Em julgamento de Incidente de Assunção de Competência (IAC 4), a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou a tese de que as limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do artigo 10 da Lei 9.456/1997 – aplicáveis somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos detentores de patentes de produtos ou processos relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais. Com a tese, firmada por unanimidade de votos, o colegiado negou recurso interposto por sindicatos rurais do Rio Grande do Sul que questionavam a necessidade de pagamento de royalties à Monsanto, responsável pelo desenvolvimento da soja transgênica Round-up Ready (Soja RR), nos casos de replantio em campos de cultivo, venda da produção como alimento ou matéria-prima e, com relação aos pequenos produtores, doação a outros produtores ou troca de sementes reservadas. O recurso também tinha como interessados diversos outros sindicatos e associações de produtores, além da Associação Brasileira de Sementes e Mudas, da Associação das Empresas de Biotecnologia na Agricultura e Agroindústria, e da Associação Brasileira de Mutuários e Consumidores. Também integravam os autos o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e o Ministério Público do Rio Grande do Sul. Não havia determinação de suspensão nacional de processos, porém, a partir de agora, os juízes e tribunais de todo o país deverão observar a tese em suas decisões, conforme prevê o artigo 927, inciso III, do Código de Processo Civil. Manipulada geneticamente pela Monsanto, a Soja RR é capaz de gerar mudas resistentes a herbicidas formulados à base de glifosato, proporcionando significativo ganho de produção. Após obter a patente do processo de criação das sementes, a multinacional estabeleceu um sistema baseado em royalties, taxas tecnológicas e indenizações pela utilização das sementes. Entretanto, para os sindicatos, o tema não deveria ser analisado do ponto de vista da Lei de Propriedade Industrial, mas sim sob a ótica da Lei de Cultivares. Segundo as entidades sindicais, independentemente do pagamento de qualquer taxa à Monsanto, deveriam ser permitidas a reserva de sementes, a venda de produtos e a multiplicação de sementes para doação ou troca. Proteção de patenteEm primeiro grau, o juiz julgou parcialmente procedentes os pedidos dos sindicatos para que a Monsanto se abstivesse de cobrar royalties ou taxa tecnológica sobre a comercialização da produção da soja transgênica a partir da safra 2003/2004. A sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Para o tribunal, não haveria como aplicar as disposições contidas na Lei de Proteção de Cultivares à hipótese dos autos, pois a Soja RR está protegida por meio de patentes devidamente expedidas pelo INPI, devendo ser respeitados os direitos dos titulares. Privilégio do agricultorEm análise do recurso dos sindicatos gaúchos, a ministra Nancy Andrighi destacou que a Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo 18, inciso III, prevê a possibilidade de patentes de microrganismos transgênicos – o que permite que processos e produtos alimentícios, farmacêuticos e químicos possam ser tutelados por esse diploma legal. A ministra lembrou, todavia, que o patenteamento de microrganismos encontrados na natureza e de outros seres vivos é expressamente vedado pela própria LPI. A relatora também ressaltou que, cumpridos determinados requisitos estabelecidos pela Lei de Proteção de Cultivares em relação à homogeneidade, à distinguibilidade e à estabilidade da variedade vegetal, e após todo um procedimento especial, o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC) está autorizado a outorgar o Certificado de Proteção de Cultivar, que garante ao titular os direitos sobre o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta, em prazo que pode ser estendido por até 18 anos. Por outro lado, lembrou a ministra, a Lei de Proteção de Cultivares também prevê situações em que, como forma de dar equilíbrio à exclusividade outorgada pelo Certificado de Proteção de Cultivar, são impostas certas limitações à proteção dos direitos do melhorista. É o caso do chamado “privilégio do agricultor” – exceção que confere aos agricultores o direito de livre acesso, em determinadas circunstâncias que não configurem exploração comercial, à variedade comercial protegida. Com base nessa limitação aos direitos de certificado, destacou a ministra, é que os sindicatos buscaram judicialmente o não pagamento de royalties à Monsanto. Sem incompatibilidadeNo entanto, Nancy Andrighi afirmou que os royalties cujo pagamento os entes sindicais pretendem afastar referem-se ao uso reprodutivo de sementes que contêm a tecnologia patenteada, o que também atrai a incidência da Lei de Propriedade Industrial ao caso, sem que haja primazia da Lei de Proteção de Cultivares sobre a LPI. “Patentes e proteção de cultivares, como visto, são diferentes espécies de direitos de propriedade intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há, por isso, incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições contraditórias a qualificar uma mesma conduta”, disse a ministra. Segundo a relatora, o âmbito de proteção a que está submetida a tecnologia desenvolvida pela Monsanto não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de Cultivares (o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta). “As patentes não protegem a variedade vegetal, mas o processo de inserção e o próprio gene por elas inoculado na semente de soja”, afirmou. Princípio da exaustãoNo tocante à Lei de Propriedade Industrial, a ministra explicou que, enquanto o artigo 42 garante ao titular da patente o direito de impedir que terceiros façam uso do produto ou processo, o artigo 43 estabelece limites ao exercício desse direito – a exemplo do inciso VI, que exclui da proteção, em relação a patentes relacionadas com matéria viva, os terceiros que utilizem, ponham em circulação ou comercializem um produto patenteado que haja sido licitamente introduzido no comércio pelo detentor da patente ou licença, “desde que o produto patenteado não seja utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa”. Esse conceito, segundo a relatora, positiva o “princípio da exaustão”: uma vez que o titular tenha auferido o benefício econômico da exclusividade – como no caso da venda do produto patenteado –, cessam os direitos do titular da patente sobre ele. Entretanto, no ponto central da controvérsia, Nancy Andrighi destacou que a parte final do inciso VI do artigo 43 da LPI prevê expressamente que não haverá exaustão na hipótese de o produto patenteado ser utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa. “A toda evidência, a opção legislativa foi a de deixar claro que a exaustão, quando se cuida de patentes relacionadas à matéria viva, atinge apenas a circulação daqueles produtos que possam ser enquadrados na categoria de matéria viva não reprodutível, circunstância que não coincide com o objeto da pretensão dos recorrentes”, realçou a relatora ao fixar a tese e negar o recurso dos sindicatos. Alta produtividadeEm voto-vista apresentado à Segunda Seção, o ministro Marco Buzzi destacou a dimensão do setor agrícola brasileiro, que tem conseguido elevar a sua produtividade – em 2019, é esperada uma colheita de grãos superior a 227 milhões de toneladas – sem que tenha ocorrido aumento expressivo da área plantada, o que demonstra a alta capacidade produtiva do agronegócio e as inovações tecnológicas no desenvolvimento das sementes, como as criadas pela Monsanto. No caso dos autos, o ministro Buzzi destacou que, se o processo inventivo biotecnológico relativo às sementes RR é patenteável – tanto que o registro foi concedido pelo INPI –, não há como excluir dessa possibilidade os efeitos decorrentes da proteção industrial, relacionados à defesa da patente, a exemplo da autorização de uso, bem como o pagamento de royalties. “Assim, sem deixar de estimular o agricultor no desenvolvimento e melhoramento genético de plantas (cultivares), com o objeto de melhor adaptá-las às variadas condições de solo, clima e regiões do país, de modo a possibilitar o incremento na produtividade da lavoura, de rigor a observância da eventual existência de patente de invenção, devidamente registrada no INPI, a incidir sobre sementes utilizadas na atividade do melhorista”, afirmou o ministro ao acompanhar o voto da relatora. Leia o acórdão. Destaques de hoje
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”A criança tem lugar especial na consciência pública, razão pela qual garantir seus direitos é tarefa de todos, não só do Judiciário” – afirmou o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, ao participar nesta quinta-feira (10) da abertura do seminário 30 Anos da Convenção sobre os Direitos da Criança. O evento, que integra a programação comemorativa do 30º aniversário de instalação do STJ, foi realizado no auditório do tribunal e teve a participação de especialistas e de organizações ligadas à questão dos direitos e do desenvolvimento integral da criança, entre elas a Instituto Alana, o Coletivo da Cidade e a Nova Acrópole. Noronha lembrou que, em suas três décadas de existência, o STJ vem construindo jurisprudência para tornar efetivas as normas legais de proteção à infância. “Queremos olhar para a convenção considerando cenários políticos, culturais e institucionais da realidade brasileira. Queremos substituir políticas genéricas por políticas inteligentes, ou seja, por ações transformadoras”, declarou o ministro. A Convenção sobre os Direitos da Criança foi instituída pela ONU em 20 de novembro de 1989. Assinada por 196 países, entre eles o Brasil, é o acordo de direitos humanos mais ratificado da história e um instrumento de solidariedade internacional sem precedentes. Seus 54 artigos tratam do compromisso de proteger as crianças contra a discriminação, a exploração, o abuso e a violência. A juíza auxiliar do STJ Cláudia Sílvia de Andrade; a secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Petrúcia de Melo; o coordenador do Instituto Alana, Pedro Hartung; o diretor nacional da Nova Acrópole, Luis Carlos Fonseca, e a deputada distrital Júlia Lucy participaram do painel de abertura. Responsabilidade de todosRepresentando o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Petrúcia de Melo ressaltou a necessidade de um olhar especial para as políticas públicas. “Precisamos avaliar nossa participação social e o espaço de controle social em que possamos fazer diferença. Não avaliar condutas – ou participações – clientelistas, mas atitudes de cidadania onde possamos transformar a realidade local”, analisou a secretária. A deputada distrital Júlia Lucy, que preside a Frente Parlamentar da Primeira Infância, disse que, desde a convenção, já foram implementadas diversas ações voltadas para a proteção, educação e saúde da criança. “Alguns índices foram reduzidos, como os da mortalidade de crianças abaixo de cinco anos (que caiu pela metade), do analfabetismo e da desnutrição”, destacou. Entretanto, apesar das tendências positivas, ainda há muito o que ser feito. “Precisamos perceber o papel primordial de responsabilidade da família, do Estado e da sociedade em favor da saúde, do cuidado e da proteção das crianças, enquanto pessoas em desenvolvimento. Precisamos repensar e compreender as mudanças da sociedade e o quanto isso pode impactar no desenvolvimento delas”, concluiu a deputada. Após a abertura, houve uma apresentação da Acrópole Filarmônica Juvenil, com a participação de 40 jovens músicos, entre adolescentes e crianças. O grupo musical é mantido pela ONG Nova Acrópole. Peculiar desenvolvimentoO primeiro painel da manhã discutiu “A importância do Convenção sobre os Direitos da Criança”, tendo o ministro do STJ Napoleão Nunes Maia Filho como moderador. O magistrado destacou que o tema tem máxima importância, pois tudo o que vier a favor dos jovens é importante, urgente, necessário e, acima de tudo, insuficiente. “Sou juiz há 30 anos e ainda não vejo que exista uma evolução consistente ou significativa da proteção dos direitos da criança e do adolescente. Temos que mudar a cabeça dos juízes e espero que este encontro ajude, auxiliando futuras decisões em favor dos jovens”, disse. O primeiro palestrante foi Vital Didonet, da Rede Nacional Primeira Infância, com o tema “Neurociência e a condição peculiar de desenvolvimento”. Ele lembrou que a criança não nasce inteligente, e que isso é uma construção do sujeito na interação com o meio em que vive. “De modo genérico, todas as crianças nascem com o cérebro preparado para construir capacidades de aprendizagem. Portanto, a qualidade do meio ambiente em que vivem é fundamental para o desenvolvimento”, ressaltou. Em seguida, Pedro Hartung, do Instituto Alana, proferiu a palestra “A consideração primordial do melhor interesse da criança”. Para ele, a Convenção sobre os Direitos da Criança tem como importância no cenário internacional a possibilidade de consagrar juridicamente o seu status como ser em estágio peculiar de desenvolvimento progressivo de suas capacidades e, portanto, titular de direitos fundamentais e humanos específicos, merecendo um tratamento diferenciado por parte dos Estados. “Temos a responsabilidade de abrir verdadeiramente as portas do nosso sistema de Justiça, para o acesso direto de crianças e adolescentes, para fazerem suas denúncias de forma direta, sem a presença de um responsável, até porque, infelizmente, grande parte das denúncias estão no âmbito familiar. Temos que mudar a cabeça, não só dos juízes, mas de todos os integrantes e profissionais do sistema de Justiça”, afirmou Hartung. Fechando o painel, o promotor de Justiça de Goiás Vinicius Ribeiro falou da “Responsabilidade compartilhada”. Ele destacou que a convenção permitiu que fosse evidenciada na Constituição de 1988 uma tríplice responsabilidade, entre Estado, família e sociedade. O promotor lembrou que, apesar de todas as garantias estabelecidas em documentos políticos e jurídicos, o Estado brasileiro não tem colocado os jovens em posição de prioridade absoluta. “O Estado está relativizando e excluindo a discussão dos direitos da criança e do adolescente, pois está se preocupando em olhar para eles somente quando violam o direito de adultos. Então, o que a gente percebe é que se discute muito a infração aos nossos direitos, mas não aos deles”, frisou. Acesso à JustiçaO segundo painel da manhã tratou do “Acesso à Justiça de crianças à luz da convenção – desafios dos direitos de crianças e adolescentes”. O ministro do STJ Sérgio Kukina abriu o painel afirmando que a ideia do acesso direto de menores de 18 ao Judiciário é algo novo. “Antes, o juiz não lidava tanto com essas questões, e as audiências de família, às vezes, nem incluíam os menores”, apontou. Segundo o ministro, com a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, isso mudou muito. “Hoje, os mais jovens são sujeitos de direitos e têm prioridade absoluta”, lembrou. Para o magistrado, é importante colocar essas proteções em prática. O primeiro palestrante foi o juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Richard Pae Kim. “Fui juiz de família por 14 anos e monitoro essa área de perto. O que ainda temos é uma triste realidade”, alertou. Apesar disso, Pae Kim aponta que houve muitos avanços. “Os abrigos, há 30 anos, não eram nada mais que prisões, e não havia mecanismos de controle. A situação ainda está longe da ideal, mas houve um aprimoramento real”, afirmou. Ele disse que a Lei 13.509/2017 melhorou e deu mais agilidade ao processo de adoção. “Essa é uma lei de proteção à convivência familiar, algo necessário diante dos altos índices de violência e negligência com crianças.” Outro ponto importante, segundo o juiz, foi a implantação do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, que facilitou as adoções em todo o país – o que chamou de “mudança de paradigma”. Desafios na proteçãoA palestrante seguinte foi Claudia Vidigal, do Instituto Fazendo História, que afirmou que em 2019 tem havido sensíveis retrocessos em conquistas para crianças e adolescentes. “Estamos vendo retrocessos na universalização da educação, nos direitos da infância e da juventude, e o esvaziamento de conselhos e agências governamentais voltados para eles”, advertiu. Para ela, é essencial mudar não só a cabeça dos juízes e operadores do direito, mas conscientizar toda a sociedade sobre o apoio necessário na infância e na transição para a vida adulta”, completou. Fechando a manhã, a representante do Instituto Alana, Mayara Silva, afirmou que o acesso ao Judiciário deve ser sensível e amigável para crianças e adolescentes. “Deve haver respeito, e elas devem ser priorizadas”, destacou. Segundo ela, a grande maioria dos menores no sistema de abrigamento estão lá por atividades ligadas ao tráfico de drogas. Para Mayara Silva, além do fator criminal, isso seria uma forma de exploração do trabalho de menores. “Falhamos duplamente, primeiro por não proteger contra o tráfico e depois por não reconhecer que houve uma exploração contra os menores de 18 anos”, afirmou. Outro ponto abordado foi o componente racial na punição de crianças e adolescentes. “Das crianças e dos adolescentes nessa situação, 59,8% são negros e apenas 22,5% são brancos”, acrescentou. Destaques de hoje
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Com base nas disposições da Lei 9.455/1997 e no princípio da independência da esfera penal, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) e, por maioria de votos, restabeleceu a sanção de perda do cargo público imposta a um policial militar condenado pelo crime de tortura em Cuiabá.
Ao contrário do TJMT, que entendeu que a decretação de perda do cargo público seria pena mais grave do que a condenação principal – fixada em dois anos e quatro meses de reclusão em regime aberto –, a Sexta Turma concluiu que a perda do cargo é consequência automática e obrigatória da condenação pelo crime de tortura, ainda que o agente tenha passado para a inatividade – condição que não foi totalmente esclarecida no processo, apesar dos argumentos da defesa do policial.
“Não se está a tratar, nestes autos, de cassação de aposentadoria, mas de simples reconhecimento, no âmbito penal, da necessidade de decreto de perda do cargo e da presença dos fundamentos necessários para a imposição desta sanção. Eventuais reflexos previdenciários da decisão penal deverão ser discutidos no âmbito próprio”, afirmou a relatora do recurso especial, ministra Laurita Vaz.
Pena desproporcional
De acordo com os autos, um homem teria furtado de um restaurante um ventilador e quatro latas de cerveja, mas foi detido pelo proprietário. Dentro do local, o proprietário e o policial militar, buscando a confissão sobre o furto e a localização dos bens, teriam torturado o homem com socos, asfixia com sacola plástica e choques elétricos no pescoço.
Na sequência, amarram a vítima e a colocaram no porta-malas de um carro, mas a Polícia Militar flagrou a cena e prendeu os dois em flagrante.
Em primeira instância, o policial foi condenado a cinco anos de reclusão, em regime semiaberto, além da perda do cargo público. Entretanto, o TJMT reduziu a pena para dois anos e quatro meses e afastou a perda da investidura militar.
O tribunal mato-grossense considerou que a pena imposta em primeira instância foi desproporcional ao delito e que o juiz deveria ter justificado concretamente as razões que o levaram a declarar a perda do cargo. O Ministério Público recorreu ao STJ.
Revisão impossível
A ministra Laurita Vaz afirmou que o TJMT, ao reduzir a pena-base ao mínimo legal, entendeu que a violência e a perversidade empregadas no caso não ultrapassaram aquilo que já é inerente à própria natureza do crime de tortura.
Além disso, o TJMT reconheceu que a condição de servidor público foi usada para avaliar negativamente as circunstâncias judiciais e também para aplicar o aumento de pena previsto no artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei 9.455/1997, o que caracteriza bis in idem (dupla punição pelo mesmo fato).
Segundo a relatora, se o tribunal de origem concluiu que não há elementos concretos que justifiquem a imposição de pena-base acima do mínimo legal, rever esse entendimento exigiria ampla discussão sobre os fatos e as provas do processo – o que não é possível no âmbito do recurso especial, o qual se limita ao debate de questões jurídicas.
Efeito automático
Por outro lado, observou a ministra, houve violação do parágrafo 5º do artigo 1º da Lei de Tortura, tendo em vista que, reconhecida a prática do crime, a perda do cargo público é efeito automático da condenação. A relatora destacou que, embora fosse dispensável, o juiz de primeiro grau fundamentou detalhadamente a necessidade da imposição da sanção.
“A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado a necessidade de decretação da perda do cargo público nos casos em que a conduta criminosa demonstra a violação dos deveres do agente com o ente estatal e a infringência dos princípios mais básicos da administração pública, entre eles o da moralidade e o da impessoalidade, o que foi expressamente demonstrado no caso em apreço”, apontou a ministra.
No tocante à alegação de que não seria possível a perda do cargo devido à superveniente aposentadoria – argumento levantado pela defesa nas contrarrazões do recurso especial –, Laurita Vaz ressaltou que o tema não foi examinado pelo TJMT, tampouco a passagem para a inatividade está comprovada nos autos.
Mesmo assim, a ministra lembrou que a Corte Especial, no julgamento da Apn 825 e da Apn 841, decidiu que o fato de o acusado estar na inatividade não impede a imposição da perda do cargo público, considerada a independência da esfera penal.
Leia o acórdão.
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Com fundamento em duas normas que disciplinam as atividades aduaneiras e de fiscalização – o Decreto-Lei 37/1966 e o Decreto 6.759/2009 –, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu não ser aplicável à locadora a pena de perdimento do veículo alugado que é utilizado em crime de contrabando ou descaminho, a menos que se comprove a participação da empresa no ato ilícito.
No caso analisado, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) denegou mandado de segurança interposto por uma empresa de locação que buscava a liberação de veículo flagrado em crime de transporte de mercadorias provenientes do exterior sem a documentação fiscal.
De acordo com o TRF4, havia indícios suficientes de que a empresa tinha consciência do emprego reiterado de seus veículos na atividade de internalização irregular de mercadoria estrangeira, tendo em vista a multiplicidade de registros de ilícitos aduaneiros envolvendo carros da locadora em sistema administrado pelo Ministério da Fazenda.
Por isso, para o tribunal, o afastamento da pena de perdimento do automóvel locado dependeria de prova consistente da não participação do proprietário na prática do ilícito fiscal.
Atividade regular
O relator do recurso especial, ministro Gurgel de Faria, destacou que o Decreto-Lei 37/1996, em seu artigo 96, dispõe que as infrações aduaneiras de que trata estão sujeitas às penas de perda do veículo transportador, perda da mercadoria e multa, entre outras.
Todavia, em relação à perda do veículo, o ministro ponderou que o artigo 95 estabelece que respondem pela infração – conjunta ou isoladamente – o proprietário e o consignatário, quando o delito decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes.
Já o artigo 104 do Decreto-Lei 37/1966 impõe a pena de perdimento do veículo, entre outros casos, quando ele conduzir mercadoria sujeita à pena de perda e pertencer ao responsável pela infração.
Nesse sentido, Gurgel de Faria apontou que a pessoa jurídica proprietária do veículo que exerce regularmente a atividade de locação, com fins lucrativos, não pode sofrer a pena de perdimento em razão de ilícito praticado pelo condutor-locatário, salvo se tiver participação na internalização ilícita de mercadoria da própria sociedade empresária.
Ainda segundo o relator, essa exceção, na falta de previsão legal, não pode ser equiparada à ausência de investigação específica dos “antecedentes” do cliente, os quais poderiam indicar a sua intenção de praticar o contrabando ou o descaminho.
“Na hipótese dos autos, o delineamento fático-probatório contido no acórdão recorrido não induz à conclusão de exercício irregular da atividade de locação, de participação da pessoa jurídica no ato ilícito, nem de algum potencial proveito econômico da locadora com as mercadorias internalizadas, de modo que não pode ser a ela aplicada a pena de perdimento do veículo locado”, concluiu o ministro ao conceder a ordem para liberação.
Crime ambiental
Em setembro, a Segunda Turma do STJ firmou a tese inédita de que, no caso de crimes ambientais, é válida a apreensão administrativa de veículos alugados que forem flagrados na prática de delitos, ainda que não seja demonstrada sua utilização de forma reiterada e exclusiva em atividades ilícitas.
A decisão teve como base, entre outros fundamentos, a Lei 9.605/1998, que fixa sanções penais e administrativas em atividades lesivas ao meio ambiente.
Leia o acórdão.
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O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) vai completar 30 anos em julho de 2020 e é considerado um marco de como os campos jurídico e político encaram e preservam os direitos das pessoas com menos de 18 anos. Do pré-natal à maioridade, a norma prevê proteção integral, cuidando de áreas como educação, segurança, alimentação e muitas outras.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai realizar na próxima quinta-feira (10) um evento para marcar o aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança, que também está completando 30 anos (adotada pela ONU em 1989, ela entrou em vigor e foi ratificada pelo Brasil em 1990).
Em suas três décadas de existência, o STJ – cuja instalação se deu em 7 de abril de 1989 – tem criado jurisprudência essencial para a adequada aplicação dos dispositivos do ECA e de outros instrumentos jurídicos de proteção às crianças e aos adolescentes.
Proteção efetiva
Sobre o ECA, o ministro Joel Ilan Paciornik destacou que é preciso haver uma proteção de fato e de direito para crianças e adolescentes. “De nada adiantará todo o aparato judicial preventivo se este não é aplicado de forma efetiva”, observou o ministro. O estatuto seria um mecanismo essencial para essa proteção. Já o ministro Napoleão Nunes Maia Filho destacou o fato de que a norma não determina responsabilidades só à família, mas também prescreve à sociedade e ao Estado o dever de, solidariamente, assegurar à criança e ao adolescente os direitos fundamentais com absoluta prioridade.
O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo (Condepe) e do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, afirmou que o Brasil tem uma das legislações mais modernas para a defesa de crianças e adolescentes, que introduziu muitos avanços: “O ECA ajudou a diminuir a mortalidade infantil, criou os conselhos tutelares e as varas da infância, e deu a base para os programas de combate à exploração sexual e ao trabalho infantil.”
Internação adequada
Porém, Ariel de Castro destacou que ainda há muito a ser feito, pois muitos estados não têm a estrutura necessária para a proteção dos mais jovens. “A atuação de tribunais como o STJ é particularmente importante nessa área, pois garante que a internação de menores seja adequada”, asseverou. Um exemplo foi o voto do ministro Herman Benjamin no Recurso Especial (REsp) 1.653.359, que tratou da intervenção por irregularidades em um centro de internação em Belo Horizonte.
Em liminar, o juiz da Vara da Infância e da Juventude determinou o afastamento do gestor e a apresentação de um plano para sanear as irregularidades em 30 dias. Houve recurso afirmando que a apuração de irregularidades deveria passar pelo trâmite do processo administrativo, e a liminar foi cassada. No recurso ao STJ, foi pedido o restabelecimento da liminar.
O ministro Herman Benjamin observou que as irregularidades citadas nos autos eram muito graves, como a existência de esgoto a céu aberto, infestação de ratos e o acúmulo de lixo. Acrescentou que os dispositivos legais para a garantia de direitos do ECA não podem ser encarados como uma abstração dos princípios e das finalidades para os quais foram criados, e o artigo 193 do estatuto dá ao juiz da vara de infância o poder de determinar prazo para a correção de irregularidades.
Sujeitos de direitos
A educação foi um ponto muito enfatizado na elaboração do ECA – e é o de maior importância, para grande parte dos especialistas. O mestre em pedagogia, consultor e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) José Ivaldo Araújo de Lucena destacou que houve uma mudança na concepção de criança e adolescentes.
“Havia uma perspectiva caritativa ou assistencialista. Depois do ECA, os mais jovens são sujeitos de direitos, algo já previsto na Constituição Federal de 1988. O estatuto e a educação são de crucial importância no processo de identificação e intervenção efetiva em situações de violação desses direitos”, observou.
Lucena declarou ainda que a legislação reconhece que crianças e jovens passam por um processo complexo de desenvolvimento fisiológico, emocional e social, e necessitam de proteção e garantias para obter educação.
Um exemplo é a garantia dada a crianças de serem matriculadas em creches próximas à residência, assim como a obrigação estatal de prover esse serviço, como apontado pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho no REsp 1.697.904. O ministro destacou que há um direito subjetivo à educação e, portanto, não há discricionariedade da administração pública para negá-lo.
Já a ministra Assusete Magalhães observou, ao julgar agravo interno no Agravo em Recurso Especial (AREsp) 1.223.450, que esse tema foi considerado de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas o sobrestamento de um recurso especial não impede o provimento de eventual medida de urgência se são preenchidos os seus requisitos legais.
Garantindo direitos
Além da educação, a saúde e a própria subsistência das pessoas que não atingiram a maioridade foram assuntos de outros recursos no STJ. O professor José Ivaldo de Lucena assinalou que, do ponto de vista do desenvolvimento cerebral, áreas responsáveis por controle de impulsos, emoção, tomadas de decisão e sexualidade podem só estar maduras aos 25 anos. “Essa situação especial deve ser protegida no âmbito das políticas sociais voltadas para a criança e o adolescente.”
Essa proteção aparece no voto do ministro Herman Benjamin no REsp 1.726.973, que considerou que o ECA dá à criança e ao adolescente sob guarda uma condição de dependente para todos os efeitos, incluindo-se os previdenciários. No caso, um avô entrou com mandado de segurança para que o neto sob sua guarda tivesse o direito de assistência à saúde. No julgamento do caso pelo STJ, o ministro reconheceu o direito à assistência.
Menores sob guarda também fazem jus a pensão. No seu voto no REsp 1.411.258, o ministro Napoleão considerou que, embora a Lei 9.528/1997 tenha excluído quem está sob guarda do rol dos dependentes, isso não muda o fato de haver uma dependência financeira. “Do ponto de vista ideológico, seria um retrocesso normativo incompatível com as diretrizes constitucionais de isonomia e de ampla e prioritária proteção à criança e ao adolescente”, acrescentou.
Crimes sexuais
O ECA é um instrumento de proteção do Estado para os mais jovens. O advogado Ariel de Castro Alves informou que, mesmo com a melhoria de vários índices nos últimos anos, ainda há 3,5 milhões de brasileiros na faixa de 4 a 16 anos fora da escola, muitos deles em situação de rua e explorados no trabalho infantil ou sexualmente. Segundo o advogado, a prevenção por meio de políticas sociais custa menos que a repressão.
“As mortes violentas de crianças e jovens aumentaram nos últimos anos, chegando a 29 por mil em 2017”, alertou. Problemas com a exploração sexual também têm crescido. As decisões do STJ vêm ajudando a combater essa realidade.
Em recurso julgado pela Sexta Turma em junho deste ano (processo em segredo de Justiça), o ministro Rogerio Schietti Cruz invocou o princípio da proteção integral ao julgar um caso de estupro de vulnerável, cometido contra uma menina com menos de 14 anos. Na ação, o réu alegou que o ato não havia sido consumado, o que descaracterizaria o estupro – argumento aceito nas instâncias ordinárias.
No seu voto, o ministro deu provimento ao recurso para reconhecer que, mesmo naquelas circunstâncias, ficou configurado o crime previsto no artigo 217-A do Código Penal – ou seja, manter relação sexual ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos. Condenado o réu no STJ, o processo foi devolvido ao tribunal de origem para o cálculo da pena.
Em julgamento de agosto de 2017, na Quinta Turma (processo em segredo), o ministro Joel Ilan Paciornik asseverou que uma suposta liberdade de escolha da vítima ou o não tolhimento de sua liberdade não descaracterizam a exploração sexual de crianças e adolescentes. Paciornik ponderou que, segundo a jurisprudência firmada pelo STJ, a aparente concordância do menor com os atos sexuais não tem o mesmo valor dado à de quem já atingiu a vida adulta.
Adoção à brasileira
O combate a irregularidades como a chamada a “adoção à brasileira” (quando se registra o filho de outro como se fosse próprio, com conhecimento disso) é outra marca da atuação do Tribunal da Cidadania. No Recurso em Habeas Corpus (RHC) 506.899, o ministro Moura Ribeiro afirmou que, em casos nos quais ainda não estejam estabelecidos laços afetivos entre as crianças e os pretensos guardiães, é possível abrigar o menor em instituição, até ele ser colocado em uma família registrada legalmente no cadastro de adoção.
Segundo o magistrado, a jurisprudência considera possível permanecer com a família que praticou a adoção irregular – se não houver riscos evidentes de danos físicos e psíquicos e já tiverem sido constituídos laços afetivos. Mas, na situação analisada, a convivência foi de apenas quatro meses.
Para o professor Lucena, o ECA é a materialização de décadas de discussões e o resultado de uma luta por direitos iniciada com a redemocratização. “Com ele, temos uma ferramenta para o atendimento de suas necessidades, considerado seu processo de desenvolvimento no âmbito das suas famílias e da sociedade, numa perspectiva cidadã para as crianças e adolescentes”, declarou. O que é necessário, segundo ele, é implementar de fato o estatuto.
O advogado Ariel de Castro Alves afirmou que a lei ainda é, em grande parte, desrespeitada. “Muitos avanços na garantia dos direitos previstos no ECA decorreram de decisões judiciais, especialmente do STJ”, completou.
Em virtude da falta de autorização judicial ou do consentimento do dono da linha telefônica, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilícita prova obtida por um policial que atendeu o celular de um investigado e, passando-se por ele, negociou uma venda de drogas com o interlocutor – situação que levou à prisão em flagrante. De forma unânime, o colegiado concedeu habeas corpus ao investigado e anulou toda a ação penal.
“O vício ocorrido na fase investigativa atinge o desenvolvimento da ação penal, pois não há prova produzida por fonte independente ou cuja descoberta seria inevitável. Até o testemunho dos policiais em juízo está contaminado, não havendo prova autônoma para dar base à condenação”, afirmou o relator do habeas corpus, ministro Sebastião Reis Júnior.
De acordo com os autos, policiais militares realizavam patrulhamento em Porto Alegre quando fizeram a abordagem de um veículo e encontraram droga embaixo do banco do motorista. Durante a abordagem, após o telefone de um dos investigados tocar várias vezes, o agente checou algumas mensagens e atendeu a ligação de um suposto consumidor de drogas. Passando-se pelo dono do celular, o policial combinou com o interlocutor as condições da entrega.
Flagrante
Após a negociação, os policiais foram até o local combinado e encontraram o potencial comprador, que confessou estar adquirindo drogas dos investigados. Por isso, os agentes realizaram o flagrante e prenderam os suspeitos.
Encerrada a instrução criminal, o réu foi condenado a cinco anos e oito meses de reclusão em regime inicial fechado, pelo crime de tráfico de drogas.
A condenação foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Em relação às provas produzidas no processo, o tribunal entendeu que o fato de os policiais terem atendido a ligação no telefone celular de um dos investigados não configura obtenção de prova por meio ilícito, pois, quando o telefone tocou, o delito de tráfico de drogas já estava configurado, de forma que os fatos posteriores só ratificaram a existência do crime. Além disso, o TJRS considerou válidos os depoimentos dos policiais na ação penal.
Conduta ilegítima
Segundo o ministro Sebastião Reis Júnior, até as mensagens aparecerem na tela de um dos suspeitos e o policial atender a primeira ligação, o contexto da abordagem não revelava a traficância, pois a quantidade de drogas encontrada no carro era pequena (2,8g de cocaína e 1,26g de maconha) e não foi localizado mais nada que indicasse o tráfico.
Para o ministro, não é possível considerar legítima a conduta do policial de atender o telefonema sem autorização e se passar pelo réu para fazer a negociação de drogas e provocar o flagrante. De igual forma, ressaltou, não se pode afirmar que o vício ocorrido na fase de investigação não atingiu o desenvolvimento da ação penal.
“Que base teriam a denúncia ou a condenação se não fossem os testemunhos dos policiais contaminados pelas provas que obtiveram ilegalmente? Não se trata de prova produzida por fonte independente ou cuja descoberta seria inevitável”, concluiu o ministro ao anular a ação penal.
Leia o acórdão.
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Introduzida pelo artigo 615-A do Código de Processo Civil de 1973 e também prevista pelo artigo 828 do CPC de 2015, a averbação premonitória consiste na possibilidade de anotar a existência de um processo executivo no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade, configurando fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação.
Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), porém, esse ato não implica preferência do interessado que o realizou, em prejuízo de posterior penhora efetivada por outro credor. O direito de preferência será do primeiro credor que promover a penhora judicial.
Nos autos que deram origem ao recurso, uma empresa de calçados conseguiu penhorar bens do devedor e requereu sua adjudicação, mas o pedido foi indeferido sob o argumento de que a averbação premonitória feita anteriormente pelo Banco do Brasil resguardaria ao credor mais cauteloso o direito de preferência do crédito registrado.
A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Segundo o tribunal, a averbação premonitória não retira o poder de disposição do executado sobre o bem, porém eventual transferência será considerada ineficaz em face da execução averbada, nos termos do artigo 615-A do CPC/1973.
Ordem das penhoras
Relator do recurso da empresa de calçados no STJ, o ministro Antonio Carlos Ferreira apontou que o termo “alienação” previsto no CPC anterior se refere ao ato voluntário de disposição patrimonial do devedor. De acordo com o ministro, a hipótese de fraude à execução não se compatibiliza com a adjudicação forçada, realizada em outro processo de execução, no qual tenha sido efetivada primeiro a penhora do mesmo bem.
Segundo o relator, o alcance do artigo 615-A se dá exclusivamente em relação à ineficácia das alienações voluntárias em face da execução promovida pelo credor que promoveu a averbação, mas não impede a expropriação judicial, cuja preferência será definida de acordo com a ordem de penhoras, nos termos dos artigos 612, 613 e 711 do CPC/1973.
“Sendo certo que a averbação premonitória não se equipara à penhora, força concluir que aquela não induz preferência do credor em prejuízo desta. Em suma, a preferência será do credor que primeiro promover a penhora judicial”, concluiu o ministro, ao afastar a preferência do Banco do Brasil e determinar que o TJRS examine o pedido de adjudicação da empresa de calçados.
Leia o acórdão.
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A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento, por maioria, ao recurso do Ministério Público Federal (MPF) que questionava o trancamento de ação penal contra seis agentes do Exército acusados de envolvimento no atentado do Riocentro, alegando tratar-se de crime contra a humanidade.
O julgamento, iniciado em 28 de agosto, foi retomado nesta quarta-feira (25) com a apresentação do voto-vista do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que divergiu do relator do processo, ministro Rogerio Schietti Cruz. De acordo com o voto divergente, não é possível considerar que os fatos narrados se insiram na categoria de crime contra a humanidade, uma vez que o MPF não apontou violação de dispositivo legal que pudesse caracterizar lesa-humanidade.
“Em observância aos princípios constitucionais penais, não é possível tipificar uma conduta praticada no Brasil como crime contra a humanidade, sem prévia lei que o defina, nem é possível retirar a eficácia das normas que disciplinam a prescrição, sob pena de se violar o princípio da legalidade e o da irretroatividade, tão caros ao direito penal”, afirmou Reynaldo Soares da Fonseca.
TRF2
O caso, ocorrido no bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, foi uma tentativa fracassada de ataque a bomba durante um show comemorativo do Dia do Trabalhador, que reuniu mais de 20 mil pessoas no Centro de Convenções do Riocentro na noite de 30 de abril de 1981. Segundo o MPF, a ação, intentada por militares, buscava a criação de um clima de medo na sociedade para justificar o recrudescimento da ditadura, que já estava em processo de abertura política.
Após o recebimento de denúncia do MPF em primeira instância contra os agentes supostamente envolvidos no atentado, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) concedeu habeas corpus para trancar a ação penal, por considerar extinta a punibilidade pela prescrição. Para o TRF2, os atos foram praticados cladestinamente, sem influência do Estado, e assim não haveria causa que indicasse a imprescritibilidade em virtude de os fatos não se enquadrarem no status de crime contra a humanidade.
No recurso apresentado ao STJ, o Ministério Público alegou que os delitos descritos na acusação se enquadram no conceito jurídico-penal de crime contra a humanidade (lesa-humanidade) e pediu o reconhecimento de sua imprescritibilidade, em observância às normas de direito internacional.
Jus cogens
Para Reynaldo Soares da Fonseca, ainda que o ordenamento jurídico brasileiro admita uma norma internacional como jus cogens – normativo cuja modificação só pode ser realizada por norma posterior de direito internacional de mesma natureza –, essa norma terá status infraconstitucional, devendo, portanto, se harmonizar com a Constituição Federal. Assim, segundo ele, não é possível caracterizar uma conduta praticada no Brasil como crime contra a humanidade sem que exista na legislação brasileira a tipificação de tal crime.
O ministro observou ainda que o Brasil não ratificou a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade (1968), não internalizando o tratado internacional. Mesmo que fosse admitida jus cogens, a norma internacional deveria estar em harmonia com os princípios e as garantias constitucionais – o que, segundo Reynaldo, não aconteceu.
“A admissão da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade como jus cogens, com incidência sobre fatos anteriores à própria promulgação da Constituição Federal de 1988, mesmo sem adesão do Brasil, poderia revelar verdadeira afronta à própria soberania estatal e à supremacia da Constituição da República. Assim, a meu ver, apenas o Supremo Tribunal Federal poderia reconhecer referida incidência”, ressaltou.
Tipificação
“Não é possível, a meu ver, utilizar a tipificação de crime contra a humanidade trazida no Estatuto de Roma, na presente hipótese, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da legalidade e da irretroatividade”, afirmou Reynaldo Soares da Fonseca.
Para o ministro, também não seria possível utilizar, no caso do atentado do Riocentro, a tipificação de crime contra a humanidade prevista no Estatuto de Roma, que instituiu o Tribunal Penal Internacional, este sim internalizado pelo ordenamento brasileiro.
Em caso semelhante, lembrou o ministro, o Supremo Tribunal Federal, diante da ausência de uma legislação interna que tipificasse os crimes contra a humanidade, concluiu não ser possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas em âmbito interno, “sob pena de se violar o princípio da legalidade, segundo o qual ‘não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (artigo 5º, XXXIX, da CF)”.
Imprescritibilidade
O ministro explicou que a Constituição, ao estabelecer um amplo rol de direitos e garantias fundamentais aos indivíduos, teve como objetivo garantir que os cidadãos não sejam vítimas do arbítrio do poder coercitivo do Estado.
“Não se coaduna, igualmente, com a ordem constitucional vigente, admitir a paralisação da eficácia da norma que disciplina a prescrição, com o objetivo de tornar imprescritíveis crimes contra a humanidade, por se tratar de norma de direito penal que demanda, da mesma forma, a existência de lei em sentido formal.”
Para Reynaldo, o não reconhecimento da imprescritibilidade dos crimes narrados na denúncia não diminui o compromisso do Brasil com os direitos humanos.
“Com efeito, a punição dos denunciados, quase 40 anos após os fatos, não restabelece os direitos humanos supostamente violados, além de violar outros direitos fundamentais, de igual magnitude, em completa afronta a princípios constitucionais caros à República Federativa do Brasil (segurança jurídica, coisa julgada material, legalidade, irretroatividade etc.)”, afirmou.
Direitos humanos
Segundo o ministro, os fatos ocorridos no Riocentro em 1981 foram contemplados pela anistia trazida no artigo 4º, parágrafo 1º, da Emenda Constitucional 26/1985, promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte.
Reynaldo Soares da Fonseca lembrou que o Brasil, voluntariamente, submeteu-se à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tendo ratificado em 1998 a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória prevista no artigo 62 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Porém, observou que, no tocante aos tratados internacionais, as decisões envolvendo a Corte Interamericana de Direitos Humanos não prescindem da devida harmonização com o ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de comprometer a soberania nacional.
“Com efeito, a soberania é fundamento da República Federativa do Brasil e justifica a supremacia da Constituição Federal na ordem interna. Dessa forma, o cumprimento das decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos não pode afrontar a Constituição, motivo pelo qual se faz mister sua harmonização, sob pena de se subverter nosso próprio ordenamento, negando validade às decisões do Supremo Tribunal Federal, em observância a decisões internacionais”, destacou.
Lesa-humanidade
No voto que abriu o julgamento, o ministro relator, Rogerio Schietti Cruz, considerou que a tentativa de atentado a bomba no Riocentro configurou crime contra a humanidade, sendo, portanto, imprescritível – o que possibilitaria a retomada da ação penal contra os militares.
Para Schietti, o Brasil se submete a normas de direito penal internacional que preveem a imprescritibilidade de delitos graves ocorridos em períodos de exceção, além de ter sido condenado em julgamentos recentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos por episódios ocorridos durante a ditadura.
O ministro entendeu que as características atribuídas ao atentado – participação de agentes estatais, ações sistemáticas para impedir a redemocratização do Brasil e o potencial de lesão para a população civil – justificariam a caracterização do episódio como crime de lesa-humanidade.
Admissibilidade
No voto apresentado à Terceira Seção, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca considerou que não foram preenchidos os requisitos de admissibilidade por fundamentação deficiente (Súmula 284 do STF) e impossibilidade de revolvimento das provas do caso (Súmula 7 do STJ).
“Inviável, outrossim, aferir se os fatos narrados se inserem na categoria de crime contra a humanidade, uma vez que o recorrente não apontou violação a dispositivo legal, ou mesmo supralegal, que albergue referida discussão. Ademais, desconstituir a conclusão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que possui amplo espectro de cognição dos fatos e provas juntadas aos autos, demandaria o revolvimento fático-probatório, o qual é vedado na via eleita, nos termos do enunciado 7 da súmula desta corte.”
O ministro disse ainda que o STJ não pode ser considerado uma terceira instância recursal, já que sua missão constitucional é a uniformização da jurisprudência, e não a aferição da justiça da avaliação dos fatos feita pelo TRF2.
Votaram com o ministro Reynaldo os ministros Laurita Vaz, Jorge Mussi, Antonio Saldanha Palheiro e Joel Ilan Paciornik. Ficaram vencidos os ministros Rogerio Schietti e Sebastião Reis Júnior.
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Em decisão inédita no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Segunda Turma considerou válida a apreensão administrativa de veículos alugados que forem flagrados na prática de crimes ambientais, ainda que não seja comprovada a sua utilização de forma reiterada e exclusiva em atividades ilícitas.
Por unanimidade, o colegiado considerou que a comprovação do uso exclusivo do veículo para a prática de crimes, além de constituir “prova diabólica” para a autoridade ambiental (impossível de ser produzida), não está prevista na legislação e vai contra os princípios legais de efetividade da proteção ao meio ambiente.
“Não é possível admitir que o Judiciário comprometa a eficácia da legislação ambiental e impeça a apreensão do veículo utilizado na infração tão somente porque o instrumento utilizado no ilícito originou-se de um contrato de locação, cessão ou qualquer outro meio juridicamente previsto”, afirmou o relator do recurso especial, ministro Og Fernandes.
Com a decisão, a turma confirmou a apreensão de um trator flagrado pelos fiscais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) durante exploração ilegal na área da Floresta Nacional Bom Futuro, em Rondônia. A região faz parte do bioma amazônico.
Em mandado de segurança, a proprietária do trator afirmou que não seria responsável pela infração ambiental, pois no momento da apreensão o veículo estava sob responsabilidade de um terceiro, que o alugou.
Ainda de acordo com a proprietária, o veículo era utilizado regularmente em sua fazenda para manutenção de sua família, o que descaracterizaria seu uso exclusivo para atividades ilícitas.
Superação da jurisprudência
Ao conceder o mandado de segurança, o juiz de primeiro grau determinou a restituição do trator à proprietária. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que entendeu que a apreensão para posterior decretação de perdimento – prevista no artigo 25, parágrafo 4º, da Lei 9.605/1998 – é aplicável apenas aos veículos utilizados de forma exclusiva ou rotineira na prática de infrações ambientais.
No STJ, o ministro Og Fernandes apontou precedentes do tribunal no sentido de que a apreensão de veículo utilizado para transporte irregular de madeira só será possível se houver a comprovação de que ele é empregado especificamente na prática de crimes ambientais. Por isso, afirmou, o STJ não tem conhecido de recursos especiais interpostos pelas entidades de defesa do meio ambiente nesses casos, ante a impossibilidade de reexame das provas do processo (Súmula 7).
Entretanto, o ministro defendeu a revisão desse entendimento jurisprudencial em razão da necessidade de efetivação das políticas de preservação do meio ambiente, especialmente em momento no qual a comunidade internacional observa atentamente o papel das autoridades brasileiras no exercício das atividades de proteção ambiental.
Para o relator, essa conjuntura “atrai para o Judiciário o dever de interpretar a legislação à luz de tal realidade, recrudescendo a proteção ambiental e a correspondente atividade fiscalizatória”.
Objetivo das leis
Og Fernandes apontou que o artigo 25 da Lei 9.605/1998 estabelece que, verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos. Já o artigo 72, inciso IV, da mesma lei prevê como sanção a apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e da flora, instrumentos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração.
“Reduzir a apreensão dos produtos e instrumentos utilizados no ilícito aos casos em que se demonstre o emprego específico e exclusivo desses bens na prática de infração ambiental, além de caracterizar a exigência de requisito não previsto na legislação de regência, traduz-se em providência contrária aos objetivos das leis de proteção ao meio ambiente”, disse o ministro.
Além disso, afirmou, exigir que a autoridade comprove que o veículo é utilizado específica e exclusivamente para a prática de delito ambiental caracteriza “verdadeira prova diabólica, tornando letra morta a legislação que ampara a atividade fiscalizatória”.
No caso dos autos, o relator realçou que, ainda que se trate de bem locado ao infrator, a liberação do veículo retiraria inteiramente o caráter dissuasório da medida de apreensão, até mesmo incentivando a prática de locação de veículos para o cometimento de crimes ambientais.
Direito de defesa
Todavia, Og Fernandes ponderou que, a partir da infração, o proprietário deverá ser notificado para apresentar defesa e, não sendo provada sua má-fé, terá a chance de reaver o bem apreendido. Segundo o ministro, essa nova orientação não busca lançar injusta restrição a quem não deu causa à infração ambiental, mas trazer o risco da exploração da atividade econômica – neste caso, de locação – a quem a exerce.
“Permitir raciocínio oposto implicaria a possibilidade de os infratores firmarem ou simularem contratos de locação de caminhões, tratores etc., com o fito de garantir a impunidade das condutas lesivas ao meio ambiente”, concluiu ao reconhecer a legalidade da decisão administrativa do ICMBio que determinou a apreensão do veículo.
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Um encontro para discutir desafios e oportunidades na implementação da legislação voltada para as pessoas com deficiência. Essa foi a essência do 1º Encontro Nacional de Acessibilidade e Inclusão, que começou nesta quinta-feira (18), no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para celebrar antecipadamente o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência (21 de setembro). O evento termina nesta sexta (20).
Os ministros do STJ Humberto Martins, corregedor nacional de Justiça; Nancy Andrighi, presidente da Comissão de Acessibilidade e Inclusão do tribunal, e Sérgio Kukina participaram da cerimônia de abertura.
O evento, que vai até sexta-feira (20), reúne especialistas e representantes de órgãos públicos. | Foto: Rafael Luz / STJ
Ela lembrou que, hoje, existem mais de 45 milhões de pessoas no Brasil que apresentam algum tipo de deficiência – entre elas, cerca de mil advogados cegos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Diante dessa realidade, devemos nos perguntar qual é o percentual desse contingente de pessoas que ainda se encontra à margem da sociedade sem acesso ideal à Justiça, à educação, ao emprego, ao consumo, à cultura e aos serviços públicos.”
O ministro Humberto Martins disse que a realização do encontro no âmbito do Poder Judiciário é um marco na discussão dos direitos da pessoa com deficiência.
“Felizmente, a situação de pessoas com deficiência tem mudado paulatinamente, pela consciência e pela mudança de paradigma da sociedade, que passou a entender que elas têm direito a exercer a sua cidadania com plenitude; têm direito de obter, dos poderes públicos, soluções para as suas necessidades e têm direito a ações afirmativas que facilitem a sua acessibilidade e inclusão como membros produtivos da sociedade”, afirmou o ministro.
Discussões relevantes
Para o ministro Sérgio Kukina, por meio desse encontro o Judiciário “abre suas portas para que a nação brasileira possa viabilizar discussões frutíferas acerca desse temário tão relevante”.
Também participaram da abertura do evento os presidentes das comissões de acessibilidade do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Alberto Bresciani; do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), desembargador Sigurd Bengtsson; e do Superior Tribunal Militar (STM), juíza Maria Placidina de Azevedo, além do desembargador Ricardo Tadeu, do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região.
A primeira palestra, “Direitos Humanos e Justiça Internacional – a proteção da dignidade humana”, ficou a cargo da jurista e advogada pública Flávia Piovesan, conhecida por sua obra sobre o tema. Entre outros assuntos, ela fez um paralelo entre o arcabouço jurídico brasileiro e as diretrizes estabelecidas em tratados e convenções internacionais. A advogada observou ainda que, ao longo da história, as mais graves violações dos direitos humanos tiveram como fundamento a dicotomia “eu versus o outro”, alimentada pela lógica da intolerância.
“Se analisarmos as formas mais perversas de intolerância – nazismo, escravidão, violência contra a mulher, as pessoas idosas e as com deficiência; a xenofobia e a homofobia –, todas enxergam a diversidade como um elemento para aniquilar direitos, e não para afirmá-los e promovê-los”, declarou.
Sociedade e preconceito
O procurador do Ministério Público junto ao TCU Sérgio Caribé, que há 20 anos ficou tetraplégico ao se acidentar em um mergulho, apresentou a palestra “Um olhar sobre a deficiência”. Ele ressaltou que é necessário se preocupar em corrigir o rumo quanto à inclusão de pessoas com deficiência.
Defensor de políticas de qualificação profissional para pessoas com deficiência, como forma de inseri-las no mercado de trabalho, Caribé acredita que, por mais que sejam suprimidas as barreiras, por mais que se promova a inclusão, o impedimento ainda continua a qualificar a deficiência. “Quanto mais barreiras nós temos, mais a pessoa se torna deficiente. Não podemos ir ao extremo de achar que basta retirar as barreiras que a deficiência desaparece”, ressaltou.
Segundo o procurador, não é fácil ser pessoa com deficiência no Brasil, e é equivocado achar que, a partir de sua deficiência, a pessoa passa a ter a necessidade de fazer um esforço de superação para poder se realizar. “Na verdade, esse esforço é feito para que ela possa se incluir, porque a sociedade é preconceituosa”, lembrou.
O palestrante relatou ainda que é preciso tirar as barreiras das cabeças das pessoas. “É necessário entender que somos parte de uma sociedade que só cresce e se valoriza com a contribuição de cada um de nós. Temos limitações, elas fazem parte da nossa existência, mas não podem pautar a nossa vida. Essa é a diferença significativa”, afirmou Caribé.
Ação conjunta
O último painel da manhã foi apresentado por Valéria Ribeiro, assessora para inclusão e acessibilidade do Tribunal de Contas da União (TCU), que estava acompanhada dos membros do Acordo de Cooperação Técnica para Rede de Acessibilidade. Com o título “Apresentação da publicação: como construir um ambiente acessível”, Valéria falou sobre o trabalho desenvolvido por um grupo de servidores, ao longo de um ano, na área de acessibilidade.
Ela contou que, após a publicação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência), em 2015, as pessoas que trabalhavam com acessibilidade tiveram dúvidas em relação aos novos conceitos trazidos pela norma e à falta de jurisprudência sobre o assunto.
A partir disso, os servidores começaram a se reunir para discutir a lei e compartilhar suas dificuldades, até a criação do Acordo de Cooperação Técnica entre órgãos da administração pública, com o objetivo de promover acessibilidade e inclusão em suas respectivas organizações. Hoje, fazem parte do acordo: STJ, STF, TST, TSE, TJDFT, TCU, Senado Federal e Câmara dos Deputados.