duas fases, estão incluídos vários outros procedimentos: as intimações, o arrolamento de testemunhas, a formação do conselho de sentença, entre outros.

Na primeira etapa do júri – o sumário de culpa –, é realizada a produção de provas com o objetivo de apurar a existência de crime doloso contra a vida e, pelo menos, de indícios de autoria contra o réu.

Essa fase tem início com o oferecimento da denúncia ou queixa e termina com a sentença de pronúncia (que conclui pela existência do crime doloso contra a vida e de indícios de autoria, por isso, submete o processo ao júri popular), impronúncia (quando o juiz conclui que não há indícios suficientes de materialidade ou autoria aptas a levar o acusado ao júri), desclassificação do crime (casos em que o magistrado entende que se trata de outro crime, que escapa à competência do júri) ou absolvição sumária.

Mera admissibilid​​ade

No julgamento do REsp 1.790.039, no qual a Sexta Turma discutia a submissão ao tribunal do júri de envolvidos no incêndio ocorrido na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), o ministro relator, Rogerio Schietti Cruz, explicou que a decisão que encerra a primeira fase do procedimento do júri tem natureza de decisão interlocutória mista, não terminativa, de mero juízo de admissibilidade da acusação formulada pelo Ministério Público.

“Por sua natureza e finalidade, dispensa-se, nesse momento processual, prova incontroversa da autoria do crime apurado, pois basta a existência de indícios suficientes (na dicção do artigo 413 do Código de Processo Penal – CPP) de que o acusado seja seu autor ou partícipe” – afirmou o ministro ao destacar que as questões referentes à certeza da autoria e da materialidade do delito devem ser analisadas pelo tribunal do júri, juiz natural dessas causas.

No caso específico do recurso, o relator ressaltou que a questão central e mais importante dizia respeito à definição do elemento subjetivo que teria motivado a conduta dos réus, ou seja, se eles agiram no episódio com dolo eventual ou se apenas com culpa.

De acordo com o ministro, com base nas informações dos autos, a afirmação segundo a qual os réus teriam agido com dolo eventual não implica dizer que eles tenham previsto a morte de 242 pessoas no incêndio e as lesões a outros 636 indivíduos, mas que estavam cientes de que, dadas as condições do local do acidente e do tipo de show – que contava com o uso de artifício pirotécnico pela banda presente na noite da tragédia –, produziram um incremento considerável do risco que os frequentadores da casa poderiam enfrentar.

Para Schietti, essas circunstâncias, indicadas na sentença de pronúncia, “permitem inferir que os recorridos estavam cientes desses riscos e das possíveis consequências que poderia causar o menor incidente decorrente do uso de fogo de artifício sabidamente impróprio para ambiente interno, acionado e direcionado a material altamente inflamável, a poucos centímetros de distância da chama”.

Ao entender que os réus deveriam ser submetidos ao júri, Schietti também afirmou que o fato de os integrantes da banda já terem feito uso de recurso pirotécnico em outros shows, sem problemas, não poderia ser considerado um argumento válido de defesa, tendo em vista que eles sabiam plenamente dos riscos que normalmente já são inerentes a eventos realizados em ambientes fechados, escuros e sem condições adequadas de mobilidade.

“Cientes de que esses riscos são já presentes, pelo simples fato de se aglutinar uma multidão em um ambiente assim, incrementaram, deliberada e conscientemente, esse risco, a ponto de ser razoável concluir, como o fizeram o juiz da pronúncia e os desembargadores que confirmavam tal decisão, que tinham ciência de que esse risco existia e que poderia vir a se concretizar com danos humanos e materiais incalculáveis”, concluiu o ministro.

Inquérito p​​olicial

No REsp 1.740.921, a Quinta Turma entendeu ser incabível admitir a sentença de pronúncia de um acusado com base apenas em indícios derivados do inquérito policial. O entendimento foi firmado pelo colegiado ao negar recurso do Ministério Público de Goiás, que sustentava ser possível usar as informações do inquérito como parâmetro de aferição dos indícios de autoria imprescindíveis à pronúncia, sem que isso representasse violação do artigo 155 do CPP.

No processo, o Tribunal de Justiça de Goiás manteve decisão que despronunciou um réu acusado de homicídio em razão de a prova apontada nos autos ser um depoimento extrajudicial, que não foi confirmado na fase processual. Além disso, o tribunal levou em consideração a confissão espontânea de um corréu.

O ministro Ribeiro Dantas, relator do recurso do MP, afirmou que a prova produzida extrajudicialmente é elemento cognitivo destituído do devido processo legal, princípio constitucional garantidor das liberdades públicas e limitador do arbítrio estatal.

Segundo o ministro, com o objetivo de dar máxima efetividade ao sistema de íntima convicção dos jurados, não é possível desprezar a prova judicial colhida na fase processual do sumário do tribunal do júri. Ribeiro Dantas destacou que o juízo discricionário do conselho de sentença, uma das últimas etapas do procedimento do júri, não desmerece os elementos de prova produzidos na fase processual, tampouco os equipara à prova formada no momento do inquérito.

“Na hipótese em foco, optar por solução diversa implica inverter a ordem de relevância das fases da persecução penal, conferindo maior juridicidade a um procedimento administrativo realizado sem as garantias do devido processo legal, em detrimento do processo penal, o qual é regido por princípios democráticos e por garantias fundamentais” – concluiu o ministro.

Testemunha in​​direta

Também analisando a fundamentação de sentença de pronúncia, a Sexta Turma, ao julgar o REsp 1.373.356, considerou que as provas produzidas no inquérito, baseadas em depoimentos de testemunhas que afirmaram “ouvir dizer” sobre o delito, não poderiam amparar a decisão que pronunciou denunciados pelo crime de homicídio qualificado.

Segundo o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, além de preservar o réu contra acusações infundadas, a instrução preliminar do juízo de acusação tem o objetivo de preparar o julgamento que será realizado pelo conselho de sentença. O ministro lembrou que, ao contrário dos atos do inquérito policial, as evidências recolhidas durante a primeira fase do júri terão plena eficácia e validade perante o órgão julgador da causa, uma vez que foram produzidas na presença das partes e do juiz, pelo método do contraditório.

O relator destacou que, embora não haja impedimento legal no Brasil ao depoimento de testemunha indireta, nesse tipo de testemunho por ouvir dizer (hearsay rule) – pouco confiável, “visto que os relatos se alteram quando passam de boca a boca” – o acusado não tem como refutar o que o depoente afirma sem indicar a fonte direta da informação trazida a juízo.

Excesso de lingua​​gem

Na sentença de pronúncia, o magistrado realiza o juízo de probabilidade delitiva, mas não define certeza sobre a autoria do crime, tarefa que cabe ao conselho de sentença. Por isso, nessa fase judicial – e também na condição de presidente da sessão do júri –, o juiz togado não pode se manifestar de forma a influenciar o comportamento dos jurados leigos, sob pena de incorrer no chamado excesso de linguagem (ou eloquência acusatória).

No julgamento do REsp 1.442.002, em 2015, a Sexta Turma, acompanhando posição do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou sentença de pronúncia por considerar que o magistrado, ao adentrar no mérito da causa quando pronunciou o acusado, incorreu em excesso de linguagem.

O relator do recurso, ministro Sebastião Reis Júnior, comentou à época que a jurisprudência do STJ costumava entender que, reconhecida a existência de excesso de linguagem em sentença de pronúncia, o desentranhamento e o envelopamento da decisão seriam suficientes para cessar a ilegalidade, pois, além de contemplar o princípio da economia processual, evitaria que o conselho de sentença sofresse influência das palavras usadas pelo magistrado.

Entretanto, o relator apontou decisões do STF no sentido de que a solução anteriormente apresentada pelo STJ representaria constrangimento ilegal e também afrontaria a soberania dos vereditos.

“Logo, diante da evidência de que o Supremo Tribunal Federal já firmou posição consolidada sobre o tema, tenho como mais coerente acolher o entendimento lá pacificado, sob o risco de que, postergada tal providência, outros julgados deste Superior Tribunal venham a ser cassados, gerando efeitos maléficos na origem, sobretudo o atraso dos feitos relacionados ao tribunal do júri”, afirmou o ministro ao determinar que nova decisão de pronúncia fosse prolatada.

Pequena ras​​ura

A Quinta Turma entendeu, em 2016, que a rasura de um pequeno trecho da sentença de pronúncia seria suficiente para afastar a nulidade decorrente de excesso de linguagem.

Segundo a defesa, o magistrado de primeiro grau invadiu a competência exclusiva do tribunal do júri ao decidir sobre a pronúncia, pois, ao justificar a impossibilidade de absolvição sumária, afirmou que ficou demonstrada a vontade da ré em tirar a vida da vítima.

Relator do pedido de habeas corpus, o ministro Joel Ilan Paciornik apontou que, como o juízo da acusação, ao encerrar o judicium accusationis, foi categórico em afirmar a certeza da intenção de matar a vítima, houve claramente excesso de linguagem, capaz de influenciar a decisão dos jurados por ocasião da sessão do júri.

Entretanto, Paciornik afirmou que a linguagem excessiva ocorreu em apenas um pequeno trecho de toda a sentença de pronúncia.

Assim, tendo em vista que o artigo 413, parágrafo 1º, do CPP tem o objetivo primordial de preservar a convicção dos jurados sobre as teses levantadas pela defesa e pela acusação, e considerando o princípio da celeridade processual, o relator entendeu que “a rasura do trecho maculado na pronúncia é suficiente para afastar a nulidade suscitada, uma vez que se preservará todo o restante válido da decisão impugnada, sem, contudo, ferir o direito da acusada em ver as teses defensivas serem decididas, de forma plena, pelo tribunal do júri” (HC 325.076).

Pro reo, pro soci​​etate

Em razão da característica de mero juízo de admissibilidade da sentença de pronúncia, havendo dúvida sobre a autoria do delito, o magistrado ainda pode pronunciar o acusado e submetê-lo ao júri, que tem a competência para julgar o mérito da acusação.

O princípio, conhecido como in dubio pro societate, é referendado pela jurisprudência do STJ. Na fase de acusação, esse princípio orienta a interpretação judicial de forma distinta do momento do julgamento pelo conselho de sentença, quando, no caso de dúvidas sobre a autoria, prevalece o princípio in dubio pro reo.

No AREsp 1.084.726, a defesa de um acusado pelo crime de homicídio alegava que não existiam indícios suficientes de autoria e, por isso, buscava a impronúncia.

Entretanto, o ministro Jorge Mussi lembrou que, na decisão de pronúncia, o ordenamento jurídico exige apenas o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando os requisitos necessários à prolação da condenação, de forma que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu e a favor da sociedade, conforme previsto no artigo 413 do CPP.

Acidentes de ​​​trânsito

​Em um país que, segundo o Conselho Federal de Medicina, registra uma média de cinco mortes por hora no trânsito, é previsível que questões sobre a caracterização da conduta que causou o acidente – se culposa ou dolosa – sejam rotineiramente tratadas pelo Judiciário.

Essa definição – da qual pode resultar a submissão do motorista ao tribunal do júri – passa normalmente pela avaliação de algumas condições, como a direção sob influência de álcool e a condução do veículo de forma perigosa.

Em 2019, a Sexta Turma analisou o caso de um motorista de Cascavel (PR) denunciado pelo atropelamento de vários ciclistas, que sofreram diversas lesões, mas sobreviveram. Segundo o Ministério Público, o condutor não possuía habilitação e trafegava sob a influência de álcool quando, sem qualquer justificativa, colidiu com os ciclistas.

Apesar desse contexto, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) entendeu, ao contrário da sentença de pronúncia, que o caso não envolveu crime doloso contra a vida e, por isso, deveria ser desclassificado. Para o tribunal, não se poderia afirmar que, ao dirigir após beber, o acusado tenha concordado em colocar em risco a vida de terceiros. Além disso, o TJPR considerou que o fato de conduzir veículo com a carteira de motorista suspensa é crime autônomo e também não demonstraria a assunção de risco à vida.

O relator do recurso do Ministério Público do Paraná, ministro Nefi Cordeiro, afirmou que a sentença de desclassificação exige a certeza jurídica de que o crime foi diverso daquele imputado inicialmente ao réu (doloso contra a vida).

Para o ministro, o TJPR não poderia chegar a essa certeza de crime culposo após admitir que o motorista causou o acidente sob influência de álcool, com habilitação suspensa, em violação à norma de trânsito, e após invadir a pista em que as bicicletas trafegavam.

“Desse modo, admitidos fatos definidores da justa causa, não é válida a conclusão de desclassificação, devendo ser provido o recurso porque presentes fatos fundamentadores de prova (justa causa) para a imputação do crime doloso (dolo eventual) contra a vida, exigindo-se a pronúncia, para a definitiva valoração do crime e do elemento subjetivo pelo tribunal do júri”, decidiu Nefi Cordeiro, restabelecendo a sentença de pronúncia.

Jurispru​​​dência

A Secretaria de Jurisprudência do STJ tem vários produtos que abordam entendimentos da corte em relação ao tema do tribunal do júri.

Na edição 114 de Jurisprudência em Teses, dedicada aos crimes de trânsito, apontou-se que, na hipótese de homicídio praticado na direção de veículo, havendo indicativos de que o condutor agiu, possivelmente, com dolo eventual, o julgamento acerca da ocorrência deste ou da culpa consciente compete ao tribunal do júri, na qualidade de juiz natural da causa.

Já as edições 75 e 78 do Informativo de Jurisprudência foram inteiramente dedicadas ao tribunal do júri. Entre os assuntos tratados, estão a aplicabilidade da excludente de ilicitude, o excesso de linguagem e os limites da sentença de pronúncia.

Entendimentos do STJ sobre questões do procedimento do júri também são encontrados na Pesquisa Pronta.

DECISÃO
21/11/2019

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial do proprietário de um caminhão furtado ao reconhecer a aquisição por usucapião extraordinária em favor de um terceiro, que comprou o veículo de boa-fé e exerceu a posse sobre ele por mais de 20 anos.

O recurso teve origem em ação de reintegração de posse do terceiro adquirente contra o proprietário original, cujo caminhão foi furtado em 1988 e recuperado em 2008. Até ser apreendido, o veículo estava em posse do terceiro, que o comprou de uma pessoa que aparentava ser o dono, por meio de financiamento bancário, e obteve registro no departamento de trânsito, além do licenciamento regular.

O pedido de reintegração foi julgado improcedente em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais deu provimento à apelação, ao entendimento de que houve usucapião extraordinária pelo terceiro. No recurso especial, o proprietário original do caminhão sustentou que a proteção possessória deveria ser deferida àquele que provasse a propriedade do veículo e que não seria possível a usucapião em razão da detenção de bem furtado.

Usucapião extraordin​​ária

O relator no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, lembrou que a Terceira Turma, em acórdão anterior à vigência do Código Civil de 2002, concluiu não ser admissível a usucapião ordinária de veículo furtado, pois a posse a título precário jamais poderia ser transformada em justa, mesmo que o possuidor usucapiente fosse terceiro que desconhecesse a origem dessa posse.

No entanto, para o ministro, o caso em análise amplia o debate, pois trata da possibilidade de aquisição da propriedade de bem móvel por usucapião extraordinária e sua incidência sobre bem objeto de furto.

O relator afirmou que a posse é protegida pelo direito por traduzir a manifestação exterior do direito de propriedade. “Esta proteção prevalecerá, sobrepondo-se ao direito de propriedade, caso se estenda por tempo suficiente previsto em lei, consolidando-se a situação fática que é reconhecida pela comunidade, sem se perquirir sobre as causas do comportamento real do proprietário”, disse.

Além do transcurso do prazo de prescrição aquisitiva, observou Bellizze, a legislação estabelece tão somente que a posse deve ser exercida de forma contínua e sem oposição, conforme os artigos 1.260 e 1.261 do Código Civil de 2002.

“Nos termos do artigo 1.261, aquele que exercer a posse de bem móvel, ininterrupta e incontestadamente, por cinco anos, adquire a propriedade originária, fazendo sanar todo e qualquer vício anterior”, lembrou o relator.

“Nota-se que não se exige que a posse exercida seja justa, devendo-se atender o critério de boa-fé apenas nas hipóteses da usucapião ordinária, cujo prazo para usucapir é reduzido”, afirmou.

Iníci​​o da posse

O relator destacou que o artigo 1.208 do Código Civil estabelece que a posse não é induzida por atos violentos ou clandestinos, passando a contar após a cessação de tais vícios. De acordo com ele, o furto é equiparado ao vício da clandestinidade, enquanto o roubo, ao da violência.

“Nesse sentido, é indiscutível que o agente do furto, enquanto não cessada a clandestinidade ou escondido o bem subtraído, não estará no exercício da posse, caracterizando-se assim a mera apreensão física do objeto furtado. Daí porque, inexistindo a posse, também não se dará início ao transcurso do prazo de usucapião”, disse ao destacar que, uma vez cessada a violência ou a clandestinidade, a apreensão física do bem induzirá a posse.

O ministro concluiu que não é suficiente que o bem sub judice seja objeto de crime contra o patrimônio para se generalizar o afastamento da usucapião. Para ele, é imprescindível que se verifique, nos casos concretos, se a situação de clandestinidade cessou, especialmente quando o bem furtado é transferido a terceiros de boa-fé.

“As peculiaridades do caso concreto, em que houve exercício da posse ostensiva de bem adquirido por meio de financiamento bancário com emissão de registro perante o órgão público competente, ao longo de mais de 20 anos, são suficientes para assegurar a aquisição do direito originário de propriedade, sendo irrelevante se perquirir se houve a inércia do anterior proprietário ou se o usucapiente conhecia a ação criminosa anterior a sua posse”, afirmou Bellizze.

Leia o acórdão.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a possibilidade de que uma cooperativa habitacional utilizasse extrato de penhora on-line efetuada em suas contas bancárias, nos autos de cobrança ajuizada anteriormente por um condomínio contra ela própria, como forma de fundamentar ação monitória contra a proprietária de um apartamento. Segundo a cooperativa, como ela não era proprietária do imóvel, os débitos condominiais, na realidade, seriam da verdadeira dona.

Para a Terceira Turma, porém, não é possível afirmar, com base apenas no extrato de penhora, que existe uma obrigação de pagamento por parte da proprietária, inclusive porque a própria cooperativa não alegou sua ilegitimidade passiva na ação original de cobrança.

Na ação de execução inicialmente ajuizada, a cooperativa habitacional alegava ser credora de mais de R$ 80 mil, valor proveniente de penhora on-line determinada nos autos de cobrança ajuizada contra ela pelo condomínio, relativamente a imóvel de propriedade da executada.

Após intimação para regularizar a petição inicial – uma vez que não se tratava de execução de título executivo judicial ou extrajudicial –, a cooperativa requereu a conversão do processo executivo em ação monitória.

Prova há​bil

O juiz de primeiro grau julgou extinta a ação, em virtude da ausência de prova escrita hábil a justificar o ajuizamento da monitória. Para o magistrado, a cooperativa deveria ter alegado sua ilegitimidade para responder pelas despesas condominiais na ação de cobrança ajuizada pelo condomínio, não podendo ela, na via monitória, pretender a restituição do valor penhorado.

A sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendeu que a prova dos autos era suficiente para demonstrar o direito da cooperativa. Assim, comprovada a responsabilidade da dona do apartamento pela dívida condominial, o tribunal julgou procedente o pedido monitório.

Origem do d​ébito

Relatora do recurso especial da proprietária, a ministra Nancy Andrighi explicou que a ação monitória é instrumento processual colocado à disposição do credor de quantia certa, cujo crédito pode ser comprovado por prova escrita sem eficácia de título executivo, nos termos do artigo 700 do Código de Processo Civil de 2015.

Com base em precedentes do STJ, a ministra também afirmou que a prova hábil a instruir a ação monitória precisa demonstrar a existência da obrigação, devendo o documento ser escrito e suficiente para influir na convicção do juiz sobre o direito alegado.

“Com efeito, exige-se a presença de elementos indiciários caracterizadores da materialização de um débito decorrente de uma obrigação, ou seja, a prova escrita apta a respaldar a demanda monitória deve, além de transparecer a probabilidade de existência da dívida, demonstrar a origem de tal débito consubstanciado na relação jurídica obrigacional subjacente”, disse a ministra.

Juízo de probabil​​idade

No caso dos autos, contudo, Nancy Andrighi apontou não ser possível concluir que o extrato de penhora on-line ocorrida em contas bancárias de titularidade da cooperativa, utilizado para embasar a ação monitória, confira certo juízo de probabilidade a respeito da responsabilidade da suposta possuidora e proprietária do imóvel.

“Isso porque o próprio condomínio ajuizou ações diversas para a cobrança de débitos condominiais em atraso: uma ação de cobrança em desfavor da recorrente, pelo qual pretendeu a cobrança das parcelas vencidas e não pagas a partir de outubro de 2005; e uma ação de execução contra a cooperativa recorrida, cobrando os débitos anteriores a este período”, apontou a relatora.

Ao restabelecer a sentença que extinguiu a ação monitória, a ministra ressaltou que, além de não ser possível entender que do recibo de protocolo de valores decorra uma obrigação da proprietária quanto ao pagamento dos débitos, os documentos juntados aos autos tampouco permitem ter certeza de que o valor bloqueado represente o valor do débito condominial de responsabilidade total da dona do imóvel.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1713774
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​​A operadora de plano de saúde, e não a empresa que contratou a assistência médica para os seus empregados, é quem possui legitimidade para figurar no polo passivo dos processos que discutem a aplicação da regra do artigo 31 da Lei dos Planos de Saúde.

O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar provimento ao recurso de uma montadora de veículos que sustentava ter legitimidade passiva no processo movido por um inativo para manter o seu plano de saúde nas mesmas condições de quando era empregado.

Na origem, ao se desligar da montadora depois de 28 anos de serviço, o trabalhador alegou que sofreu um aumento de 909% na cobrança da mensalidade do plano oferecido pela empresa. Ele processou a montadora e a operadora do plano, requerendo a manutenção das mesmas condições de quando atuava na empresa.

A sentença julgou o pedido improcedente. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) extinguiu o processo em relação à montadora, manteve a operadora no polo passivo e deu parcial provimento ao recurso do inativo para reduzir a mensalidade, limitando-a à soma do valor que era descontado em folha com a parte da empregadora.

No recurso especial, a montadora alegou que possui legitimidade passiva para compor a demanda e sustentou que o plano deve ser custeado integralmente pelo beneficiário, como prevê a legislação.

Relação inexiste​​​nte

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, lembrou que nesse tipo de contrato caracteriza-se uma estipulação em favor de terceiro, e a empresa contratante figura como intermediária na relação estabelecida entre o trabalhador e a operadora.

Ela explicou que não há lide entre os estipulantes do plano – no caso, a montadora – e os usuários finais quanto à manutenção do plano de saúde coletivo empresarial.

“Sequer é possível visualizar conflito de interesses entre os beneficiários do plano de saúde coletivo empresarial e a pessoa jurídica da qual fazem parte, pois o sujeito responsável pelo litígio na relação de direito material é, ao menos em tese, a operadora que não manteve as mesmas condições do plano de saúde após a aposentadoria do beneficiário”, fundamentou a ministra ao manter a decisão do TJSP.

“A eficácia da sentença em eventual procedência do pedido formulado na petição inicial – obrigação de fazer consistente na manutenção do plano de saúde com as mesmas condições – deve ser suportada exclusivamente pela operadora do plano de saúde”, afirmou a ministra.

“Em contrapartida”, acrescentou, “caberá ao autor da demanda assumir o pagamento integral do plano, isto é, arcar com o valor da sua contribuição mais a parte antes subsidiada por sua ex-empregadora, pelos preços praticados aos funcionários em atividade, acrescido dos reajustes legais.”

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1756121

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu sentença que fixou em R$ 10 mil indenização por danos morais em virtude de atraso na entrega de imóvel comprado pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Na decisão, o colegiado levou em consideração a situação de baixa renda da família que aguardava o imóvel, além do descumprimento do prazo original de entrega previsto no contrato e da sua prorrogação.

Em setembro, em julgamento de recurso repetitivo, a Segunda Seção fixou uma série de teses sobre o atraso de imóveis no âmbito do programa, incluindo o reconhecimento do prejuízo presumido do comprador que não recebe o bem no prazo contratual, o que gera direito ao pagamento de indenização na forma de aluguel mensal.

No caso analisado pela turma, o contrato de compra foi celebrado em 2014 e previa a entrega das chaves em 2016 – prazo que não foi cumprido. Durante o processo, a construtora, a Caixa Econômica Federal e os compradores firmaram acordo judicial para a entrega das unidades em 2017, porém esse trato também foi descumprido.

Ofensa anor​mal

O juiz de primeira instância julgou procedente o pedido de indenização por danos morais, mas o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) reformou a sentença por entender que, apesar do atraso, o prazo de tolerância foi prorrogado com a anuência dos adquirentes, e, ademais, não constou dos autos prova de evento que pudesse ter causado ofensa à imagem dos compradores ou perturbações que desencadeassem alterações psíquicas, emocionais ou afetivas significativas.

Para o TRF5, o mero descumprimento contratual pode acarretar prejuízos materiais a serem ressarcidos, mas não dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade.

Realização ​​​de vida

Relator do recurso especial do comprador, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino lembrou que, de fato, a jurisprudência do STJ está firmada no sentido de entender o atraso na entrega do imóvel como mero dissabor, de forma que esse fato, individualmente, não é apto a ensejar indenização por danos morais.

Por outro lado, o relator entendeu ser necessário distinguir a situação das famílias de baixa renda, para as quais a aquisição da casa própria tem um significado muito mais expressivo em termos de realização pessoal do que para as pessoas mais abastadas. O relator também apontou que o direito à moradia ganhou status constitucional a partir da Emenda 26/2000.

Além disso, Sanseverino destacou que a Lei 11.977/2009, ao instituir o programa, estabeleceu que as faixas de renda mais baixas são beneficiadas com a compra de imóvel mediante subvenção econômica – como no caso do autor da ação –, o que também evidencia a magnitude da importância da casa própria para o bem-estar dessas famílias.

Nesse contexto, o ministro entendeu que, para tais famílias, o atraso por tempo significativo (mais de 12 meses) na entrega do imóvel não significa apenas inadimplemento contratual, mas a postergação de uma realização de vida – normalmente, a mais significativa em termos patrimoniais.

Quanto à prorrogação do prazo de tolerância por meio de acordo, o ministro entendeu, diversamente do TRF5, que esse fato só agrava a responsabilidade da incorporadora, pois o novo prazo previsto no acordo também foi descumprido, frustrando, mais uma vez, a expectativa dos compradores.

“Esse sentimento de frustração, a meu juízo, produz abalo psíquico em intensidade superior ao abalo decorrente do mero inadimplemento contratual, dando ensejo à obrigação de indenizar os danos morais experimentados pelos adquirentes”, concluiu o ministro ao restabelecer a sentença.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1818391
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​​​​A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a suspensão, em todo o território nacional, do trâmite das ações e dos recursos pendentes que discutem a legalidade da cláusula de plano de saúde que impõe ao consumidor o pagamento de coparticipação no caso de internação psiquiátrica superior a 30 dias.

A suspensão – com base no artigo 1.037, II, do Código de Processo Civil de 2015 – foi decidida pelo colegiado ao afetar dois recursos sobre o tema para julgamento sob o rito dos repetitivos, e vale até que os ministros definam a tese a ser aplicada aos processos com a mesma controvérsia jurídica. A relatoria dos recursos é do ministro Marco Buzzi.

Cadastrada como Tema 1.032 no sistema de repetitivos do STJ, a controvérsia a ser julgada é a seguinte: “Definição da tese alusiva à legalidade ou abusividade de cláusula contratual de plano de saúde que estabelece o pagamento parcial pelo contratante, a título de coparticipação, na hipótese de internação hospitalar superior a 30 dias decorrente de transtornos psiquiátricos”.

Custeio integ​​ral

Os recursos especiais afetados pela seção foram interpostos pela Amil Assistência Médica Internacional contra acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, interpretando o Código de Defesa do Consumidor (CDC), reconheceram como dever do plano de saúde o custeio integral da internação psiquiátrica do beneficiário.

Para o TJSP, é abusiva a cláusula que estabelece coparticipação do segurado após o 30º dia de internação, podendo tal cláusula ser considerada forma indireta de limitação do período de cobertura, implicando, em última análise, negativa do tratamento – o que contraria a finalidade e a natureza da assistência à saúde.

CD​C

Segundo o ministro Marco Buzzi, o julgamento qualificado do tema permitirá a definição de qual interpretação deve prevalecer na controvérsia, evitando decisões divergentes nas instâncias de origem e o envio desnecessário de recursos ao STJ.

“A controvérsia é dotada de destacada relevância, a atrair o mister constitucional do STJ para a definição acerca da correta interpretação de dispositivo do Código de Defesa do Consumidor e a sua aplicabilidade a contratos firmados entre operadoras de planos de saúde e consumidores, cuja relação jurídica é regulada pela Lei 9.656/1998”, afirmou o ministro ao afetar os dois recursos.

O relator determinou ainda que a afetação seja informada à Advocacia-Geral da União, à Federação Brasileira de Planos de Saúde e às entidades vinculadas ao direito do consumidor, facultando-lhes a atuação nos autos como amici curiae.

Recursos re​​petitivos

O Código de Processo Civil de 2015 regula no artigo 1.036 e seguintes o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica.

No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como saber a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

Leia o acórdão de afetação do REsp 1.809.486.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1809486REsp 1755866

​​A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXII, estabeleceu que é garantido o direito de propriedade, e que ela atenderá a sua função social. Ocorre que esse direito não é absoluto, podendo sofrer restrições para assegurar a segurança, o sossego, a saúde e outras garantias dos que habitam nas residências vizinhas.

Com a finalidade de evitar o uso indevido da propriedade e coibir interferências abusivas entre moradias próximas, o Código Civil (CC) tratou em seu Capítulo V dos direitos de vizinhança. Entre os temas abordados no capítulo estão a passagem de cabos e tubulações em terrenos privados para prover serviços de utilidade pública, a passagem das águas para atender necessidades de terrenos próximos e os limites para edificação entre prédios.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), são frequentes os recursos que discutem esses temas. A jurisprudência construída pelos ministros no julgamento de tais processos busca proteger o direito individual de propriedade e, ao mesmo tempo, promover o bem da coletividade e preservar a convivência harmônica e saudável entre vizinhos.

Construção de aque​​duto

Em setembro de 2016, no REsp 1.616.038, a Terceira Turma do STJ decidiu que o proprietário de imóvel tem o direito de construir aqueduto no terreno do seu vizinho, independentemente do consentimento deste, para receber águas provenientes de outro imóvel, desde que não existam outros meios de passagem da água para a sua propriedade e que haja o pagamento de prévia indenização ao vizinho prejudicado.

Na ação, uma empresa demandou outra objetivando o reconhecimento do direito de usar parte da sua propriedade para passar aqueduto e, assim, obter água para a irrigação de lavoura de arroz, mediante indenização.

Na primeira instância, o pedido foi julgado procedente para instituir servidão de aqueduto no terreno da empresa vizinha. Houve apelação, e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reconheceu que a empresa detentora do terreno de passagem de água tinha o dever de suportar a obra em sua propriedade, por se tratar de direito de vizinhança. O tribunal determinou ainda que fosse removida da sentença a determinação de registro da servidão de aqueduto na matrícula do imóvel supostamente serviente.

Ao STJ, a empresa que teria seu imóvel afetado pela construção do aqueduto alegou que deveria haver um direito real à água, que seria pressuposto à constituição da servidão de aqueduto e que somente poderia ser reconhecido ao imóvel contíguo às águas. Ela sustentou que não se pode desviar água de forma artificial em favor de um imóvel que não a receba naturalmente.

Natureza do​​ direito

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, para decidir casos como o analisado, é preciso determinar a natureza do direito envolvido –  se direito de vizinhança ou se servidão, já que esta última decorre de declaração expressa dos proprietários, ao passo que aquele é legalmente definido.

“Os direitos de vizinhança têm por finalidade regulamentar, por meio da lei, os próprios limites do direito de propriedade em relação aos demais direitos de propriedade”, enquanto na servidão, “por meio de uma relação jurídica de direito real, um prédio, dito serviente, submete-se a alguma utilidade em favor de outro prédio, dito dominante, transferindo-lhe certas faculdades de uso e de fruição” – explicou a ministra.

Nancy Andrighi destacou que o direito à água e ao seu curso e transporte é tema de grande importância para a sobrevivência de toda a sociedade, possuindo nítido caráter social. Além disso, a relatora lembrou que atualmente a água é considerada bem de domínio público, que a todos pertence – ainda que esteja em propriedade privada.

“O direito à água essencial é, portanto, sob a ótica do direito civil, um direito de vizinhança, um direito ao aproveitamento de uma riqueza natural pelos proprietários de imóveis que sejam ou não abastecidos pelo citado recurso hídrico.”

Único m​​eio

Porém, a magistrada asseverou que a identificação de um direito abstrato à água não conduz, necessariamente, ao reconhecimento do direito de vizinhança de exigir do vizinho a passagem de aqueduto; é preciso comprovar que não há nenhum caminho público até a fonte de água.

“Se houver outros meios possíveis de acesso à água, não deve ser reconhecido o direito de vizinhança, pois a passagem de aqueduto, na forma assim pretendida, representaria mera utilidade – o que afasta a incidência do artigo 1.293, restando ao proprietário a possibilidade de instituição de servidão, nos termos do artigo 1.380 do CC/2002.”

Nancy Andrighi acrescentou que, por se tratar de direito de vizinhança, a única exigência para a construção do aqueduto neste caso – em que a irrigação do plantio de arroz de um vizinho depende da transposição do imóvel do outro – é o pagamento de prévia indenização.

Abertura de ja​​nelas

No REsp 1.531.094, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma entendeu que a proibição de abrir janelas, ou fazer terraço ou varanda, a menos de um metro e meio do terreno vizinho – artigo 1.301caput, do CC – não pode ser relativizada, pois as regras e vedações contidas no capítulo relativo ao direito de construir possuem natureza objetiva e cogente.

Na origem do caso, uma proprietária propôs ação demolitória contra seu vizinho objetivando a derrubada de segundo pavimento construído por ele em desacordo com a legislação municipal, além do fechamento de janelas voltadas para o imóvel dela a menos de um metro e meio da divisa entre os dois terrenos.

O juízo de primeiro grau determinou ao vizinho a regularização da edificação em sua propriedade. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença ao entendimento de que as janelas abertas pelo réu, apesar de situadas a menos de um metro e meio da divisa entre os lotes, não possibilitam a visão direta das áreas internas do imóvel da vizinha.

Ao STJ, a proprietária alegou que a regra do artigo 1.301, caput, do CC evidencia uma limitação legal ao direito de construir, que não se limita ao campo de visão e independe da aferição acerca da existência ou não de ofensa à privacidade do interior do imóvel vizinho.

Proibição o​​bjetiva

Em seu voto, o relator acolheu as alegações da autora da ação. Segundo o magistrado, de fato, as regras e proibições atinentes ao direito de construir previstas no CC são de natureza objetiva e cogente, “traduzindo verdadeira presunção de devassamento, que não se limita à visão, englobando outras espécies de invasão (auditiva, olfativa e principalmente física, pois também buscam impedir que objetos caiam ou sejam arremessados de uma propriedade à outra), de modo a evitar conflito entre os vizinhos”.

“A proibição é objetiva, bastando para a sua configuração a presença do elemento objetivo estabelecido pela lei – construção da janela a menos de metro e meio do terreno vizinho –, de modo que independe da aferição de aspectos subjetivos relativos à eventual atenuação do devassamento visual, por exemplo”.

Presc​​rição

Ao julgar o REsp 1.659.500, a Terceira Turma do STJ firmou a tese de que, no caso de danos permanentes causados por um vizinho a outro, o marco inicial do prazo prescricional para ajuizar ação de reparação civil se renova diariamente enquanto não cessar a causa do dano.

A decisão veio após o colegiado analisar recurso especial de uma empresa de telefonia contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5 mil, por suposto abandono de terreno de sua propriedade, causando prejuízos a uma residência vizinha.

Segundo consta dos autos, a vizinha alegou que a propriedade da empresa era utilizada para consumo de drogas, depósito de lixo e até como “banheiro público”, prejudicando a sua saúde e a de sua família.

A empresa asseverou que o ajuizamento da ação e sua citação ocorreram mais de três anos após a apontada violação de direito, estando, portanto, consumada a prescrição.

Cessaç​ão

Em seu voto, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, de fato, o prazo de prescrição previsto no artigo 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil de 2002 para a reparação civil é de três anos, porém esse prazo não pode ser contado a partir do início do evento danoso, e sim do seu encerramento.

“Não há que se falar em ocorrência de prescrição na hipótese de danos constantes e permanentes e que subsistem até o ajuizamento da demanda. Afinal, se o dano decorre de causa que se protrai no tempo, é a partir da cessação da causa que passa a fluir o prazo prescricional”, afirmou a magistrada.

Queim​​adas

A Quarta Turma, no REsp 1.381.211, manteve decisão do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) que condenou um fazendeiro a pagar indenização por danos morais e materiais ao proprietário de fazenda vizinha, em razão de queimada praticada em seu terreno ter atingido a propriedade ao lado, causando morte de animais, degradação do solo e destruição de cercas e pastagens. A relatoria foi do ministro Marco Buzzi.

Em sua defesa, o réu alegou que não poderia ser culpado pelo incêndio, pois sua propriedade estava sob a responsabilidade de comodatário que desenvolvia atividade agrícola no local. Alegou também que, diferentemente do entendido pelo TJTO, o caso não tratava de responsabilidade ambiental e, sim, de responsabilidade civil tradicional.

As alegações não foram acolhidas pelo colegiado, que entendeu, a partir das características do dano, tratar-se de lesão ambiental na modalidade individual, reflexa ou por ricochete.

“O conceito de dano ambiental engloba, além dos prejuízos causados ao meio ambiente, em sentido amplo, os danos individuais, operados por intermédio deste, também denominados danos ambientais por ricochete – hipótese configurada nos autos, em que o patrimônio jurídico do autor foi atingido em virtude da prática de queimada em imóvel vizinho”, destacou o relator.

Responsabil​​idade objetiva

Quanto à modalidade de responsabilização, Marco Buzzi lembrou que tanto a Constituição Federal quanto a Lei 6.938/1981 preveem a responsabilidade objetiva nos casos de dano ambiental, respondendo direta ou indiretamente todo aquele que lesionar o meio ambiente.

“A excludente de responsabilidade civil consistente no fato de terceiro, na seara ambiental, só poderá ser reconhecida quando o ato praticado pelo terceiro for completamente estranho à atividade desenvolvida pelo indigitado poluidor, e não se possa atribuir a este qualquer participação na consecução do dano – ato omissivo ou comissivo, o que não se verifica na hipótese, consoante estabelecido nas instâncias ordinárias.”

O magistrado ressaltou que “o fato de o proprietário não ser o possuidor direto do imóvel não afasta sua responsabilidade, vez que conserva a posse indireta e, em consequência, o dever de vigilância em relação ao bem”.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1616038REsp 1531094REsp 1659500REsp 1381211
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ara a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, é possível o processamento do inventário extrajudicial quando houver testamento do falecido e os interessados forem maiores, capazes e concordes, devidamente acompanhados de seus advogados.

No caso analisado pelo colegiado, uma mulher falecida em 2015 deixou a sua parte disponível na herança para o viúvo por meio de testamento público, processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio de Janeiro, com a total concordância dos herdeiros e da Procuradoria do Estado.

Após o início do inventário judicial, no qual foi requerida a partilha de bens – um imóvel e cotas sociais de três empresas –, o magistrado determinou a apuração de haveres em três novos processos.

Por se tratar de sucessão simples, e diante das novas diretrizes da Corregedoria-Geral do Estado, mesmo existindo testamento já cumprido, os interessados solicitaram a extinção do feito e a autorização para que o processamento do inventário e da partilha ocorresse pela via administrativa.

Em primeiro grau, o pedido foi indeferido sob o argumento de que o artigo 610 do Código de Processo Civil de 2015 determina a abertura de inventário judicial se houver testamento. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a decisão.

Ao STJ, os recorrentes alegaram que o parágrafo 1º do artigo 610 do CPC/2015 expressamente permite o processamento do inventário pela via extrajudicial, desde que os herdeiros sejam capazes e concordes, acrescentando que o único impedimento legal seria a existência de incapaz no processo, e não a de testamento.

Interpretação sist​​emática

O relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que a partilha extrajudicial é instituto crescente e tendência mundial. Segundo ele, no Brasil, a Lei 11.441/2007, seguindo a linha de desjudicialização, autorizou a realização de alguns atos de jurisdição voluntária pela via administrativa.

Resolução 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça disciplinou especificamente o inventário e a partilha de bens pela via administrativa, sem afastar a possibilidade da via judicial.

Salomão destacou ainda que o CPC/2015, em seu artigo 610, estabeleceu a regra de que, havendo testamento ou interessado incapaz, o inventário deverá ser pela via judicial.

Porém, ressalvou o ministro, o parágrafo 1º prevê que o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública sempre que os herdeiros forem capazes e concordes – o que pode englobar a situação em que existe testamento.

“De uma leitura sistemática do caput e do parágrafo 1º do artigo 610 do CPC/2015, penso ser possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogados, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou se tenha a expressa autorização do juízo competente”, afirmou.

Menos burocrac​​​ia

Para o ministro, a legislação atual fomenta a utilização de procedimentos que incentivem a redução de burocracia e formalidades quando se trata de atos de transmissão hereditária.

Segundo ele, o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e os artigos  e  do CPC são claros ao explicitar que os fins sociais do inventário extrajudicial são a redução de formalidades e burocracia, com o incremento do número de procedimentos e de solução de controvérsias por meios alternativos.

“Dentro desse contexto, havendo a morte, estando todos os seus herdeiros e interessados, maiores, capazes, de pleno e comum acordo quanto à destinação e à partilha de bens, não haverá a necessidade de judicialização do inventário, podendo a partilha ser definida e formalizada conforme a livre vontade das partes no âmbito extrajudicial”, observou.

Razoabil​​idade

Para Salomão, o processo deve ser um meio, e não um entrave à realização do direito: “Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em se proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, se socorram da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça”.

O ministro apontou que esse posicionamento tem sido amplamente aceito pela doutrina especializada e pela jurisprudência, como se observa em diversos enunciados e provimentos de corregedoria dos tribunais brasileiros.

Deve-se considerar ainda – acrescentou – que a partilha amigável feita pelos serviços notariais e registrais, “além de aprimorar a justiça colaborativa”, representa ganho de tempo e redução de custos.

Ao dar provimento ao recurso especial para autorizar que o inventário dos recorrentes ocorra pela via extrajudicial, o ministro frisou que, no caso em análise, quanto à parte disponível da herança, verificou-se que todos os herdeiros são maiores, com interesses harmoniosos e concordes, representados por advogados, e que o testamento público foi devidamente aberto, processado e concluído perante a Vara de Órfãos e Sucessões.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1808767