“Apelamos às nações que regulamentem a publicidade dirigida às crianças, de acordo com o dever dos Estados de proteger os menores de danos. Tais campanhas comerciais têm o potencial de moldar o comportamento de consumo e financeiro das crianças a longo prazo e elas estão crescendo em número e alcance”, pediram especialistas da ONU em 2016, em texto publicado por ocasião do Dia Internacional da Juventude.

No início do mesmo ano, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamentohistórico, criou o primeiro precedente que considerou abusiva a publicidade de alimentos dirigida direta ou indiretamente ao público infantil. Em seu voto, o ministro relator do caso, Humberto Martins, destacou a existência de ilegalidade em campanhas publicitárias de fundo comercial que “utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil”.

“A compra e o consumo de gêneros alimentícios, sobretudo em época de crise de obesidade, deve residir com os pais”, afirmou o magistrado.

Assim como o relator, o ministro Herman Benjamin, especialista em direito do consumidor, destacou a titularidade da família sobre a decisão a respeito daquilo que deve ser consumido pelas crianças.

“Decisão sobre alimento, como medicamento, não é para ser tomada pelos fornecedores. Eles podem oferecer os produtos, mas sem retirar a autonomia dos pais, e mais do que tudo, não dirigir esses anúncios às crianças e, pela porta dos fundos, de novo tolherem essa autonomia dos pais”, afirmou o ministro.

O olhar dos pais

Rebeca Evangelista, moradora de Águas Claras (DF), é uma das mães brasileiras que enfrentam diariamente o desafio de educar os filhos sem, contudo, excluí-los por completo do acesso aos meios de informação. Para ela, é necessário ter equilíbrio; é importante que a família, a sociedade e o Estado cuidem do que as crianças veem na TV e nas mídias sociais, pois esse conteúdo pode interferir no comportamento e na autoestima dos pequenos.

“A criança ainda está estruturando sua personalidade. Quem eu sou? Do que eu gosto? Do que eu não gosto? Nesse momento há uma busca pela aceitação, a criança quer ser aceita pelos amigos, e também tem a questão da autoestima. Então, se a propaganda fala que algo é legal, que todo mundo está consumindo, que todo mundo está usando, e a criança não tem aquilo, já é uma forma dela se sentir inferior, complexada, excluída.”

Rebeca – mãe de João, de dois anos, e madrasta de Lucas, de 12 – destacou ainda o fato de que a rotina intensa de trabalho dos pais contribui para que a educação das crianças fique cada vez mais “terceirizada” e a TV e as mídias ganhem espaço no imaginário infantil.

“É impossível nos dias de hoje deixar uma criança longe da televisão e das redes sociais. O interessante é sempre conversar, saber da vida do filho, para ajudar nesse processo de amadurecimento e formação de senso crítico.”

Obesidade

A decisão do STJ representou uma importante etapa no desafio enfrentado pela sociedade brasileira no combate à obesidade infantil, além de proteger as crianças de práticas publicitárias abusivas que conduzem à cultura do consumo, presente em todo o mundo e fomentada pelo uso excessivo e indevido dos meios de comunicação – principalmente a TV e a internet.

Um estudo realizado em junho de 2018 pela revista Crescer aponta que 38% das crianças com menos de dois anos já têm um aparelho digital. A pesquisa TIC Kids On-line Brasil 2017, divulgada também em 2018 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), revela que cerca de oito em cada dez crianças e adolescentes (85%) com idades entre 9 e 17 anos eram usuários de internet em 2017 – o que corresponde a 24,7 milhões de jovens nessa faixa etária em todo o país.

Venda casada

O processo chegou ao STJ após a empresa Pandurata Alimentos, dona da marca Bauducco, recorrer de decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que julgou procedente Ação Civil Pública (ACP) do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e considerou como venda casada a campanha “É Hora de Shrek”.

Na promoção, a Bauducco condicionava a aquisição de um relógio de pulso com a imagem do ogro Shrek e de outros personagens do desenho à apresentação de cinco embalagens dos produtos “Gulosos”, além do pagamento adicional de R$ 5,00.

A ACP teve origem em atuação do Instituto Alana, que alegou abuso da campanha e intenção de venda casada.

“A propaganda que se dirige a uma criança de cinco anos, que condiciona a venda do relógio à compra de biscoitos, não é abusiva? O mundo caminha para a frente. O Tribunal da Cidadania deve mandar um recado em alto e bom som: que as crianças serão, sim, protegidas”, sustentou a advogada do instituto no julgamento do caso.

Decisão correta

Rebeca Evangelista concorda com a decisão do STJ, pois, segundo disse, ela traz segurança para os pais e principalmente para as crianças, que não conseguem se defender das armadilhas desse tipo de publicidade.

“Eu, como mãe, acho muito correta a decisão do STJ. As crianças são mais importantes do que qualquer coisa, precisam ter seus diretos defendidos pelo Estado e por todos, e as empresas precisam ter responsabilidade ao divulgar seus produtos. Afinal, elas estão passando informações para alguém que ainda não tem capacidade de escolha. ”

A turma

A decisão da Segunda Turma foi unânime. Faziam parte do colegiado à época os ministros Assusete Magalhães (presidente), Humberto Martins (relator), Mauro Campbell Marques, Herman Benjamin e Diva Malerbi (desembargadora convocada do TRF3).

A série 30 anos, 30 histórias apresenta reportagens especiais sobre pessoas que, por diferentes razões, têm suas vidas entrelaçadas com a história de três décadas do Superior Tribunal de Justiça. Os textos são publicados nos fins de semana.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1558086

Em 2013, quando duas jovens cometeram suicídio após descobrirem que imagens íntimas foram divulgadas pelas redes sociais e por meio de aplicativos como o WhatsApp, o Brasil ampliou a compreensão de que, no caso de crimes virtuais contra a mulher, o ambiente é digital, mas as consequências são reais.

A crescente percepção de que crimes e discriminações encontraram na rede um ambiente propício para a propagação massiva e o anonimato não parece, contudo, ter freado o número de casos de violência de gênero. Dados divulgados pela ONG SaferNet – que atua na defesa dos direitos humanos em ambientes virtuais – apontaram que as denúncias de crimes ligados à violência contra a mulher tiveram uma explosão no ano passado: em 2017, foram registradas 961 denúncias desse tipo, contra 16.717 em 2018 – um crescimento de 1.640%.

Os dados foram recolhidos pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, plataforma de denúncias de crimes na rede mantida pela SaferNet em parceira com instituições como o Ministério Público Federal.

Por meio da Central de Ajuda SaferNet – canal que permite a vítimas de crimes virtuais a busca de auxílio e orientação –, foram registrados, em 2018, 669 casos relacionados ao sexting ou sextorsão – crime em que o agressor usa imagens íntimas para chantagear a vítima. Nesses casos, 66% das vítimas são mulheres, e a maioria dos crimes tem relação com o vazamento de imagens em que elas estão sem roupa (conhecidas como “nudes”).

Ainda que a violência contra a mulher praticada em ambientes virtuais seja tema relativamente novo para os tribunais brasileiros, o Judiciário tem participado ativamente das repercussões cíveis e criminais dessa espécie de crime on-line, que ganhou novos parâmetros após a introdução de inovações legislativas, como a Lei 12.737/12 e o Marco Civil da Internet, em 2014.

Mais recentemente, em 2018, foi publicada a Lei 13.772/18, que alterou a Lei Maria da Penha para criminalizar o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual de caráter íntimo e privado.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), os casos julgados até o momento referem-se principalmente a indenizações cíveis pela exposição não autorizada de imagens íntimas na internet, processos penais sobre crimes cometidos em ambiente on-line e discussões sobre a competência para o julgamento de ofensas na rede virtual.

Imagens vazadas

Em 2017, a Quarta Turma fixou indenização de R$ 114 mil a uma mulher que teve imagens íntimas vazadas na internet após ter sido fotografada sem autorização durante ato sexual com o seu namorado.

Segundo a mulher, o casal estava em um quarto privado, disponibilizado aos frequentadores de uma festa em São Paulo. Apesar de o espaço ser reservado e protegido (inclusive por seguranças), os namorados foram surpreendidos por duas pessoas, que os fotografaram e fugiram. Dias depois, as fotos foram compartilhadas na internet.

Relator do recurso da mulher na turma, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que, nas hipóteses de compartilhamento virtual de imagens íntimas, a repercussão na internet aumenta o sofrimento das vítimas, pois, ao contrário dos acusados – que costumam permanecer anônimos –, elas têm sua privacidade devassada.

No caso dos autos, Salomão apontou que a exposição das fotografias trouxe transtornos imensuráveis e injustificáveis à vítima, violando diretamente o seu direito à intimidade.

“Saliente-se que a conduta repreendida é aquilo que se conceituou sexting, forma cada vez mais frequente de violar a privacidade de uma pessoa, que reúne, em si, características de diferentes práticas ofensivas e criminosas. Envolve ciberbullying, por ofender moralmente e difamar as vítimas que têm suas imagens publicadas sem o consentimento e, ainda, estimula a pornografia infantil e a pedofilia em casos envolvendo menores”, afirmou o ministro ao fixar a indenização por danos morais.

Extorsão pela internet

Em 2017, o ministro Rogerio Schietti Cruz manteve a prisão preventiva de um jovem acusado de cometer crimes sexuais e extorsão contra mulheres e adolescentes pela internet. De acordo com os autos, ele utilizava redes sociais para compelir suas vítimas a enviar fotos e vídeos íntimos e depois exigia que elas lhe entregassem dinheiro e outros bens para não divulgar o conteúdo.

Ao analisar os argumentos da defesa no pedido de habeas corpus – como a primariedade, as condições socioeconômicas do réu e a residência fixa –, o ministro apontou evidências nos autos de que o acusado se aproveitou da vulnerabilidade das vítimas no ambiente virtual para exigir valores cada vez mais altos a cada ato de extorsão. Segundo a ação, as ameaças eram estendidas às famílias das vítimas.

Em relação ao argumento de que o acusado estaria trabalhando e teria condições socioeconômicas favoráveis, Schietti lembrou que os delitos dessa natureza são praticados independentemente dos aspectos pessoais e socioeconômicos do agente, já que estão “diretamente relacionados ao comportamento sexista, comumente do gênero masculino”.

De acordo com o ministro Schietti, impulsionados pela oportunidade do anonimato concedido pelo mundo virtual, que permite a criação de perfis falsos em redes sociais, esses indivíduos “praticam atos de exploração do corpo feminino, levados a extremos como a prática (virtual ou presencial) de atos libidinosos, para a satisfação da própria lascívia”.

Intimidações por aplicativo

Nas hipóteses de ameaças por meio de redes sociais, como o Facebook, e aplicativos, como o WhatsApp, o juízo competente para o julgamento de pedido de medidas protetivas é aquele de onde a vítima tomou conhecimento das intimidações, por ser este o local de consumação do crime previsto pelo artigo 147 do Código Penal.

Esse foi o entendimento da Terceira Seção ao fixar, em março de 2018, a competência da comarca de Naviraí (MS) para a análise de pedido de concessão de medidas protetivas em favor de mulher que teria recebido mensagens de texto com ameaças pelo WhatsApp e Facebook de pessoa residente em Curitiba.

Segundo os autos do Conflito de Competência 156.284, primeiro houve violência física contra a mulher na capital paranaense, com a consequente prisão do agressor. Após ter sido colocado em liberdade, o homem teria enviado mensagens ameaçadoras à mulher por meio das plataformas digitais.

Inicialmente, o juízo de Naviraí havia declinado de sua competência para a análise do caso porque o homem morava em Curitiba e da cidade partiram as supostas ameaças. Ao receber os autos, o juízo de Curitiba suscitou o conflito negativo de competência.

O ministro Ribeiro Dantas, relator do conflito, destacou que o artigo 70 do Código de Processo Penal estabelece que a competência será, em regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração. E o crime de ameaça, tipificado pelo artigo 147 do Código Penal, consuma-se no momento em que a vítima toma conhecimento da provocação.

“Independentemente do local em que praticadas as condutas de ameaça e da existência de fato anterior ocorrido na comarca de Curitiba, deve-se compreender a medida protetiva como tutela inibitória que prestigia a sua finalidade de prevenção de riscos para a mulher, frente à possibilidade de violência doméstica e familiar”, concluiu o ministro ao fixar como competente a comarca de Naviraí.

Ameaças via Facebook

Em outro conflito de competência, a Terceira Seção estabeleceu na Justiça Federal a atribuição de julgar um caso de ameaça em que o suposto criminoso, que vive nos Estados Unidos, teria utilizado o Facebook para intimidar uma mulher residente no Brasil.

Nos autos que deram origem ao conflito, a mulher pleiteou a fixação de medidas protetivas no âmbito da Justiça estadual em razão de supostas ameaças sofridas, por meio do Facebook, por homem com quem manteve relacionamento quando realizou intercâmbio nos Estados Unidos.

Ao analisar os autos, a Justiça estadual entendeu que competiria à Justiça Federal processar e julgar crimes previstos em convenção internacional quando o delito tiver início fora do país e resultado no Brasil, conforme o artigo 109 da Constituição Federal. Entretanto, a Justiça Federal de primeiro grau determinou a redistribuição dos autos à Justiça estadual por concluir, entre outros fundamentos, que as convenções internacionais tratadas nos autos não preveem nenhum tipo penal referente à violência doméstica.

Entre os tratados internacionais, estão a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

Com base em entendimento do Supremo Tribunal Federal, a Terceira Seção concluiu que, embora as convenções firmadas pelo Brasil em temas ligados ao combate à violência contra a mulher não tipifiquem o crime de ameaça, a Lei Maria da Penha, que prevê a fixação de medidas protetivas, concretizou o dever assumido pelo país de proteção à mulher contra toda forma de violência.

“Ademais, no caso concreto é evidente a internacionalidade das ameaças que tiveram início nos EUA e, segundo relatado, tais ameaças foram feitas para a suposta vítima e seus amigos, por meio da rede social de grande alcance, qual seja, pelo Facebook”, afirmou o relator do conflito de competência, ministro Joel Ilan Paciornik.

Os números de alguns processos não são divulgados em razão de segredo judicial.

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Ministro determina transferência de travesti para ala feminina de presídio

Em decisão inédita no Superior Tribunal de Justiça (STJ),o ministro Rogerio Schietti Cruz garantiu a um travesti preso em regime semiaberto o direito de pernoitar na ala feminina do Presídio Estadual de Cruz Alta (RS). Por falta de espaço adequado na penitenciária, o travesti era mantido em alojamento ocupado por presos do sexo masculino.

Na decisão liminar, o ministro Schietti entendeu que a permanência do travesti em local absolutamente impróprio para uma pessoa que se identifica e se comporta como transgênero feminino, além de violar o princípio da dignidade da pessoa humana, poderia ocasionar violência física, psíquica e moral, “dada a característica ainda patriarcal e preconceituosa de boa parte de nossa sociedade, agravada pela promiscuidade que caracteriza ambientes carcerários masculinos”.

Após o cumprimento de uma parte da pena em regime fechado, o travesti foi autorizado a realizar trabalho externo, com recolhimento noturno ao presídio. Todavia, em razão da ausência de cela especial para abrigar pessoas LGBT no presídio local, o juiz indeferiu o pedido de pernoite em cela feminina.

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Apesar de entender que a melhor opção seria a instalação de celas especiais no Presídio Estadual de Cruz Alta, o tribunal destacou que a penitenciária chegou a ser interditada por problemas estruturais e de superlotação, não havendo possibilidade de adoção de medidas para atender a pessoas com diferentes orientações sexuais e identidades de gênero.

Peculiaridades

O pedido de habeas corpus foi apresentado ao STJ pela Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, a qual alegou que o preso, ao ser mantido em alojamento masculino, estava sofrendo violência psíquica, moral e até de cunho sexual.

Segundo a defesa, a separação das penitenciárias apenas entre homens e mulheres gera violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que desconsidera as identificações de gêneros das pessoas recolhidas que não se enquadram nem como homens, nem como mulheres, em virtude das peculiaridades de transgeneridade.

Sem preconceitos

O ministro Rogerio Schietti lembrou que a Constituição brasileira apresenta, já em seu preâmbulo, a busca pela construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Ele também lembrou que, de acordo com os Princípios de Yogyakarta, a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais para a dignidade e humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de discriminação ou abuso.

Além disso, Schietti apontou que, de acordo com a Resolução Conjunta 1 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, deverão ser oferecidos aos travestis e homossexuais privados de liberdade em unidades prisionais masculinas espaços de vivência específicos, em atenção à sua segurança e especial vulnerabilidade.

Por essas razões, segundo o ministro, é “absolutamente imprópria” para quem se identifica e se comporta como transgênero feminino a permanência noturna em espaço ocupado por presos do sexo masculino – o que exigiria sua colocação em espaço próprio de vivência, de modo compatível com a sua identificação de gênero em conformidade com a dignidade da pessoa em cumprimento de sanção criminal.

Entretanto, em virtude da informação do TJRS de que não há espaço adequado no presídio local, Schietti entendeu que, por enquanto, o travesti deverá ao menos pernoitar em ambiente menos hostil, preferencialmente em cela individual.

“De toda sorte, em nenhuma hipótese poderá a paciente continuar a pernoitar no alojamento masculino do Presídio Estadual de Cruz Alta ou de qualquer outro estabelecimento penal do Estado do Rio Grande do Sul”, concluiu o ministro ao deferir o pedido de liminar.

O mérito do habeas corpus ainda será julgado pela Sexta Turma.

Leia a decisão.

A previdência social é um direito garantido no artigo 6º da Constituição Federal aos trabalhadores urbanos e rurais. Para ter acesso aos benefícios previdenciários – tais como aposentadoria, auxílio-doença, salário-maternidade e pensão por morte, entre outros –, o segurado precisa ter exercido atividade laboral e contribuído com parte de sua remuneração para a manutenção do sistema.

No Brasil, o Regime Geral de Previdência, de caráter contributivo, é de filiação obrigatória, mas um enorme contingente de trabalhadores está fora dele: o trabalho informal atingiu 37,3 milhões de pessoas em 2017 – número maior que em 2016, quando 35,6 milhões de brasileiros estavam nessa situação. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A situação é ainda pior no meio rural e com trabalhadores do sexo feminino.

Dados divulgados em 2014 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontaram que mais de 60% dos trabalhadores rurais estavam na informalidade em 2012, conforme pesquisa realizada pelo IBGE.

Artigo publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2017 estimou que cerca de 17 milhões de mulheres realizavam trabalho doméstico, representando mais de 90% das pessoas dedicadas a essa atividade na época, sendo que os níveis de informalidade chegavam perto dos 70%.

Demandas judiciais

Os altos níveis de informalidade geram baixa renda, instabilidade no trabalho, falta de proteção e cerceamento de direitos. Aumentam, com isso, as demandas judiciais que procuram assegurar garantias mínimas a esses trabalhadores – principalmente às mulheres, em geral mais vulneráveis.

Duas situações frequentes em processos julgados no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que chamam a atenção pela precariedade social experimentada pelas personagens envolvidas, dizem respeito às trabalhadoras do campo que buscam reconhecimento da atividade desenvolvida em regime familiar para fins de aposentadoria e às índias menores de 16 anos, grávidas, que lutam pela concessão do salário-maternidade na qualidade de seguradas especiais.

Extensão

No julgamento das Ações Rescisórias 2.544 e 3.686, a Terceira Seção do STJ reconheceu que os documentos que atestam a condição de lavrador do cônjuge (certidão de casamento da qual conste a ocupação do cônjuge, certidão de nascimento dos filhos etc.) constituem início razoável de prova documental, para fins de comprovação de tempo de serviço da trabalhadora rural.

O colegiado posicionou-se no sentido de que a qualidade de rurícola da mulher funciona como extensão do atributo de segurado especial do marido. Dessa forma, se o marido desempenhava trabalho no meio rural, em regime familiar e para subsistência, presume-se que a esposa também o realizava.

O entendimento foi aplicado pelo ministro Jorge Mussi ao relatar a Ação Rescisória 4.340.

Pro misero

Esses casos de aposentadoria da mulher que trabalhava em regime de agricultura familiar têm sido objeto de muitas ações rescisórias em razão de mudanças na jurisprudência, que passou a aceitar documentos pré-existentes à ação como se fossem documentos novos aptos a justificar a rescisória.

Sobre o tema, o ministro Nefi Cordeiro, na relatoria da Ação Rescisória 4.209, destacou que, apesar de a ação rescisória ser medida excepcional com cabimento previsto em rol taxativo no artigo 485 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, o STJ tem adotado no caso dos trabalhadores rurais “critérios interpretativos favorecedores de uma jurisdição socialmente justa”, admitindo, assim, com maior extensão, documentação comprobatória da atividade desempenhada, ainda que sob a categoria jurídica de documentação nova, para fins de ação rescisória.

“A apresentação de tais documentos na presente via é aceita por este superior tribunal ante o princípio do pro misero e a específica condição dos trabalhadores rurais no que concerne à produção probatória, fazendo com que, em casos como o presente, haja a necessidade de conhecer de tais documentos, mesmo quando tardiamente apresentados em juízo rescisório, para efeito de concessão do benefício previdenciário em questão”, afirmou o relator.

Mulheres indígenas

No Recurso Especial 1.650.697 – interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) –, a Segunda Turma do STJ acompanhou o voto do relator, ministro Mauro Campbell Marques, e entendeu que o sistema previdenciário protege as seguradas especiais indígenas grávidas, ainda que com idade inferior a 16 anos.

Na ação, o MPF pediu o afastamento da aplicação dos artigos  e 11 do Decreto 3.048/99, para que as adolescentes indígenas gestantes, mesmo menores de 16 anos, tivessem garantido o direito à percepção do salário-maternidade.

O INSS sustentou que a condição de segurada especial pelas indígenas é tema controverso, que elas devem cumprir os mesmos requisitos que qualquer trabalhador para o recebimento dos benefícios previdenciários e que o artigo 11, VII, da Lei 8.213/1991 disciplina que a cobertura previdenciária do segurado especial somente se inicia aos 16 anos.

Proteção

Em seu voto, o ministro relator ressaltou que a Constituição Federal, a Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais de 1989 (ratificada pelo Brasil em 2002) e o Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973) vedam discriminações entre os indígenas e os demais trabalhadores, consideradas as peculiaridades sociais, econômicas e culturais de suas comunidades.

Além disso, o magistrado destacou que, embora o ordenamento jurídico tenha os 16 anos como idade mínima para o trabalho fora da condição de aprendiz, não se pode admitir que o trabalho já prestado pelo menor, ainda que de forma indevida, deixe de assegurar seus direitos.

“As regras de proteção da criança e do adolescente não podem ser utilizadas com o escopo de restringir direitos, pois, do contrário, estar-se-ia colocando os menores em situação ainda mais vulnerável, afastando a proteção social garantida pelo ordenamento jurídico”, afirmou o relator.

No mesmo sentido votaram os ministros Napoleão Nunes Maia Filho no julgamento do REsp 1.440.024, Humberto Martins no Agravo Regimental no REsp 1.559.760, e Herman Benjamin no REsp 1.709.883.

“Esta corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo, aplicando-se o princípio da universalidade da cobertura da seguridade social”, afirmou o ministro Napoleão Nunes Maia Filho em seu voto como relator do REsp 1.440.024.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):AR 4340AR 3686AR 2544AR 4209REsp 1709883REsp 1650697REsp 1559760

Diante da luta das mulheres por igualdade de direitos e de participação no mercado de trabalho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem garantido tratamento diferenciado para elas quando o assunto é concurso público com exigências físicas.

Tal tratamento tem o intuito de observar o “princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças”, como afirma o ministro Dias Toffoli – atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) – no RE 658.312, julgado sob o regime de repercussão geral. Ele garante não haver ofensa ao princípio da isonomia na aplicação de padrões diferentes dos masculinos.

Segundo Toffoli, o princípio da igualdade estabelecido pela Constituição Federal de 1988 não é absoluto, tendo a Carta Magna se utilizado de alguns critérios para o tratamento diferenciado entre homens e mulheres.

De acordo com o ministro do STF, a Constituição “levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho; considerou existir um componente orgânico a justificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher; e observou um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho”.

Equilíbrio das forças produtivas

Esse entendimento está expresso no voto do ministro do STJ Herman Benjamin no RMS 47.009. O ministro explica que, ao levar em consideração a diferença de estatura entre os gêneros, o edital que prevê exigências distintas para eles e elas está em conformidade com o objetivo constitucional de “proteção e inserção da mulher no mercado de trabalho como mecanismo de equilíbrio das forças produtivas (artigo 7º, XX, da CF)”.

O caso julgado teve origem em mandado de segurança impetrado por candidato eliminado de concurso público para soldado da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, em razão da exigência de altura mínima de 1,65m para candidatos do sexo masculino. Ele alegou que, ao se fixar estatura mínima inferior para as mulheres, de 1,60m, haveria violação ao princípio da isonomia.

Conforme afirma Benjamin, “a diferenciação de critério de altura mínima entre homem e mulher para ingresso, mediante concurso, em cargo público não se afigura, por si só, como violação do princípio da isonomia”.

De acordo com o ministro, a jurisprudência dos tribunais superiores é pacífica no sentido de que “é constitucional a exigência de altura mínima para o ingresso em carreiras militares, desde que haja previsão legal específica”, como no caso.

Benjamin mencionou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para ilustrar que, com base nos princípios da Constituição, é admitido o tratamento diferenciado entre homens e mulheres “em situações específicas em que se consubstancie a igualdade material entre os gêneros, notadamente, como no presente caso, em que o componente distintivo orgânico indica que estatisticamente a altura média do homem brasileiro de 18 anos era de 1,72m em 2008, enquanto que a da mulher brasileira era de 1,61m (fonte: IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009)”.

Gravidez avançada

No RMS 28.400, da relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior, uma candidata grávida foi excluída do concurso para soldado da Polícia Militar da Bahia por deixar de apresentar três dos 28 laudos de exames exigidos: a radiografia, o teste ergométrico e o preventivo. Isso porque estava no último mês de gravidez à época da terceira etapa do certame, e naquela fase da gestação os exames seriam prejudiciais ao bebê.

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de não ser possível conferir tratamento diferenciado a candidato em razão de alterações fisiológicas temporárias, quando o edital proíbe expressamente a realização de novo teste de aptidão física, em homenagem ao princípio da igualdade, devendo ser eliminado o candidato que não comparece à realização do teste. Apesar disso, o ministro relator entendeu que “a gravidez não pode ser motivo para fundamentar nenhum ato administrativo contrário ao interesse da gestante, muito menos para lhe impor qualquer prejuízo, tendo em conta a proteção conferida pela Carta Constitucional à maternidade (artigo 6º, CF)”.

A solução para esse caso deu-se conforme o pensamento do STF, que “admite, excepcionalmente, a possibilidade de remarcação de data para avaliação, para atender o princípio da isonomia, em face da peculiaridade (diferença) em que se encontra o candidato impossibilitado de realizar o exame, justamente por não se encontrar em igualdade de condições com os demais concorrentes”.

Sebastião Reis Júnior explicou ainda que a jurisprudência do STF se firmou no sentido de que “não implica ofensa ao princípio da isonomia a possibilidade de remarcação da data de teste físico, tendo em vista motivo de força maior”, como pode ser visto no AgRg no AI 825.545, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski.

O entendimento foi seguido pela Sexta Turma do STJ no RMS 31.505, em que se discutiu o caso de candidata a escrivã da Polícia Civil do Ceará eliminada do concurso por estar com seis meses de gravidez no momento do teste de aptidão física, o que a impediu de fazer a prova. A candidata apresentou laudo médico atestando que haveria risco para o bebê.

O edital não proibia grávidas, mas determinava que nenhum candidato teria tratamento diferenciado em razão de problemas que diminuíssem sua capacidade física ou impedissem sua participação nos testes. O colegiado, porém, entendeu que a proteção constitucional à maternidade não só autoriza como impõe a dispensa de tratamento diferenciado à candidata gestante, sem que isso represente violação ao princípio da isonomia.

Diferenciação positiva

No RMS 44.576, de relatoria do ministro Humberto Martins, um candidato ao cargo de sargento da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul alegou desigualdade para as promoções dos policiais, pois o preenchimento das vagas adota critério diferente para homens e mulheres, sendo necessários 26 anos de efetivo exercício para eles e 23 para elas.

A Segunda Turma do STJ entendeu que a diferenciação, em si mesma, “não se traduz na preterição de homens em detrimento de mulheres”, uma vez que as vagas de cada grupo são diferenciadas.

De acordo com o colegiado, há amparo legal para tal diferenciação. Também, para o ministro Martins, “a existência de critérios diferenciados para promoção de mulheres não viola o princípio da igualdade, tal como está insculpido no artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal”.

O ministro ainda citou em seu voto precedente no qual o STF apreciou matéria similar e concluiu que o estabelecimento de critérios diferenciados para promoção de militares, em razão das peculiaridades de gênero, não ofende o princípio da igualdade (AI 786.568, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski).

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):RMS 47009RMS 28400RMS 31505RMS 44576

Para incentivar e garantir a igualdade de oportunidades no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foram publicadas nesta sexta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, três alterações em atos administrativos do tribunal que beneficiam suas servidoras e estagiárias:

1. A partir de agora, as indicações para ocupar cargos em comissão e funções de confiança dos Grupos Direção e Assessoramento devem respeitar, na medida do possível, a proporcionalidade entre homens e mulheres;

2. A servidora que estiver em licença-maternidade terá prioridade na marcação de férias imediatamente após o período da licença, direito assegurado também ao homem no exercício de licença-paternidade;

3. Para as estagiárias que deixarem o estágio após o nascimento do filho, fica garantido o reinício do estágio no tribunal, sem necessidade de participar em novo processo seletivo.

Igualdade

O presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, afirmou que a atualização dos normativos estimula o trabalho da mulher no tribunal e está de acordo com a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário, instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a Resolução 255/2018.

“Estamos adotando uma série de medidas para assegurar o equilíbrio de oportunidades entre homens e mulheres nas unidades do tribunal. Nosso objetivo é que o Judiciário reflita a mesma pluralidade existente na sociedade brasileira. Por isso, é fundamental garantir a participação plena e efetiva das mulheres em igualdade de oportunidades”, afirmou Noronha.

Segundo ele, atualmente a corte apresenta equilíbrio na ocupação das chefias: de 735 cargos desse nível existentes no STJ, 47% são ocupados por mulheres. O quadro geral de servidores efetivos também apresenta números equânimes: 48,76% do total são mulheres. A maior participação proporcional feminina está entre os estagiários do tribunal, grupo no qual elas representam 57,22%.

O que muda

Resolução 6, de 1º de março de 2019. Artigo 2º, parágrafo 4º: As indicações para ocupação de cargos em comissão e funções de confiança dos Grupos Direção e Assessoramento devem, na medida do possível, respeitar a proporcionalidade entre homens e mulheres.

Resolução 5, de 1º de março de 2019. Artigo 6º, parágrafo único: A servidora em gozo de licença à gestante e o servidor em gozo de licença-paternidade terão prioridade na marcação das férias em período imediatamente posterior ao término da licença.

Instrução Normativa 6, de 1º de março de 2019. Artigo 38: A estagiária desligada a pedido em razão de nascimento de filho pode reiniciar estágio no Tribunal com dispensa de participação em novo processo seletivo.

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Entregue à Câmara dos Deputados em 7 de fevereiro, a proposta de reforma da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) reforça os mecanismos de punição contra o narcotráfico ao criar tipos penais mais específicos, com penas que variam de acordo com a gravidade da conduta – algumas maiores que as da lei atual.

Na elaboração do anteprojeto houve uma preocupação especial com o combate ao grande tráfico, ao seu financiamento e ao comércio internacional de drogas, e também com a redução da margem de subjetividade dos juízes na aplicação da lei.

Redigida por uma comissão de juristas encabeçada pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ribeiro Dantas e Rogerio Schietti Cruz, a proposta, por outro lado, tira do campo de ação da Justiça criminal as pessoas envolvidas com drogas em quantidade que caracterize uso pessoal – até dez doses, conforme a definição do texto apresentado à Câmara.

Clique nas fotos abaixo para ler as entrevistas dos ministros Ribeiro Dantas e Rogerio Schietti sobre alguns dos aspectos mais relevantes do anteprojeto da nova Lei de Drogas.

Ribeiro Dantas: Anteprojeto da nova Lei de Drogas foca na repressão ao grande tráfico com critérios objetivos

Rogerio Schietti: Descriminalização de drogas para uso pessoal é aposta contra encarceramento desnecessário
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A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que é de dez anos o prazo de prescrição para o ajuizamento de ação de repetição de indébito por cobrança indevida de serviços de telefonia não contratados.

O entendimento da Corte é que tais cobranças devem seguir a norma geral prevista no artigo 205 do Código Civil, de dez anos, a exemplo do que foi decidido pelo STJ nos casos de ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto (a jurisprudência foi consolidada na Súmula 412).

Nos embargos de divergência analisados pela Corte Especial, o recorrente alegou divergência entre acórdãos da Primeira e da Segunda Seção do tribunal. Foram citados acórdãos das turmas de direito privado que estabeleceram o prazo prescricional de três anos, com base na aplicação do artigo 206, parágrafo 3º, do CC, ao passo que os julgamentos das turmas de direito público fixavam o prazo de dez anos com apoio na regra geral.

Para o relator do recurso na Corte Especial, ministro Og Fernandes, a questão de repetição de indébito por serviços cobrados que não foram contratados não diz respeito a enriquecimento sem causa, o que poderia justificar a aplicação do prazo trienal. Ele explicou que, no caso analisado, há relação contratual entre a operadora e o consumidor e, portanto, isso diz respeito a um fato do serviço.

“A discussão sobre a cobrança indevida de valores constantes de relação contratual e eventual repetição de indébito não se enquadra na hipótese do artigo 206, parágrafo 3º, IV, do Código Civil/2002, seja porque a causa jurídica, em princípio, existe (relação contratual prévia em que se debate a legitimidade da cobrança), seja porque a ação de repetição de indébito é ação específica”, justificou o relator.

Requisitos

O ministro explicou que a pretensão das ações de enriquecimento sem causa possui como requisito o enriquecimento de alguém, o empobrecimento correspondente de outrem, relação de causalidade entre ambos, ausência de causa jurídica e inexistência de ação específica. “Trata-se, portanto, de ação subsidiária que depende da inexistência de causa jurídica”, resumiu Og Fernandes.

Ele citou o Enunciado 188 aprovado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual a existência de negócio jurídico válido e eficaz é, em regra, uma justa causa para o enriquecimento.

Na visão do relator, acompanhada pela maioria dos ministros, a interpretação do prazo estabelecido no artigo 206, parágrafo 3º, deve ser restritiva para os casos subsidiários de ação destinada a recuperar o que foi obtido à custa do prejudicado.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):EREsp 1523744

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a demora em fila de atendimento bancário não lesa o interesse existencial juridicamente tutelado do consumidor e, portanto, não gera direito à reparação por dano moral de caráter individual.

Com esse entendimento, o colegiado, de forma unânime, reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) que havia fixado em R$ 1 mil indenização por dano moral para consumidor que passou mais de duas horas esperando atendimento em fila de banco.

Segundo os autos, um advogado ajuizou ação individual contra um banco afirmando que teve de esperar duas horas e 12 minutos na fila para recadastrar seu celular em agência na cidade de Ji-Paraná (RO), a fim de poder realizar movimentações financeiras em sua conta.

Ele argumentou que leis municipal e estadual estabelecem 30 minutos como prazo máximo para atendimento e que, mesmo já tendo sido condenado com base nessas leis, o banco não tem melhorado a qualidade do atendimento. Por isso, o advogado requereu indenização de danos morais no valor de R$ 5 mil.

A sentença julgou o pedido improcedente. O TJRO deu provimento à apelação e fixou a indenização em R$ 1 mil. O banco recorreu ao STJ pedindo a reforma do acórdão.

Uniformização

O relator, ministro Luis Felipe Salomão, destacou que a questão não tem recebido tratamento uniforme no STJ. Ele observou que, em casos semelhantes, a Terceira Turma já admitiu a indenização de dano moral coletivo (REsp 1.737.412), com base na “teoria do desvio produtivo do consumidor”.

O ministro citou ainda decisão da Segunda Turma (REsp 1.402.475) que também entendeu ser possível o pagamento de dano moral coletivo por descumprimento de norma local sobre tempo máximo de espera em fila.

Salomão frisou ser importante a uniformização da jurisprudência sobre o tema, ainda mais quando se trata de consumidor pleiteando indenização individual por dano moral decorrente da espera em fila de banco.

Mero desconforto

O Código de Defesa do Consumidor, lembrou o ministro, exige de todos os fornecedores de serviços atendimento adequado, eficiente e seguro. Ele também mencionou o Código Civil e a obrigação de reparação de dano, independentemente de culpa, nos casos especificados na legislação.

Citando a doutrina, Salomão destacou que, para caracterizar a obrigação de indenizar, não é decisiva a questão da ilicitude da conduta, tampouco se o serviço prestado é de qualidade ou não. Para o relator, é necessária a constatação do dano a bem jurídico tutelado.

Segundo afirmou, não é juridicamente adequado associar o dano moral a qualquer prejuízo economicamente incalculável ou a mera punição.

“A espera em fila de banco, supermercado, farmácia, para atendimento por profissionais liberais, em repartições públicas, entre outros setores, em regra é mero desconforto que, segundo entendo, a toda evidência não tem o condão de afetar direito da personalidade, interferir intensamente no bem-estar do consumidor de serviço”, observou.

Litigância frívola

Segundo o ministro, pedir a reparação por dano moral para forçar o banco a fornecer serviço de qualidade desvirtua a finalidade da ação de dano moral, além de ocasionar enriquecimento sem causa.

“De fato, o artigo 4º, II, alíneas ‘a’ e ‘b’, do Código de Defesa do Consumidor estabelece que a Política Nacional das Relações de Consumo implica ação governamental para proteção ao consumidor, sendo certo que, presumivelmente, as normas municipais que estabelecem tempo máximo de espera em fila têm coerção, prevendo a respectiva sanção (multa), que caberá ser aplicada pelo órgão de proteção ao consumidor competente, à luz de critérios do regime jurídico de direito administrativo”, disse.

Ao julgar improcedente o pedido formulado na ação inicial, Salomão ressaltou ainda que o Judiciário não está legitimado e aparelhado para estabelecer limitações à autonomia privada, o que poderia ter consequências imprevisíveis no âmbito do mercado e prejudicar os consumidores, principalmente os mais vulneráveis.

“No exame de causas que compõem o fenômeno processual da denominada litigância frívola, o magistrado deve tomar em consideração que, assim como o direito, o próprio Judiciário pode afetar de forma clara os custos das atividades econômicas, ao não apreciar detidamente todas as razões e os fatos da causa”, destacou.

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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1647452

Ao abrir o seminário Políticas Judiciárias e Segurança Pública, na tarde desta segunda-feira (25), o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, ressaltou que o discurso sobre segurança pública agora engloba a inserção do Poder Judiciário na política nacional para o setor.

“De nada adianta formular políticas públicas se o Judiciário, nos seus julgamentos, nas suas considerações, não as concretizar também”, afirmou o magistrado.

O evento, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e realizado no auditório do STJ, tem como objetivo traçar diagnósticos e elaborar sugestões de criação e aprimoramento das políticas judiciárias relacionadas à temática da segurança pública.

Além do presidente do STJ, compuseram a mesa de abertura o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ; o ministro Alexandre de Moraes, do STF; o ministro Humberto Martins, corregedor nacional de Justiça; o ministro da Justiça, Sergio Moro; o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Participação efetiva

Em seu discurso, Alexandre de Moraes lembrou que pela primeira vez no CNJ foi montada uma comissão para tratar especificamente do tema. “Não há segurança pública em nenhum lugar do mundo se não houver uma participação efetiva do Poder Judiciário. O Poder Judiciário edita os rumos da Justiça criminal”, afirmou.

Já o ministro Humberto Martins destacou que a segurança é um direito social previsto na Constituição de 1988 e que para efetivá-lo é necessário que o juiz, como garantidor de direitos e liberdades individuais, deixe de lado sua visão clássica sobre o tema.

“A visão tradicional do juiz se mostra insuficiente para responder às demandas que o Judiciário deve responder no estado constitucional, no qual os direitos fundamentais incluem tanto as liberdades públicas, como os direitos sociais.”

Para o magistrado, a função de julgar não é meramente declaratória, ela envolve rapidez, sensibilidade e “distribuição da verdadeira justiça”, com respeito aos direitos dos jurisdicionados.

Além do crime

A procuradora-geral da República lembrou que a tragédia ocorrida no município de Brumadinho (MG) está completando um mês. Ao falar sobre o tema, Raquel Dodge advertiu que segurança pública vai além do combate à criminalidade comum.

“Trata-se tanto de caminhar seguro pelas ruas, como de confiar na autoridade policial; tanto de desconstituir facções criminais, quanto de morar seguro ao final da barragem de rejeitos minerais.”

A chefe do Ministério Público também destacou a importância de que a punição seja um momento de reabilitação, e não um treinamento para novos crimes.

Sisbin

O último a discursar foi o ministro Dias Toffoli, que apontou como um dos pontos essenciais nesse novo plano de segurança a proteção aos magistrados e suas famílias, trabalho que envolve o uso da inteligência em prol da atuação do Poder Judiciário, em especial com a participação do poder no Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), o que ainda não ocorre. “Precisamos proteger quem cuida da segurança no país”, disse ele.

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