​​A falta de indexação de peças facultativas em um agravo de instrumento não é motivo suficiente para que o recurso não seja conhecido pelo tribunal.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que não conheceu do agravo de instrumento interposto por um banco, sob a fundamentação de haver irregularidade formal na juntada das peças facultativas.

Para a turma, a decisão do TJRS está em frontal dissonância com a tese firmada no Tema 462 dos recursos repetitivos, a qual, embora tenha sido fixada na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), pode ser aplicada aos agravos interpostos sob o CPC/2015.

Afro​​nta

Segundo os autos, o processo tramitou inicialmente em meio físico, sendo eletrônicos apenas os autos do agravo de instrumento. Após receber o agravo, o tribunal gaúcho afirmou que o recorrente anexou a documentação desordenadamente e que o modo como o recurso foi apresentado afrontava os princípios da economia e da celeridade processual.

O TJRS determinou que o recorrente retificasse a documentação juntada, incluindo a indicação das páginas, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecimento do recurso.

Desi​nteresse

Vencido o prazo, o tribunal decidiu pelo não conhecimento do agravo. Segundo a decisão, a oportunidade para regularizar o processo havia sido dada, mas a parte teria cumprido a determinação judicial de forma parcial e equivocada, o que atestaria seu desinteresse na apreciação do recurso.

A decisão invocou o Ato 017/2012 da presidência do TJRS, editado com base na Lei 11.419/2006, que atribuía aos tribunais o poder de regulamentar a prática de atos processuais por meio eletrônico no âmbito de suas jurisdições, sendo que a mesma competência foi mantida pelo CPC/2015, embora em caráter supletivo às normas do Conselho Nacional de Justiça.

O banco alegou que o agravo não foi conhecido ao argumento de que o instrumento recursal não estaria de acordo com as peculiaridades do processo eletrônico adotado pela corte estadual, mas a decisão não indicou qual seria essa desconformidade.

Excesso de fo​​​rmalismo

Para o relator do recurso no STJ, Paulo de Tarso Sanseverino, o entendimento do tribunal gaúcho “peca pelo excesso de formalismo processual, uma vez que não houve manifestação judicial acerca da possibilidade de julgamento do mérito do agravo de instrumento”.

O relator lembrou que mesmo antes de o CPC/2015 entrar em vigor, o STJ, ao definir o Tema 462, já havia abrandado o excesso de formalismo na formação do instrumento de agravo, sendo firmada tese no sentido de se exigir um juízo sobre a necessidade da peça faltante para o julgamento da controvérsia recursal.

“Na vigência do CPC/2015, diploma processual orientado pelo princípio da primazia do julgamento de mérito, não parece haver lugar para um retrocesso em termos de formalismo processual, como o que se mostrou no caso dos autos”, acrescentou o ministro.

Indexação inte​​gral

Sanseverino também observou que, apesar das orientações que buscam otimizar a formação do instrumento de agravo, o tribunal de origem ainda pode solicitar a indexação de todos os documentos, caso julgue não ter condições de analisar antecipadamente quais peças processuais são necessárias para a compreensão da controvérsia recursal.

“Nada obsta a que o tribunal de origem venha a determinar novamente a indexação da cópia integral dos autos, desde que o faça fundamentadamente, com base nas circunstâncias do caso concreto.”

O colegiado, por unanimidade, determinou que o TJRS prossiga no juízo de admissibilidade do agravo instrumento, como entender de direito.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1810437
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Da implantação de soluções de inteligência artificial às iniciativas para diminuição do acervo de processos, passando pela criação de uma escola corporativa para os servidores, a atual gestão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem buscado colocá-lo em uma posição de vanguarda entre as instituições brasileiras – como anunciou o ministro João Otávio de Noronha ao tomar posse na presidência da corte, em agosto do ano passado.

Um ano após o início da gestão, o STJ avança com mais agilidade nos julgamentos – no primeiro semestre de 2019, em relação a igual período do ano passado, o acervo processual foi reduzido em 4,6% –, sem deixar de lado o investimento em soluções de acessibilidade, a implementação de políticas de igualdade de gênero no serviço público e a qualificação dos servidores para melhorar a prestação jurisdicional.

A passagem do ministro Noronha e de sua vice, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, pelo comando do STJ coincide com o período em que o Tribunal da Cidadania comemora 30 anos de instalação. Criado pela Constituição de 1988, a corte foi oficialmente instalada em 7 de abril de 1989.​​​​​

O ministro João Otávio de Noronha e a ministra Maria Thereza de Assis Moura na solenidade de comemoração dos 30 anos de instalação do Tribunal da Cidadania, em abril.​ | Foto: Emerson Leal / STJ

“O STJ chega aos seus 30 anos num momento em que o mundo derruba barreiras tecnológicas e caminha definitivamente para a virtualização em todos os aspectos da vida, ao mesmo tempo em que a humanidade exige respeito às diferenças, atenção às questões ambientais e justiça social. Para um novo tempo, um novo tribunal: trabalhamos por um STJ que julgue cada vez melhor e em menos tempo, que ofereça oportunidades iguais para homens e mulheres e que cumpra seu papel na gestão sustentável do planeta”, afirmou o ministro Noronha.

Te​​​cnologia

No esforço para tornar o STJ o tribunal mais eficiente do país, uma série de ferramentas no campo da inteligência artificial têm sido desenvolvidas para alinhar tecnologia e prestação jurisdicional. Desde maio, está em funcionamento um sistema para identificar grupos de processos com acórdãos semelhantes.

Entre outras funções estratégicas para o gerenciamento processual, o sistema possibilita a análise dos processos cujas controvérsias se repetem, permitindo o aprimoramento da utilização do mecanismo dos recursos repetitivos.

Também está em desenvolvimento, na Assessoria de Inteligência Artificial do tribunal, o Projeto Sócrates, que utilizará técnicas de inteligência artificial para – a partir do exame automatizado do recurso e do acórdão recorrido – fornecer informações relevantes aos relatores, por exemplo, se determinado caso se encaixa na categoria de demandas repetidas, as referências legislativas, a listagem de processos semelhantes e até sugestões de decisão.

Paralelamente a essas iniciativas, o STJ ampliou o número de colegiados que utilizam o sistema e-Julg, ferramenta para o julgamento virtual de recursos internos (embargos de declaração, agravos internos e agravos regimentais, exceto os criminais), conforme estabelecido no título III-A do Regimento Interno. A plataforma pode ser acessada pelos ministros de qualquer lugar, a qualquer hora, trazendo maior agilidade aos julgamentos.

Em setembro do ano passado, a Quarta Turma realizou a primeira sessão virtual pelo e-Julg. A Corte Especial e a Primeira Turma implementaram as sessões virtuais em novembro.

Redução de recu​​rsos

Além das soluções tecnológicas, o STJ vem apostando no desenvolvimento de esforços conjuntos com outras instituições para a redução da quantidade de processos em tramitação. Em junho, o tribunal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional estabeleceram parceria com o objetivo de reduzir o número de recursos em execução fiscal.

Dois meses depois, mais de mil processos já haviam deixado de tramitar no tribunal em razão da desistência da Fazenda em recursos com baixa possibilidade de recuperação dos créditos – a meta é dobrar os números já alcançados.

“Nós observamos que em muitas situações o recurso é inviável, mas mesmo assim é interposto. Isso gera uma despesa para o STJ e para o recorrente em demandas que muitas vezes não têm proveito econômico expressivo”, comentou Noronha.

No último dia 20 de agosto, em conjunto com várias instituições, o presidente do STJ – que também preside o Conselho da Justiça Federal – assinou o pacto de criação da Estratégia Nacional Integrada para Desjudicialização da Previdência Social. De caráter permanente, o projeto visa a identificação das causas de litigância em assuntos previdenciários, além da implementação de ações de prevenção dos litígios, resolução consensual das controvérsias e otimização do processamento das ações previdenciárias.

Reest​​ruturação

Em busca de mais agilidade processual, o STJ promoveu importantes reestruturações em setores estratégicos, como a Secretaria dos Órgãos Julgadores (SOJ) e o Núcleo de Admissibilidade e Recursos Repetitivos (Narer). Serviços que já não eram necessários, como o de taquigrafia, cederam pessoal para outros setores. Com a readequação de procedimentos e rotinas de trabalho, foi possível a alocação de mais profissionais nas áreas responsáveis pela análise de processos.

No caso do Narer, o incremento da estrutura possibilitou um aumento de 30% da produtividade em relação ao ano passado. Atualmente, o núcleo faz o exame de mais de 50% dos processos que chegam ao STJ, levando-se em consideração todas as classes processuais do tribunal.

“O STJ estava há 30 anos com a mesma estrutura. Os processos deixaram de ser físicos para se tornar eletrônicos, cresceu o número de pessoas no tribunal, mas se passaram 30 anos sem se questionarem a metodologia e os processos de trabalho” – afirmou Noronha, ressaltando a evolução da corte ao acabar com rotinas desnecessárias e gerenciar melhor sua força de trabalho.

Outra importante medida de modernização foi a adoção do teletrabalho, aprovado em dezembro pelo Conselho de Administração. A implementação do trabalho a distância tem como objetivos o aumento da produtividade e a racionalização do uso de recursos materiais, além da melhoria da qualidade de vida dos servidores.

De acordo com a regulamentação, editada em consonância com a Resolução 227/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as metas de desempenho do servidor em teletrabalho serão, no mínimo, 20% superiores àquelas estipuladas para o servidor que executa suas atividades de modo presencial.

Escola Corpor​​​ativa

“Eu penso que, quando terminar esta gestão, a minha maior obra terá sido a criação da Escola Corporativa, porque ela permite o investimento no maior valor que temos: nossos servidores.”

A visão do ministro João Otávio de Noronha tem sido reafirmada desde sua posse, quando já defendia a criação de uma escola para o aperfeiçoamento dos servidores. A projeção virou realidade em novembro do ano passado, com a inauguração da Escola Corporativa (Ecorp).

Antes da escola, o STJ já atuava com ações de educação por meio de programas de coaching, do portal de educação a distância, da formação de instrutores internos e de outras iniciativas. Em mais uma etapa da melhoria de oportunidades para os profissionais do tribunal, a Escola Corporativa tem impulsionado ações já em andamento e implementado novos programas.

Além disso, a Ecorp investe em oportunidades para o público em geral, como o I Concurso de Artigos Científicos do Superior Tribunal de Justiça, promovido como parte das comemorações dos 30 anos do tribunal. O resultado do concurso será divulgado em 6 de setembro, e os prêmios serão entregues em solenidade no dia 20 de setembro. A escola também oferece capacitação para o público externo, a exemplo do curso “STJ: história, competências e organização interna”.

Acordos de coo​​​peração

No campo da cooperação institucional e das parcerias nacionais e internacionais, o STJ conquistou alguns de seus principais avanços no último ano. Foram pelo menos dez instrumentos de cooperação firmados pelo tribunal em diversas áreas, como educação, meio ambiente, formação profissional e tramitação de processos.

Em novembro do ano passado, a corte firmou com o Banco do Brasil acordo de cooperação técnica com o objetivo de promover o intercâmbio de informações e a cooperação científica, acadêmica e cultural entre as instituições. Além da capacitação de funcionários, o mecanismo de cooperação – que não implica compromissos financeiros ou transferência de recursos entre as partes – prevê o intercâmbio de tecnologias e o desenvolvimento da gestão pública.

Também na esfera educacional, o STJ celebrou protocolo de intenções com a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) para a cooperação técnico-científica e cultural e o intercâmbio de conhecimentos e serviços de educação continuada e a distância.

No âmbito internacional, o ministro João Otávio de Noronha e o primeiro presidente da Corte de Cassação da França, Bertrand Louvel, assinaram em abril acordo com o objetivo de promover a aproximação da jurisprudência e permitir a construção de uma agenda de cooperação jurídica entre os dois tribunais.

Para o presidente do STJ, o compromisso é o desdobramento natural da intensa relação existente entre as duas instituições, que está inserida em um contexto mais amplo da histórica ligação entre Brasil e França.

“O acordo de cooperação reitera a importância da cooperação franco-brasileira para modernização institucional, capacitação profissional, aproximação de jurisprudências, intercâmbio de informações e boas práticas. Ao assinar o protocolo, o Superior Tribunal de Justiça e a Corte de Cassação selam a profícua cooperação existente, ao mesmo tempo que abrem novas oportunidades de ações conjuntas”, destacou o presidente do STJ ao assinar o acordo.

30 an​​os

No mês em que completou três décadas de existência, em abril, o tribunal realizou uma sessão solenecom a presença de autoridades dos três poderes, que destacaram a importância histórica e social das decisões da corte. Na mesma cerimônia, aconteceu a obliteração do Selo Comemorativo do aniversário do STJ e foi lançado o livro Superior Tribunal de Justiça – 30 anos do Tribunal da Cidadania.

Também em comemoração pelos seus 30 anos, o STJ recebeu delegações de 14 países e da ONU para o seminário O Poder Judiciário nas relações internacionais. O objetivo do seminário foi compartilhar tendências, experiências e jurisprudências entre os países participantes.

Em maio, o seminário O Direito Processual Civil nos 30 Anos do STJ reuniu especialistas no tribunal para debater temas sobre o processo civil no país.

No ano passado, em dezembro, o tribunal lançou um hotsite comemorativo em que são publicadas reportagens especiais, a agenda de eventos e informações históricas sobre a evolução da Justiça brasileira – com fotos, vídeos e uma linha do tempo das últimas três décadas. Para celebrar o aniversário, também foi criada uma marca que identifica as atividades comemorativas.

Le​​xGo

Para oferecer aos advogados que atuam no STJ um ambiente adequado às suas necessidades, o STJ inaugurou em abril o Espaço LexGo, local inspirado no modelo de coworking que agrega diversos serviços em um só lugar – acesso a computadores, protocolo de petições, maleiros individualizados e sala de reuniões são apenas algumas das opções à disposição dos advogados.

O Espaço LexGo dispõe de uma equipe treinada para prestar esclarecimentos sobre a estrutura e o funcionamento do tribunal, assim como sobre assuntos processuais, tornando mais fácil a rotina de trabalho dos defensores que transitam diariamente pela corte.

“Chegam a esta casa advogados de todos os rincões. Precisamos estar preparados para receber qualquer colega da comunidade jurídica. Portanto, nós cumprimos o mandamento constitucional de bem recebê-los no STJ. Atento a isso, pedi que fossem oferecidas as melhores condições de trabalho, e acredito que atingimos o objetivo”, afirmou Noronha durante a cerimônia de inauguração do Espaço LexGo.

Justiça em Números

Em reconhecimento aos esforços de investimento na excelência da produção, gestão, organização e disseminação de informações administrativas e processuais, o STJ recebeu em dezembro o Selo Justiça em Números 2018 na sua categoria mais alta, a Diamante.

Além do aprimoramento da gestão da informação, estão entre as exigências para recebimento do Selo Justiça em Números a implantação, pelos tribunais, de núcleos socioambientais, conforme previsto na Resolução 201/2015 do CNJ, que determina aos órgãos do Poder Judiciário a adoção do Plano de Logística Sustentável (PLS) para reduzir o impacto ambiental de suas atividades.

Fake n​​ews

As fake news estão no topo das discussões de pessoas e instituições, cada vez mais preocupadas com a veracidade das informações divulgadas sobre si e sobre os outros, especialmente pela internet. Aliado a esses anseios, o STJ participou em junho do lançamento do Painel Multissetorial de Checagem de Informações e Combate a Notícias Falsas, no Supremo Tribunal Federal.

O objetivo do painel é alertar leitores e internautas sobre os perigos do compartilhamento de informações duvidosas, além de orientar sobre como checar a veracidade das notícias que recebem. De acordo com o projeto, sites especializados que aderirem ao painel terão a missão de checar o conteúdo das postagens suspeitas sobre o Judiciário na internet.

“É de vital importância para a credibilidade da Justiça a prevalência da verdade. Não podemos colocar os fatos. A falta de compromisso com a verdade já levou o mundo a sérios conflitos”, afirmou o presidente do STJ ao citar a Primeira Guerra Mundial e o conflito dos Estados Unidos com o Iraque como exemplos de guerras fundadas em mentiras.

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​​​​​A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu parcialmente nesta terça-feira (27) um recurso do ex-governador do Distrito Federal Benedito Domingos para anular a sua condenação no caso conhecido como Caixa de Pandora e determinar que o processo retorne à primeira instância, com a abertura de prazo para a apresentação de memoriais da defesa antes da prolação de uma nova sentença.

O colegiado acolheu uma preliminar de cerceamento de defesa apresentada pelos advogados de Benedito Domingos, anulando todo o processo desde o momento anterior à sentença. Na mesma decisão, os ministros mantiveram a liminar de indisponibilidade de bens decretada pelo juízo de primeira instância antes da sentença.

A ação civil pública por improbidade administrativa foi proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) porque Benedito Domingos, então deputado distrital, teria supostamente recebido vantagens ilícitas para apoiar o ex-governador José Roberto Arruda, em esquema investigado pela Operação Caixa de Pandora.

Segundo o MPDFT, ele teria recebido cerca de R$ 6 milhões, em meados de 2009, pelo apoio político a Arruda.

A sentença condenou Benedito Domingos às seguintes penas: perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio; suspensão dos direitos políticos por dez anos; pagamento de multa civil no valor correspondente a três vezes o valor do acréscimo patrimonial; proibição de contratar com o poder público por dez anos e pagamento de R$ 900 mil a título de danos morais.

Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) confirmou a sentença, mas ajustou as penalidades para afastar a condenação quanto à perda de R$ 6 milhões, valor arbitrado em primeira instância como o acréscimo patrimonial indevido.

Delação prem​iada

Inicialmente, o relator do caso no STJ, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, votou pela improcedência total da ação civil pública por entender que a condenação do político foi baseada apenas na delação premiada de Durval Barbosa (ex-secretário de Relações Institucionais no governo de Arruda) e que essa colaboração não poderia ter sido admitida como prova no âmbito da ação de improbidade administrativa.

“O motivo da inadmissibilidade desse meio de prova reside na circunstância de que, como o direito explicitado na Lei 8.429/1992 é indisponível, o legislador expressamente proibiu acordo, conciliação ou transação”, explicou o relator, destacando que, quando muito, a delação serviria para iniciar uma investigação que levaria à produção de outras provas.

“A colaboração premiada, por mais valiosa que seja, não substitui a instrução processual e representa, quando isolada de meios probantes, simples indício da prática de ilícito, mas não a sua prova. Mas isso se disserta no âmbito do direito processual penal, onde a palavra do colaborador – com as consequências e benesses legais do acordo – é admissível”, resumiu o ministro.

O enriquecimento pessoal ilícito, segundo ele, exige a comprovação nos autos da efetiva existência da vantagem auferida pelo acusado. No caso analisado, Napoleão Nunes Maia Filho destacou que o acórdão do TJDFT confirmou a condenação em primeira instância com base apenas nas palavras do delator e em gravação ambiental feita por Durval Barbosa.

“Embora rica em detalhes, números e eventos, com indicação expressa do então parlamentar demandado no cenário apontado como ilícito, as narrativas do colaborador, ainda que processualmente admissíveis, não se acercam de elementos externos comprobatórios da alegada corrupção, especialmente quanto ao recebimento, pelo demandado, dos valores advenientes do alegado procedimento ilícito de compra de apoio político”, afirmou o ministro.

Na sessão desta terça-feira, o ministro Sérgio Kukina apresentou voto-vista acolhendo a preliminar de cerceamento de defesa apresentada pela defesa do político. Na sequência, Napoleão Nunes Maia Filho aderiu à solução proposta por Kukina. O colegiado não analisou o mérito recursal e julgou prejudicado o recurso do MPDFT que suscitava omissão no julgamento dos embargos de declaração na apelação.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):AREsp 833167AREsp 833246

A busca pela conciliação entre segurança jurídica e justiça material tem levado o Poder Judiciário – em especial o Supremo Tribunal Federal (STF) – a atualizar seus entendimentos a respeito da aplicação da Lei 11.343/2006, também conhecida como Lei de Drogas.

Em sintonia com essas mudanças, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) lançou uma nova ediçãocompilada da publicação Jurisprudência em Teses sobre a Lei de Drogas, reunindo em um só exemplar vários aspectos da interpretação da legislação federal sobre o tráfico de entorpecentes, as penas cabíveis para os diversos delitos e as circunstâncias minorantes que podem ser aplicadas a cada caso.

Segundo dados do Banco de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem hoje cerca de 812 mil presos. Em agosto do ano passado, o detalhamento do perfil da população carcerária indicava que quase um quarto dela estava envolvida com acusações de violação da Lei de Drogas.

Dos mais de 346 mil processos recebidos em 2018 pelo STJ, aproximadamente 23% referem-se a tráfico e condutas afins. A maioria desses casos – em geral apreciados pelas turmas que integram a Terceira Seção, especializada em direito penal – é de habeas corpus e recurso em habeas corpus.

Uma das questões mais polêmicas em relação à Lei de Drogas, atualmente, diz respeito ao artigo 28, cuja constitucionalidade tem sido objeto de acirrados debates, que contrapõem a legitimidade da tutela do direito penal às garantias da intimidade e da vida privada – o que ainda está em discussão no STF. O julgamento do RE 635.659 está previsto para acontecer no segundo semestre deste ano, quando a corte suprema decidirá sobre a tipicidade do porte de drogas para consumo pessoal.

​Substituição ​​​da pena

No compilado da Lei de Drogas preparado pela Secretaria de Jurisprudência do STJ, uma das teses destacadas (são 59 no total) estabelece que, “reconhecida a inconstitucionalidade da vedação prevista na parte final do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de Drogas, inexiste óbice à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal”.

A partir do julgamento do HC 97.256 pelo STF, quando foi declarada incidentalmente a parcial inconstitucionalidade do parágrafo 4º do artigo 33 e do artigo 44 da Lei de Drogas, o benefício da substituição da pena passou a ser concedido aos condenados pelo crime de tráfico, se preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal.

Seguindo esse posicionamento, o STJ tem aplicado a individualização da pena, trazendo uma personalização da resposta punitiva do Estado, ao reconhecer casos em que o paciente pode se beneficiar do regime aberto se for réu primário, condenado a pena que não exceda quatro anos de reclusão e não apresente circunstâncias desabonadoras.

Tomando por base esse novo entendimento, ao analisar o HC 482.234, a Quinta Turma decidiu pela concessão do benefício da substituição da pena para um condenado ao regime fechado pelo crime de tráfico.

Segundo o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, todos os requisitos do artigo 44 do Código Penal foram preenchidos no caso – tanto em relação à fixação da pena-base quanto em relação à redução do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de Drogas.

O ministro destacou ainda que a quantidade das drogas apreendidas com o condenado não foi expressiva e, portanto, tal fundamento não seria suficiente para justificar o estabelecimento do regime inicial fechado e a negativa de substituição da pena.

“O quantum da condenação (um ano e oito meses de reclusão), a primariedade e a análise favorável das circunstâncias judiciais permitem ao paciente iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade no regime aberto e ter sua pena substituída por medidas restritivas de direitos, a teor do disposto nos artigos 33, parágrafos 2º e 3º, e 44, ambos do Código Penal”, explicou o relator.

Reinc​​idência

“A conduta de porte de substância entorpecente para consumo próprio, prevista no artigo 28 da Lei 11.343/2006, foi apenas despenalizada pela nova Lei de Drogas, mas não descriminalizada, não havendo, portanto, abolitio criminis.” Esta é outra tese destacada pela Secretaria de Jurisprudência.

Em seu voto no HC 478.757, julgado pela Quinta Turma, o ministro Felix Fischer explicou que o STJ tem seguido o posicionamento firmado pelo STF na questão de ordem no RE 430.105, quando foi decidido que o porte de entorpecente para consumo próprio foi despenalizado, mas não descriminalizado.

No caso analisado, um condenado por furto pediu redução de pena, a qual havia sido aumentada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em razão de reincidência, pois ele ostentava em sua ficha uma antiga condenação pelo crime de posse de drogas para consumo próprio.

Para Fischer, mesmo sendo reconhecida a reincidência genérica, referente à condenação pelo delito do artigo 28, o regime para início de cumprimento da pena deve ser o aberto, conforme o entendimento constante das Súmulas 718 e 719 do STF e da Súmula 440 do STJ.

“Preenchidos os requisitos do artigo 44, parágrafo 3º, do Código Penal – quais sejam, pena não superior a quatro anos, o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, réu não reincidente específico e circunstâncias judiciais favoráveis –, o paciente faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos”, afirmou o relator.

Desproporcio​​nal

O entendimento sobre porte para consumo próprio e reincidência não está pacificado no âmbito do STJ, como revela a seguinte tese: “As contravenções penais, puníveis com pena de prisão simples, não geram reincidência, mostrando-se, portanto, desproporcional que condenações anteriores pelo delito do artigo 28 da Lei 11.343/2006 configurem reincidência, uma vez que não são puníveis com pena privativa de liberdade”.

No julgamento do agravo regimental no REsp 1.778.346, a Sexta Turma negou a pretensão do Ministério Público, que pedia que condenação anterior pelo crime do artigo 28 fosse utilizada para aumentar a pena.

Segundo o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, as condenações anteriores por contravenções penais não são aptas a gerar reincidência, tendo em vista o que dispõe o artigo 63 do Código Penal, que se refere apenas a “crime anterior”.

“Se as contravenções penais, puníveis com pena de prisão simples, não geram reincidência, mostra-se desproporcional o delito do artigo 28 da Lei 11.343/2006 configurar reincidência, tendo em vista que nem é punível com pena privativa de liberdade”, destacou.

Crime hedi​​ondo

Sobre tráfico privilegiado e crime hediondo, o tribunal tem o seguinte entendimento: “O tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada (artigo 33, parágrafo 4º) não é crime equiparado a hediondo”.

A tese foi firmada pela Terceira Seção por ocasião do julgamento do Tema 600 dos recursos repetitivos (revisão de tese) e gerou o cancelamento da Súmula 512 do STJ.

Durante a análise do agravo regimental no HC 485.746, a Quinta Turma expressou esse entendimento. A controvérsia tratou do regime de cumprimento de pena e da substituição da condenação de um ano e oito meses de reclusão, em regime fechado, por pena restritiva de direitos para paciente condenada por tráfico privilegiado.

O ministro Joel Ilan Paciornik observou que o STF, ao julgar o HC 111.840, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/1990, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.464/2007, afastando, dessa forma, a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados.

Segundo o ministro, o STJ também firmou entendimento de que, nos delitos previstos na Lei de Drogas, a fixação do regime prisional deve observar a regra do artigo 33, parágrafo 2º, do Código Penal, em conjunto com o artigo 42 da Lei 11.343/2006, que determina a consideração, preponderantemente, da natureza e da quantidade da droga.

“No caso dos autos, encontra-se evidenciado o constrangimento ilegal, pois, em razão de as circunstâncias judiciais serem favoráveis, a pena-base ter sido fixada no mínimo legal, tendo sido reduzida a pena pela minorante do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de Drogas, a pena aplicada ser inferior a quatro anos, e a quantidade de droga apreendida não ter sido tão expressiva, o regime a ser imposto deve ser o aberto, de acordo com o disposto no artigo 33, parágrafos 2º, c, e 3º, do Código Penal, e em consonância com a jurisprudência desta Quinta Turma”, afirmou.

Conden​ação simultânea

Outra tese destacada afirma que “é inviável a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 quando há condenação simultânea do agente nos crimes de tráfico de drogas e de associação para o tráfico, por restar evidenciada a sua dedicação a atividades criminosas ou a sua participação em organização criminosa”.

Com esse entendimento, a Sexta Turma rejeitou o pedido da defesa para que um réu fosse enquadrado em tráfico privilegiado, após ter sido condenado simultaneamente pelos crimes de tráfico de drogas e de associação para o tráfico (AgRg no AREsp 1.282.174).

Os ministros concluíram que, mesmo sendo o réu primário, mantida a condenação pelo crime de associação para o tráfico, não há como reconhecer em seu favor a incidência da minorante do tráfico privilegiado.

“O tribunal de origem, ao entender devida a condenação do recorrente em relação ao crime previsto no artigo 35 da Lei 11.343/2006, apontou elementos concretos, constantes dos autos, que efetivamente evidenciam a estabilidade e a permanência exigidas para a configuração de crime autônomo, de maneira que não identifico nenhuma violação legal no ponto em que houve a condenação do acusado pelo delito de associação para o narcotráfico”, explicou o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz.

Mula do tráfi​​co

O compilado também traz a tese segundo a qual “a condição de ‘mula’ do tráfico, por si só, não afasta a possibilidade de aplicação da minorante do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, uma vez que a figura de transportador da droga não induz, automaticamente, à conclusão de que o agente integre, de forma estável e permanente, organização criminosa”.

Para a Sexta Turma, a pessoa que transporta drogas ilícitas, conhecida como “mula do tráfico”, nem sempre integra a organização criminosa. Assim, o colegiado negou provimento a recurso em que o Ministério Público questionava a aplicação da minorante do tráfico privilegiado sob o argumento de que o transporte de droga, em quantidade expressiva, pressupõe que a pessoa responsável pela tarefa seja parte da estrutura criminosa (AgRg no REsp 1.772.711).

De acordo com a ministra Laurita Vaz, a jurisprudência do STJ tem acompanhado a atual posição do STF, entendendo que, se não há prova inequívoca do envolvimento estável e permanente do agente com a organização criminosa, não se pode afastar automaticamente a caracterização do tráfico privilegiado.

“Ademais, a jurisprudência desta Corte Superior entende que, nesse contexto, é adequada a aplicação da minorante do tráfico privilegiado, mas em fração inferior a dois terços”, afirmou.

Conheça a ferram​​enta

Lançada em maio de 2014, a ferramenta Jurisprudência em Teses apresenta entendimentos do STJ sobre temas específicos, escolhidos de acordo com sua relevância no âmbito jurídico.

Cada edição reúne teses identificadas pela Secretaria de Jurisprudência após cuidadosa pesquisa nos precedentes do tribunal. Abaixo de cada uma delas, o usuário pode conferir os precedentes mais recentes sobre o tema, selecionados até a data especificada no documento.

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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 482234HC 478757REsp 1778346HC 485746AREsp 1282174REsp 1772711
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Ao participar nesta quarta-feira (21) de debate promovido pelo jornal Correio Braziliense sobre Ética Concorrencial e Simplificação Tributária, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, afirmou que o sistema tributário vigente é um dos responsáveis pelo alto grau de litigiosidade existente na Justiça brasileira – e que também repercute na corte. “São problemas e distorções que precisam ser resolvidos com urgência para que nosso sistema seja mais justo e neutro”, declarou.

O ministro disse que o momento é extremamente difícil e que não se conseguiu instalar ainda no Brasil um ambiente propício ao crescimento econômico, ou seja, um ambiente de segurança jurídica e previsibilidade. Em grande parte, segundo ele, isso se deve à complexidade do sistema tributário, apoiado em uma legislação pouco conhecida e sujeita a várias interpretações, o que faz com que o jurisdicionado procure cada vez mais a Justiça.

“Para um Judiciário que recebe milhões de causas, a solução demora e compromete a eficiência das indústrias, da prestação de serviços. Isso não é bom. Precisamos corrigir as distorções, simplificar o sistema tributário e ter coragem para realizar as reformas. É importante rediscutirmos o pacto federativo para melhorar a distribuição de recursos entre os entes. Penso que nosso calcanhar de Aquiles para o desenvolvimento é o sistema tributário”, analisou.

Siste​ma desejável

Durante a palestra, Noronha descreveu as características de um sistema tributário desejável: a simplicidade, a neutralidade e a equidade. Observou que a legislação vigente sobrecarrega a população e representa um entrave ao crescimento de empreendedores. “A legislação não atende a realidade do país e ainda provoca reação do contribuinte, que leva as discussões sobre redução de carga tributária para o Judiciário. Lá não é lugar para isso”, reforçou.

Depois da participação do ministro Noronha, foram apresentados os painéis “PLS 284: o devedor contumaz e os impactos da sonegação de impostos” e “Simplificação tributária: um caminho para reduzir a sonegação”. O evento contou com a presença do presidente do Correio Braziliense, Álvaro Teixeira da Costa, e de autoridades representantes dos três poderes.

Além da reforma tributária, João Otávio de Noronha destacou a necessidade de harmonização da legislação dos entes federativos. Por fim, o presidente do STJ abordou a ética concorrencial.

“Estamos em um sistema que só é competitivo, de modo geral, para quem sonega. E quem sonega tem, aparentemente, maior grau de eficiência e competitividade do que o cumpridor das normas. Por outro lado, nem sempre quem está descumprindo as normas está conscientemente inadimplente, pois o sistema é tão complexo que às vezes você não sabe qual a melhor interpretação” concluiu.

​​​O prazo para o devedor alegar excesso de execução só começa a correr após a sua intimação acerca da penhora ou do depósito do valor da condenação para a garantia do juízo. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e definiu que a falta de manifestação do devedor sobre os cálculos do contador judicial – os quais foram homologados pelo juízo – não impede a posterior alegação de excesso de execução em impugnação ao cumprimento de sentença.

O recurso teve origem em ação contra a Caixa de Previdência do Banco da Amazônia para restituição de valores indevidamente recolhidos a título de contribuição previdenciária. Na fase de cumprimento da sentença, os cálculos apresentados pelo credor foram refeitos pela contadoria judicial, após o juiz observar discrepâncias. Com a concordância do credor sobre o novo valor, a entidade previdenciária foi intimada a se manifestar, mas, diante da sua inércia, os cálculos foram homologados.

A pedido do credor, o juiz determinou o bloqueio da quantia executada via BacenJud, ocasião em que foi determinada a intimação do devedor. Nesse momento, a instituição devedora apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, alegando excesso de execução. No entanto, o TJDFT entendeu que a oportunidade para essa alegação estaria preclusa diante da homologação dos cálculos.

Montante​​ da penhora

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que, com base nos dispositivos que tratam da liquidação de sentença no Código de Processo Civil de 1973, depreende-se que o envio dos autos ao contador judicial para apurar a quantia a ser paga “não é ato judicial hábil a definir, necessariamente, o valor da execução, representando, em verdade, ato para definir o montante da penhora, o que afastaria a necessidade de qualquer alegação de excesso de execução neste momento particular”.

Segundo ela, nos termos do artigo 475-B do CPC/1973, quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, instruindo o pedido com a memória discriminada do cálculo.

A ministra ressaltou que, nos casos de aparente excesso do valor calculado, o contador do juízo poderá refazer os cálculos. Caso o credor concorde com o valor, prosseguirá o cumprimento da sentença, com a intimação do devedor em 15 dias; contudo, se discordar, a execução prosseguirá pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador.

“Ora, o fato de, em não havendo concordância do credor em relação aos cálculos apresentados pelo contador, a penhora ter por base o valor por este encontrado, reforça, exatamente, o argumento de que o envio dos autos ao mesmo justifica-se para fixar o quantum debeatur da penhora, momento inadequado para o devedor alegar excesso de execução”, disse a ministra.

A relatora lembrou que, nessa fase, não há participação do devedor no procedimento, a não ser que a elaboração dos cálculos dependa de dados existentes em seu poder, ocasião em que o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-los.

Intimação d​​o credor

Ao prosseguir com o cumprimento da sentença – esclareceu a ministra –, o devedor condenado é intimado a efetuar o pagamento em 15 dias; caso contrário, o montante será acrescido de multa no percentual de 10%. A relatora observou também que, após pedido do credor, poderá ser expedido o mandado de penhora e avaliação, momento no qual o executado é intimado a oferecer impugnação no prazo de 15 dias.

“Pelo exposto, denota-se, então, que o momento processual que o devedor possui para alegar excesso de execução é posteriormente à sua intimação acerca da penhora ou do depósito do valor da condenação para garantia do juízo”, concluiu Nancy Andrighi.

Assim, segundo a relatora, o prazo para que a Caixa de Previdência do Banco da Amazônia pudesse alegar excesso de execução começou a correr no momento de sua intimação após o bloqueio da quantia executada via BacenJud.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1538235
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​​No mundo jurídico e na sociedade de forma geral, a maioridade civil é um marco temporal importante. Dos anteriores 21 anos de idade estabelecidos pelo Código Civil de 1916, o término da incapacidade civil foi antecipado no código de 2002 para 18 anos completos. De acordo com a legislação atual, atingida a maioridade, o indivíduo fica habilitado à prática de todos os atos da vida civil, sem a necessidade de assistência de um representante legal.

Além disso, o próprio código estabelece aos maiores de 16 e menores de 18 anos a condição de relativamente incapazes, quando podem praticar determinados atos sem a assistência de seus representantes, como ser testemunha (artigo 228 do CC/2002) e fazer testamento (artigo 1.860), entre outros.

O Código Civil também previu possibilidades de término da incapacidade para os relativamente incapazes pela emancipação, como a concessão da maioridade pelos pais ou por sentença judicial, pelo casamento, pelo exercício de emprego público efetivo e por colação de grau.

Apesar das previsões legais, a maioridade – como um assunto social de extrema relevância – continua a ser discutida e a sofrer interpretações e inovações. No campo legislativo, recentemente, a Lei 13.811/2019 alterou o artigo 1.520 do Código Civil para suprimir as exceções legais permissivas do casamento infantil (aquele realizado antes dos 16 anos) – a gravidez e o interesse de evitar imposição ou cumprimento de pena criminal.

No campo judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) resolve diversas questões a respeito da emancipação e da maioridade civil, a exemplo de causas sobre posse em concurso público, indenizações por acidentes automobilísticos que envolvem menores e temas ligados ao direito previdenciário.

Auxiliar de bibl​ioteca

No REsp 1.462.659, a Segunda Turma analisou ação em que a autora foi aprovada para o cargo de auxiliar de biblioteca quando tinha 17 anos. Após a homologação do concurso e a nomeação dos aprovados, a candidata foi informada sobre a impossibilidade de sua posse em razão do descumprimento do requisito de idade mínima de 18 anos. Segundo a candidata, o requisito de idade estaria suplantado pela emancipação, condição que a habilitaria para praticar todos os atos da vida civil.

Após o deferimento do mandado de segurança em primeira instância – decisão confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) –, o Instituto Federal Sul-rio-grandense interpôs recurso especial sob o argumento de que o julgamento violou a Lei 8.112/1990, que estabelece a exigência de idade mínima de 18 anos para investidura em cargo público.

O relator do recurso, ministro Herman Benjamin, destacou que, apesar da constitucionalidade dos limites etários estabelecidos em razão da natureza e das atribuições do cargo, no caso dos autos, a obrigatoriedade de idade mínima deveria ser flexibilizada.

Como apontado pelo TRF4, o ministro ressaltou que não há indício de que o cargo de auxiliar de biblioteca tenha exigências que impliquem a observância rigorosa de uma idade mínima e, além disso, a candidata tinha 17 anos e dez meses na data da posse, mas estava emancipada havia quatro meses.

Ao manter a decisão de segundo grau, Herman Benjamin também lembrou que o artigo 5º do Código Civil estabelece como hipóteses de cessação da incapacidade a emancipação voluntária concedida pelos pais, como no caso dos autos, e o exercício de emprego público.

“Portanto, o codex que regula a capacidade e a personalidade das pessoas naturais permite o acesso ao emprego público efetivo aos menores de 18 anos, sendo, dessa forma, um dos requisitos para a cessação da incapacidade civil dos menores”, concluiu o ministro.

P​​olicial

Em julgamento semelhante, a Primeira Turma analisou mandado de segurança em que um candidato ao cargo de oficial da Polícia Militar foi excluído do concurso porque não tinha 18 anos completos no dia da convocação para o programa de formação. O ato de convocação ocorreu nove dias antes de o candidato, que já era emancipado, atingir a maioridade.

O mandado de segurança foi indeferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Para o tribunal, a natureza do cargo de policial militar justifica que as especificações de idade sejam preconizadas no edital do certame, sem que isso implique lesão ou afronta aos princípios constitucionais.

Relator do recurso em mandado de segurança, o ministro Sérgio Kukina afirmou que, por disposição legal, a atividade administrativa deve se pautar, entre outros, pelo princípio da razoabilidade, com a consequente adequação entre meios e fins, além da observância do interesse público.

Segundo o ministro, a exigência, feita pelo edital, de idade mínima de 18 anos na data da matrícula no curso de formação decorreu de mera interpretação da Lei Complementar Estadual 231/2005, que na verdade prevê a limitação de idade para ingresso na carreira militar.

“Essa interpretação – que em outro contexto poderia ser tida como lícita – foi aplicada com tal rigor no caso concreto que, a pretexto de cumprir a lei, terminou por feri-la”, disse Kukina. Para o relator, a pretexto de cumprir a lei, a exclusão do candidato desconsiderou a adequação entre meios e fins, impôs uma restrição em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público e não interpretou a lei da forma que melhor garantisse o atendimento do fim público (RMS 36.422).

Acide​​nte

No âmbito do direito privado, a Quarta Turma analisou pedido de indenização formulado por um ciclista que foi atropelado por veículo conduzido por menor emancipado. As instâncias ordinárias condenaram o menor e seus pais à indenização por danos morais de R$ 40 mil, além de dano estético de R$ 20 mil.

Em recurso dirigido ao STJ, os pais alegaram que não poderiam ser responsabilizados solidariamente pelo acidente, já que o filho era emancipado quando se envolveu no atropelamento e, além disso, exercia atividade profissional e não dependia mais deles.

A relatora do recurso, ministra Isabel Gallotti, mencionou jurisprudência do STJ segundo a qual é preciso distinguir a emancipação legal – como na hipótese do casamento, capaz de liberar os pais da responsabilidade pelos atos do filho – da emancipação voluntária – que não tem o poder de exoneração, porque é caracterizada como ato de vontade, e não elimina a reponsabilidade proveniente da lei.

“No que concerne à responsabilidade dos pais pelo evento danoso, observo que a emancipação voluntária, diversamente da operada por força de lei, não exclui a responsabilidade civil dos pais pelos atos praticados por seus filhos menores”, afirmou a ministra ao manter a condenação solidária dos pais (Ag 1.239.557).

Pensão por mort​e

O filho maior inválido tem direito à pensão do segurado falecido caso a invalidez seja anterior ao óbito, mesmo que posterior à emancipação ou maioridade. Com esse entendimento, a Segunda Turma manteve acórdão do Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1) que considerou devida pensão por morte a filha de segurado falecido que demonstrou dependência econômica em relação ao pai.

No recurso especial, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) alegou que a perícia médica concluiu que a incapacidade da filha teve início após ela completar 21 anos.

Segundo o INSS, para a concessão do benefício por morte, os normativos previdenciários – como a Lei 8.213/1991 e o Decreto 3.048/1999 – exigem que o momento da invalidez seja anterior tanto à data em que o filho completou 21 anos quanto à data de eventual causa de emancipação (como casamento ou atividade laboral). Por isso, a autarquia previdenciária sustentou a improcedência do pedido de pensionamento.

Ao manter o acórdão do TRF1, o ministro Herman Benjamin apontou jurisprudência do STJ no sentido de que o Decreto 3.048/1999, ao exigir que a invalidez seja anterior ao implemento da idade de 21 anos ou da emancipação, extrapolou os limites do poder regulamentar, “razão pela qual se mostra irrelevante o fato de a invalidez ter ocorrido antes ou após o advento da maioridade, pois, nos termos do artigo 16, I, da Lei 8.213/1991, será dependente o filho maior inválido, presumindo-se, nessa condição, a sua dependência econômica” (REsp 1.768.631).

Dívida alim​​entar

Também no âmbito do direito de família, questões relativas à emancipação são decisivas. Ao analisar prisão civil em razão de dívida alimentar, a Terceira Turma do STJ decidiu em 2003 que a emancipação do alimentando e sua declaração dando quitação das verbas vencidas constituem prova de não haver motivo para a manutenção do cárcere.

Nos autos de ação de execução de alimentos, o devedor alegou que fez o depósito referente aos três últimos meses e que, além disso, juntou cópia da escritura de emancipação do alimentando e a declaração de quitação.

Para o relator do caso, ministro Pádua Ribeiro (aposentado), os documentos juntados aos autos representavam “prova plena” da desnecessidade da prisão civil.

“A afirmação do ilustre relator impetrado de que o crédito alimentar foi constituído antes da emancipação do credor e de que ‘o sustento deste foi suprido com exclusividade pela genitora, a qual busca receber tal valor’, é matéria que deve ser decidida na execução proposta, mas que não reveste de legalidade a prisão decretada”, afirmou o ministro ao conceder o habeas corpus (o número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial).

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1462659RMS 36422Ag 1.239.557REsp 1768631
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​​​A cláusula compromissória, que determina a solução de conflitos por meio de arbitragem, é nula quando imposta ao consumidor. No entanto, é possível a instauração de procedimento arbitral em relações de consumo, mesmo no caso de contrato de adesão, se houver a concordância posterior das partes com esse mecanismo de solução extrajudicial de conflitos.

Com esse entendimento, a Terceira Turma manteve a extinção de ação indenizatória movida no Poder Judiciário por compradores de imóvel que alegam descumprimento contratual por parte da construtora.

Em primeira instância, a ação de indenização por danos materiais e morais foi julgada extinta, sem julgamento de mérito, com fundamento no artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil de 1973, tendo em vista a instauração de procedimento arbitral para dirimir a mesma controvérsia.

Os compradores alegaram que o compromisso arbitral seria nulo, por se tratar de um contrato de adesão (cujas cláusulas não podem ser negociadas pelo consumidor), mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a sentença, considerando que o termo que submeteu o litígio à arbitragem foi assinado posteriormente ao contrato de compra e venda do imóvel.

Compromisso au​​tônomo

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, ressaltou que o artigo 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem no momento da celebração do contrato, mas não impede que posteriormente, diante do litígio, havendo consenso entre as partes – em especial a aquiescência do consumidor –, seja instaurado o procedimento arbitral.

Segundo a relatora, é possível a utilização da arbitragem para a resolução de litígios originados de relação de consumo, desde que não haja imposição pelo fornecedor, ou quando a iniciativa da instauração do procedimento arbitral for do consumidor, ou, ainda, sendo a iniciativa do fornecedor, se o consumidor vier a concordar com ela expressamente.

Nancy Andrighi esclareceu que, no caso em julgamento, os consumidores celebraram, de forma autônoma em relação ao contrato de compra do imóvel, um termo de compromisso, e participaram ativamente do procedimento arbitral.

“Percebe-se claramente que os recorrentes aceitaram sua participação no procedimento arbitral, com a assinatura posterior do termo de compromisso arbitral, fazendo-se representar por advogados de alta qualidade perante a câmara de arbitragem”, comentou a ministra ao negar provimento ao recurso dos consumidores.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1742547
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​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu não ser possível o levantamento de valores depositados voluntariamente em juízo por empresa de seguros, em razão de sua superveniente liquidação extrajudicial.

Segundo o processo, a seguradora foi condenada a pagar ao espólio recorrido valores referentes a contrato de seguro de vida firmado pelo falecido, além de compensação por danos morais. Após o depósito voluntário de parte da quantia devida, sobreveio decretação da liquidação extrajudicial da seguradora, fato que a motivou a postular seu levantamento.

Os juízos de primeiro e segundo grau, todavia, desacolheram a pretensão da recorrente, sob o argumento de que o depósito efetuado em momento anterior ao decreto liquidatório não estaria sujeito ao concurso de credores.

Ao recorrer, a seguradora defendeu a tese de que a manutenção do depósito (ou o levantamento do numerário pelo credor) implica violação do princípio do par conditio creditorum, uma vez que não se trata de crédito de natureza extraconcursal.

Depósi​​to voluntário

Para a relatora, ministra Nancy Andrighi, o conteúdo normativo dos artigos 74, parágrafo 3º, do Decreto 60.459/67 e 98, parágrafo 3º, do Decreto-lei 73/66, apontados como violados no recurso especial, não dá suporte à tese jurídica exposta, o que atrai a incidência do óbice previsto na Súmula 284/STF.

“Como se pode depreender, os dispositivos legais transcritos não disciplinam o que deve ocorrer com os valores depositados voluntariamente pela empresa liquidanda como forma de pagamento em razão de condenação judicial”, observou.

A ministra lembrou que decisão recente da Terceira Turma (AREsp 1.294.374) fixou entendimento de que a suspensão de ações e execuções decorrente de decretação de liquidação extrajudicial de sociedades submetidas ao regime da Lei 6.024/74 – como na hipótese analisada – não tem como consequência lógica a desconstituição da penhora já perfectibilizada.

Liquidação extraju​​dicial

Nancy Andrighi destacou que os procedimentos de liquidação extrajudicial, segundo entendimento firmado pelo STJ, possuem natureza semelhante à dos processos de recuperação judicial e de falência – pois em todos eles há sujeição à execução coletiva e universal –, de modo que o par conditio creditorumé princípio que deve ser observado sempre (REsp 1.738.724).

“Desse entendimento, entretanto, não decorre, direta e automaticamente, a inferência de que os valores relativos a obrigações pecuniárias adimplidas em momento anterior à decretação da liquidação devem voltar à esfera de disponibilidades da sociedade devedora, a fim de integrar a massa liquidanda”, explicou a ministra.

A relatora afirmou que, no caso analisado, a relação creditícia existente entre as partes em litígio foi extinta a partir do momento em que a obrigação pecuniária constituída pelo provimento judicial foi adimplida pela recorrente, que efetuou voluntariamente o depósito da quantia devida.

Ao negar o recurso da seguradora, a ministra ressaltou que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, dispositivo legal a autorizar que a superveniência da decretação da liquidação extrajudicial, recuperação judicial ou falência possa irradiar efeito desconstitutivo sobre pagamentos pretéritos licitamente efetuados.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1660187

​”Hoje, o que podemos ver é uma interação entre juízes e árbitros, e não uma disputa”, disse o ministro Luis Felipe Salomão ao comentar a perspectiva de crescimento do mercado privado de solução de conflitos. A declaração foi feita nesta terça-feira (13), em um painel realizado no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para discutir o Retrato Atual das Práticas de Arbitragem.

Salomão afirmou que “as soluções extrajudiciais de resolução de conflitos não crescem à sombra do insucesso ou não da jurisdição estatal. Ao contrário, representam o avanço do processo civilizatório da humanidade, que, de maneira consciente, busca mecanismos de pacificação social eficientes”.

Durante a abertura do painel, o presidente da mesa, ministro Antonio Carlos Ferreira, lembrou que a arbitragem vem se ampliando no Brasil desde a edição da Lei 9.307/1996, que disciplinou o instituto.

Ao destacar que os meios extrajudiciais de resolução de conflitos já fazem parte do cotidiano jurídico do Brasil, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, ressaltou a importância de se promoverem debates a respeito do tema, para a “criação dos contornos finos da arbitragem, seja pela prática dos tribunais arbitrais, seja pela jurisprudência dos tribunais brasileiros acerca dos inevitáveis conflitos”.

Contratos inter​​nacionais

A primeira palestrante foi a professora da Universidade do Porto Maria João Mimoso, que, além das atividades acadêmicas, atua como árbitra em Portugal. Ela falou sobre o uso da arbitragem nos contratos internacionais.

“Antes de tudo, a questão preliminar é sabermos se estamos, de fato, diante de um contrato internacional”, afirmou a professora ao ressaltar que esse entendimento ajuda a responder se é possível a aplicação das normas de direito interno ao caso.

A professora disse que há visões distintas sobre o que caracteriza um contrato como internacional, podendo a definição ter por base a sede das empresas contratantes, o proveito econômico do contrato ou, na abordagem jurídica, o Estado onde o contrato submetido à arbitragem produz efeitos.

“O melhor direito é aquele que consegue atender os interesses das partes. Não é necessariamente a norma interna de um Estado”, destacou Maria Mimoso.

Disp​​ute boards

A advogada Joana D’arc Amaral Bortone apresentou os dispute boards, que são comitês criados para acompanhar a execução de um contrato. Segundo ela, o dispute board pode, por exemplo, analisar um conflito e sugerir a arbitragem ou até mesmo a judicialização do caso.

As atribuições do dispute board são definidas no contrato, e a ferramenta é utilizada em casos bem específicos, de acordo com a advogada – como em contratos da construção civil com seus fornecedores.

Ela explicou que as decisões dos dispute boards podem ser recomendações vinculantes, não vinculantes, ou um sistema híbrido – o que é definido pela cláusula contratual que institui e prevê a atuação dessa ferramenta de solução extrajudicial de conflitos.

Joana Bortone mencionou que a iniciativa ganha força no Brasil, e o município de São Paulo aprovou uma lei em 2018 para utilizar os dispute boards nos contratos administrativos firmados pela prefeitura com fornecedores.

Segurança j​urídica

A advogada Anna Maria da Trindade dos Reis proferiu palestra sobre homologação de decisão arbitral estrangeira. Ela destacou o importante papel do STJ (responsável por processar e julgar, originariamente, desde 2004, o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras) na efetivação da segurança jurídica. Segundo Anna Maria, a expectativa dos empresários que investem no país é que contratos e acordos sejam cumpridos.

“É importante para o desenvolvimento brasileiro que as decisões arbitrais façam parte das relações comerciais entre os países. Assim, o Brasil pode participar e ser parceiro de contratos internacionais e ter a segurança de que o Judiciário estará presente na homologação das decisões.”

Árbitra certificada pelo centro de mediadores do Instituto de Ensino do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), Anna Maria também citou julgados realizados nessa corte e lembrou a Convenção de Nova York, assinada em 1958, com a adesão de mais de 130 países. Considerado o documento mais importante no âmbito do direito arbitral internacional, o acordo multilateral trata do reconhecimento e da execução de decisões arbitrais estrangeiras.

“A junção da Lei de Arbitragem, da Convenção de Nova York e da firme jurisprudência do STJ contribui para que o Brasil se torne um grande parceiro comercial, tendo em vista a paz e a segurança jurídica que traz”, finalizou a advogada.

Mudança cu​​ltural

No encerramento do painel, ao falar sobre o tema “Arbitragem e a Jurisprudência dos Tribunais Superiores”, o ministro Luis Felipe Salomão ressaltou que o evento é importante porque o país passa por um momento de mudança cultural no direito, em que as soluções extrajudiciais ganham espaço. “Um registro importante a se fazer é que, a partir do ano de 2018, as formas consensuais de solução de conflitos passaram a ser disciplina obrigatória nas faculdades.”

Destacou também o negócio processual, inovação do Código de Processo Civil de 2015 que permite às partes – quando a demanda tratar de direitos que admitam autocomposição – estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, as faculdades e os deveres processuais, antes ou durante o processo.

O ministro citou ainda precedentes do STJ que ele considera relevantes para a consolidação da jurisprudência do tribunal sobre o tema, como as SECs 14.930 9.412 e os REsps 1.639.0351.189.0501.704.551 e 1.465.535.