Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos casos em que a ação de alimentos for dirigida apenas contra um dos coobrigados, e o credor reunir plena capacidade processual, cabe a ele, exclusivamente, provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia ser interpretada como concordância tácita com os alimentos que puderem ser prestados pelo réu que indicou na petição inicial.

Com essa conclusão, a turma negou provimento a um recurso que pretendia suspender o pagamento de pensão alimentícia provisória, em caso no qual a mãe não foi chamada a compor o polo passivo da ação de alimentos ajuizada pela filha apenas contra o pai.

No recurso, o pai alegou que a mãe também deveria integrar o polo passivo, pois ela poderia complementar o valor necessário para a subsistência da filha, a qual era emancipada, morava sozinha e longe dos dois, e não receberia alimentos in natura da genitora. Alegou ainda que a pensão de nove salários mínimos seria paga exclusivamente por ele.

Obrigação divisível

No entendimento da ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, apenas a autora da ação – que possui plena capacidade processual – poderia provocar a integração posterior do polo passivo. Para a magistrada, ao dirigir a ação exclusivamente contra o pai, a filha estaria abdicando da cota-parte da pensão que caberia à mãe, concordando de forma tácita em receber apenas os alimentos correspondentes à cota-parte devida por ele.

A doutrina – explicou Nancy Andrighi – tem entendido que a obrigação alimentar não é solidária, mas divisível, sob o fundamento de que não há disposição legal que autorize a cobrança integral do valor de apenas um dos codevedores, os quais arcam apenas com a cota que cada um puder prestar, no limite de suas possibilidades.

“Na hipótese, a credora dos alimentos é menor emancipada, possui capacidade processual plena e optou livremente por ajuizar a ação somente em face do genitor, cabendo a ela, com exclusividade, provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia em fazê-lo ser interpretada como a abdicação, ao menos neste momento, da cota-parte que lhe seria devida pela genitora coobrigada, sem prejuízo de eventualmente ajuizar, no futuro, ação de alimentos autônoma em face da genitora”, explicou a ministra.

Ao negar provimento ao recurso, Nancy Andrighi destacou que as razões adotadas pelo acórdão recorrido não subsistem, especialmente por não ter havido a correta diferenciação entre os institutos jurídicos do chamamento ao processo (intervenção de terceiro) e do litisconsórcio (ampliação subjetiva da lide) e a correlação de tais institutos com a regra constante do artigo 1.698 do Código Civil de 2002.

“Todavia, a impossibilidade de integração posterior do polo passivo com o ingresso da genitora, pretensão do recorrente, deve ser mantida, por fundamentação distinta, na medida em que a recorrida, autora da ação de alimentos, é menor emancipada e, portanto, possui capacidade processual plena”, disse.

Outros legitimados

Segundo a ministra, quando for necessária a representação processual do credor de alimentos incapaz, o devedor também poderá provocar a integração posterior do polo passivo, a fim de que os demais coobrigados passem a compor a lide. A justificativa é que, nessa hipótese, comumente haverá a fusão do representante processual e devedor de alimentos na mesma pessoa, configurando conflito com os interesses do credor incapaz.

Nancy Andrighi acrescentou ainda que a integração posterior do polo passivo poderá ser igualmente provocada pelo Ministério Público, sobretudo quando ausente a manifestação de quaisquer dos legitimados, de forma a não haver prejuízo aos interesses do incapaz.

Quanto ao momento adequado para a integração do polo passivo, a relatora disse que cabe ao autor requerê-la na réplica à contestação; ao réu, na contestação, e ao Ministério Público, após a prática de tais atos pelas partes.

Em todas as hipóteses, esclareceu, deve ser respeitada a impossibilidade de ampliação objetiva ou subjetiva da lide após o saneamento e organização do processo, em homenagem ao contraditório, à ampla defesa e à razoável duração do processo.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

A educação superior no Brasil, nos últimos anos, ficou mais acessível. Segundo dados  do Censo da Educação Superior, promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC), em 1999 havia cerca de 2,3 milhões de pessoas matriculadas em cursos de ensino superior, e em 2017 esse número já havia superado a casa de 8 milhões; a média de crescimento anual tem sido de 4,6%. Boa parte desse aumento pode ser creditado ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), programa do governo federal.

Atualmente disciplinado pela Lei 13.530/17, o Fies sofreu diversas mudanças na sua regulamentação ao longo do tempo, mas manteve a essência: propiciar à população de baixa renda condições de acesso ao sistema de ensino superior particular, por meio de financiamento a juros baixos – que, em alguns casos, podem ficar em 0%.

Com um número tão grande de pessoas atendidas, a quantidade de controvérsias jurídicas – e, por consequência, de ações judiciais – relacionadas ao Fies acaba sendo também expressiva. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou entendimento sobre vários aspectos do programa.

Impenhorabilidade

Os recursos recebidos pelas instituições de ensino superior por meio do Fies são caracterizados como públicos e não podem ser submetidos a penhora, conforme o artigo 833, IX, do Código de Processo Civil (CPC/15). Isso significa que, caso seja necessária a penhora de ativos de instituição de ensino superior, os créditos eventualmente obtidos por meio do Fies não serão atingidos.

O entendimento foi definido em julgamento da Terceira Turma, em processo de relatoria da ministra Nancy Andrighi. Ela destacou a função social dos créditos, caracterizando-se nessa situação a prevalência do interesse coletivo sobre o particular.

“Muito mais que constituir simples remuneração por serviços prestados, os créditos recebidos do Fies retribuem a oportunidade dada aos estudantes de menor renda de obter a formação de nível superior, de aumentar suas chances de inserção no mercado de trabalho formal e, por conseguinte, de melhorar a qualidade de vida da família”, concluiu a ministra.

(O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial)

CDC 

Um dos pontos que o STJ também discutiu foi a subordinação do Fies às regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Apesar de inicial divergência entre suas turmas, posteriormente, o entendimento do tribunal foi dar ao programa de financiamento estudantil o mesmo tratamento que se aplica aos juros do crédito educativo – os quais, por fazerem parte de uma relação específica, que não se confunde com a relação de consumo, não acompanham as restrições do mercado consumidor.

“Quanto à aplicabilidade do CDC aos contratos de crédito educativo, tenho mantido o entendimento de que o CDC não se aplica a tais contratos, por não se tratar de um serviço bancário, mas de um programa do governo, custeado inteiramente pela União”, destacou a ministra Eliana Calmon (já aposentada) no julgamento do REsp 1.031.694 pela Segunda Turma.

Fiador

Outra questão debatida pela Primeira Seção do STJ foi a legalidade da figura do fiador nos contratos do Fies. O entendimento consolidado pelo tribunal é de que é legal sua exigência como requisito para a celebração do contrato de financiamento estudantil, sendo lícita ainda a exigência de comprovação da sua idoneidade. A questão foi debatida no âmbito do julgamento de demanda repetitiva cadastrada como Tema 349.

Relator do recurso representativo da controvérsia (REsp 1.155.684), o ministro Benedito Gonçalves destacou que existe discricionariedade quanto à escolha do fiador como forma de garantia de pagamento do contrato, não cabendo ao Poder Judiciário interferir nesse aspecto.

Para o ministro, a exigência do fiador não contraria a natureza social do Fies, nem é fator que dificulta o ingresso do estudante no programa: “É de se reconhecer a legalidade da exigência de prestação de fiança, porquanto nela está embutida a legítima prerrogativa do credor de verificar as chances de receber de volta o valor que deu em empréstimo, que investiu, caso o contratante não cumpra os deveres assumidos no contrato”.

O entendimento já havia sido firmado no  Ag 1.108.160, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, o qual entendeu pela legalidade das exigências: “Se é legal a exigência de comprovação de idoneidade do fiador [ já reconhecida em julgados anteriores ], quanto mais legal será a própria exigência de apresentação de fiador pelo estudante para a concessão do crédito estudantil ofertado pelo Fies, de forma que não se pode reconhecer a legalidade de obrigação acessória sem o reconhecimento da legalidade da obrigação principal”.

Capitalização de juros

No mesmo REsp, a Primeira Seção discutiu ainda a possibilidade ou não de capitalização dos juros no financiamento estudantil. A controvérsia foi cadastrada como Tema 350.

O ministro Benedito Gonçalves ressaltou que a jurisprudência do STJ “mantém-se firme no sentido de que, em se tratando de crédito educativo, não se admite sejam os juros capitalizados, haja vista a ausência de autorização expressa por norma específica para tanto, incidindo, à espécie, o enunciado sumular 121 do Supremo Tribunal Federal”.

Dessa maneira, em caso de pagamento indevido dos valores referentes aos Fies, “apurado em liquidação, é perfeitamente viável a repetição simples ou a compensação desse montante em contratos de financiamento estudantil”, decidiu a seção, seguindo o voto do ministro.

Transferência

Outro caso que chegou ao crivo do STJ tratava da transferência de aluna beneficiária do Fies no decorrer do curso. A questão foi debatida em mandado de segurança no qual uma estudante buscava afastar ato do ministro da Educação que teria condicionado a sua mudança de faculdade à adesão da nova instituição ao Fundo Garantidor de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC), visto que o contrato firmado pelas partes previa que essa seria a forma de garantia contratual.

A estudante alegava inconstitucionalidade do regramento do MEC que estabelecia aquela condição para a transferência. Relator do processo, o ministro Mauro Campbell Marques não enxergou qualquer tipo de irregularidade no ato, entendimento que foi seguido pela maioria dos seus colegas da Primeira Seção.

“Ressalta-se, pela análise contratual, que a própria impetrante aceitou como garantia ao contrato tal fundo, não cabendo ao Poder Judiciário substituir tal garantia pelo fiador, como requer” – destacou o ministro no julgamento do MS 19.571.

Novo financiamento

No julgamento do MS 20.169, a Primeira Seção do STJ analisou a possibilidade de concessão de novo financiamento a estudante que já participou do programa, o que é vedado por norma editada pelo MEC.

O ministro Herman Benjamin destacou a limitação de ordem financeira a que o Fies se sujeita, presente tanto na lei que o regula, quanto na portaria que institui a vedação de concessão do benefício a pessoa que já o tenha recebido.

De acordo com o magistrado, “a restrição à obtenção de novo financiamento por aquele que já tenha sido beneficiado pelos Fies anteriormente é decorrência natural dos próprios limites orçamentários dos recursos destinados a essa política pública, além de configurar previsão razoável e alinhada aos ditames da justiça distributiva”.

Por esse aspecto, o ministro decidiu que a concessão de financiamento estudantil não é direito absoluto. “Como não existe verba suficiente para a concessão ilimitada de financiamento estudantil, seria injusto alguém ser beneficiado pelo programa, por mais de uma vez, enquanto outros não pudessem eventualmente ter oportunidade alguma no ensino superior privado”, afirmou.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1031694 REsp 1155684 Ag 1108160 MS 19571 MS 20169

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou nula decisão judicial que autorizou o espelhamento do aplicativo de mensagens WhatsApp, por meio da página WhatsApp Web, como forma de obtenção de prova em uma investigação sobre tráfico de drogas e associação para o tráfico.

A conexão com o WhatsApp Web, sem conhecimento do dono do celular, foi feita pela polícia após breve apreensão do aparelho. Em seguida, os policiais devolveram o telefone ao dono e mantiveram o monitoramento das conversas pelo aplicativo, as quais serviram de base para a decretação da prisão preventiva dele e de outros investigados.

Ao acolher o recurso em habeas corpus e reformar decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a Sexta Turma considerou, entre outros fundamentos, que a medida não poderia ser equiparada à intercepção telefônica, já que esta permite escuta só após autorização judicial, enquanto o espelhamento possibilita ao investigador acesso irrestrito a conversas registradas antes, podendo inclusive interferir ativamente na troca de mensagens entre os usuários.

Tipo híbrido

A relatora do recurso, ministra Laurita Vaz, afirmou que o espelhamento equivaleria a “um tipo híbrido de obtenção de prova”, um misto de interceptação telefônica (quanto às conversas futuras) e de quebra de sigilo de e-mail (quanto às conversas passadas). “Não há, todavia, ao menos por agora, previsão legal de um tal meio de obtenção de prova híbrido”, apontou.

O espelhamento de mensagens do WhatsApp se dá em página da internet na qual é gerado um QR Code específico, que só pode ser lido pelo celular do usuário que pretende usufruir do serviço. Nesse sistema, ocorre o emparelhamento entre os dados do celular e do computador, de forma que, quando há o registro de conversa em uma plataforma, o conteúdo é automaticamente atualizado na outra.

Intervenção possível

A ministra Laurita Vaz destacou que, com o emparelhamento, os investigadores tiveram acesso não apenas a todas as conversas já registradas no aplicativo, independentemente da antiguidade ou do destinatário, mas também puderam acompanhar, dali para a frente, todas as conversas iniciadas pelo investigado ou por seus contatos.

A relatora ressaltou que tanto no aplicativo quanto no navegador é possível o envio de novas mensagens e a exclusão das antigas, enviadas ou recebidas pelo usuário. No caso da exclusão das mensagens, disse ela, o conteúdo não pode ser recuperado para efeito de prova, em virtude da tecnologia de encriptação ponta a ponta e do não armazenamento dos dados no servidor.

Assim, seria impossível ao investigado demonstrar que o conteúdo de uma conversa sujeita à intervenção de terceiros não é autêntico ou integral. Segundo a ministra, exigir contraposição por parte do investigado, em tal situação, equivaleria a exigir “prova diabólica”, ou seja, prova impossível de ser produzida.

“Cumpre assinalar, portanto, que o caso dos autos difere da situação, com legalidade amplamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em que, a exemplo de conversas mantidas por e-mail, ocorre autorização judicial para a obtenção, sem espelhamento, de conversas já registradas no aplicativo WhatsApp, com o propósito de periciar seu conteúdo”, afirmou a relatora.

De acordo com Laurita Vaz, no caso dos autos, seria impossível fazer uma analogia entre o instituto da interceptação telefônica e a medida de emparelhamento, por ausência de similaridade entre os dois sistemas de obtenção de provas. De mero observador nas hipóteses de intercepção telefônica, o investigador, no caso do WhatsApp Web, passa a ter a possibilidade de atuar como participante das conversas, podendo enviar novas mensagens ou excluir as antigas.

Acesso irrestrito

Além disso, enquanto a interceptação telefônica busca a escuta de conversas realizadas após a autorização judicial, o espelhamento via QR Code permite ao investigador acesso irrestrito a toda a comunicação anterior à decisão da Justiça, o que foge à previsão legal.

“Ao contrário da interceptação telefônica, que é operacionalizada sem a necessidade simultânea de busca pessoal ou domiciliar para apreensão de aparelho telefônico, o espelhamento via QR Code depende da abordagem do indivíduo ou do vasculhamento de sua residência, com apreensão de seu aparelho telefônico por breve período de tempo e posterior devolução desacompanhada de qualquer menção, por parte da autoridade policial, à realização da medida constritiva, ou mesmo, porventura – embora não haja nos autos notícia de que isso tenha ocorrido no caso concreto –, acompanhada de afirmação falsa de que nada foi feito”, afirmou a relatora.

Ao dar provimento ao recurso em habeas corpus, declarar nula a decisão judicial e determinar a soltura dos investigados, a ministra ainda considerou ilegalidades como a ausência de fato novo que justificasse a medida e a inexistência, na decisão, de indícios razoáveis da autoria ou participação apta a fundamentar a limitação do direito de privacidade.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou improcedente o incidente de deslocamento de competência (IDC) apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) para transferir a investigação, o processamento e o julgamento do crime conhecido como Chacina do Cabula, ocorrido na Bahia, para a esfera federal.

Para o colegiado, não houve o preenchimento de um dos três requisitos autorizadores do deslocamento de competência, por não haver evidências de que os órgãos do sistema de Justiça estadual careçam de isenção ou das condições necessárias para desempenhar as funções de apuração, processamento e julgamento do caso.

Chacina

O crime aconteceu em fevereiro de 2015, no bairro do Cabula, em Salvador, e resultou na morte de 12 pessoas entre 15 e 28 anos, além de seis feridos. Nove policiais militares integrantes da Rondesp (Rondas Especiais da PM/BA) são acusados de participar da chacina em operação realizada na noite do dia 5 e na madrugada do dia 6 de fevereiro de 2015.

Ao apresentar o pedido de IDC ao STJ, o MPF alegou ter indícios de que a Polícia Militar baiana promoveu uma execução, sem chance de defesa das vítimas. Segundo o MPF, haveria indícios também de que, na investigação, prevaleceu a versão de que o evento corresponderia a mera resposta a injusta agressão sofrida pela PM, em reação a disparos de arma de fogo iniciados pelas vítimas, descritas como possíveis usuários ou traficantes de drogas.

Depois de oferecida denúncia pelo Ministério Público da Bahia em desfavor dos nove policiais, uma juíza de primeira instância, em 24 de julho de 2015, em julgamento antecipado do feito, absolveu todos eles. A decisão se baseou em reprodução simulada dos fatos, que teria ocorrido sem a participação do MP estadual; no suposto envolvimento das vítimas com tráfico de drogas e no relatório final do inquérito conduzido pela autoridade policial, sem que fosse concedido o tempo necessário para oitiva de testemunhas e instrução adequada do processo.

A ONG Justiça Global apresentou uma representação contra o governo brasileiro perante a ONU e perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, gerando a recomendação de que o Brasil realizasse uma investigação completa, imparcial e efetiva das violações aos direitos humanos, o que resultou na provocação feita pelo MPF ao STJ.

Provas

Para o relator do IDC, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, mesmo que as investigações conduzidas pela Polícia Civil baiana tenham negligenciado a coleta de provas que pudessem incriminar os policiais, tal fato não teria causado prejuízo para a formação da convicção do Ministério Público, que não só promoveu a sua própria apuração como também obteve as provas suficientes para oferecer a denúncia contra os envolvidos.

“Se no entender do Ministério Público estadual ele dispunha de provas suficientes para embasar uma denúncia, não há como negar que eventual falta de isenção na coleta de provas efetuada pela Polícia Civil estadual não chegou a impedir o bom funcionamento da acusação”, explicou.

Pressupostos

O relator disse ter observado o atendimento de dois dos três pressupostos necessários para o acolhimento do IDC. Segundo ele, constatou-se grave violação aos direitos humanos e a possibilidade de responsabilização do Brasil por descumprir obrigações assumidas em tratados internacionais.

Todavia, Reynaldo Soares da Fonseca frisou que o último requisito – demonstração de que os órgãos do sistema estadual não teriam condições de desempenhar as funções de apuração, processamento e julgamento do caso com isenção – não foi atendido, uma vez que apelações criminais interpostas posteriormente pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público estadual foram providas pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), anulando a sentença absolutória.

“Tal provimento, por si só, demonstra que não há deficiência de funcionamento, tampouco comprometimento ideológico ou subjetivo do Judiciário estadual que dificulte a análise isenta dos fatos, deixando claro que eventual erro de julgamento poderá, na forma regular do processo, ser corrigido, seja no Tribunal de Justiça, seja nas instâncias extraordinárias”, disse. 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): IDC 10

O benefício do passe livre no transporte interestadual, estabelecido pela Lei 8.899/1994 às pessoas com deficiência, não é extensível ao transporte aéreo. Para os ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não é possível sanar por meio de decisão judicial a falta de previsão normativa desse benefício, pois isso implicaria ativismo judicial incompatível com a atribuição do tribunal.

O Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) ajuizou ação civil pública com o objetivo de assegurar o direito, já garantido nos modais rodoviário, ferroviário e aquaviário, segundo a Portaria Interministerial 3/2001, que disciplina a concessão do passe livre. Na ação, o MPDF ainda pediu a condenação de empresas aéreas ao pagamento de dano moral coletivo.

O juízo de primeiro grau julgou a ação parcialmente procedente para, afastando o dano moral coletivo, condenar as companhias aéreas em atividade no país a destinar dois assentos por voo às pessoas com deficiência de baixa renda e seu respectivo acompanhante, se necessário.

As empresas apelaram ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que deu provimento aos recursos por entender que a lei não ampara a pretendida reserva de assentos em aviões.

No recurso especial, o MPDF sustentou que a lei assegura, para as pessoas com deficiência e comprovadamente carentes, gratuidade no sistema de transporte coletivo interestadual, inexistindo motivos que justifiquem a omissão do transporte aéreo na Portaria Interministerial 3/2001.

Discricionariedade do legislador

O relator do recurso no STJ, ministro Marco Buzzi, disse em seu voto que a origem do litígio remonta à edição da Lei 8.899/1994, a qual estabeleceu apenas que seria garantido passe livre às pessoas com deficiência no transporte coletivo interestadual, com a condicionante de demonstração da hipossuficiência.

Após seis anos, o Decreto 3.691/2000 delimitou dois assentos por veículo para ocupação pelos indivíduos enquadrados nos critérios da lei, mas não especificou em qual tipo de transporte coletivo a gratuidade deveria ser aplicada. Em seguida, a Portaria Interministerial 3/2001 estabeleceu os modais rodoviário, ferroviário e aquaviário, sem se pronunciar sobre a aplicação na aviação civil.

Para o ministro, nessa hipótese, deve prevalecer o entendimento da impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário no campo da discricionariedade reservada ao legislador, “não sendo o caso de se estabelecer por esforço interpretativo situação de gratuidade do transporte aéreo aos portadores de deficiência com parcos recursos econômicos”.

Segundo ele, “não compete ao Poder Judiciário, a pretexto da defesa de direitos fundamentais que dependem de detida regulamentação, legislar positivamente, ampliando benefícios a determinado grupo sem previsão expressa do método de custeio, onerando indiretamente os usuários pagantes até o ente federativo competente assumir o encargo, máxime em se tratando do transporte aéreo, permeado de peculiaridades a exigir uma abordagem mais específica da gratuidade”.

O relator considerou que “não se extrai do sistema normativo regra capaz de vincular diretamente os prestadores de serviços de transportes aéreos à disponibilização de assento gratuito para pessoas com deficiência hipossuficientes, bem como para seu eventual acompanhante, sem a contraprestação devida”.

Silêncio desejado

O ministro ainda citou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, tratado de que o Brasil é signatário, e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, os quais não dispõem sobre a gratuidade no transporte. “O sistema infraconstitucional leva a crer que a propalada omissão legislativa foi voluntária, ou melhor, contemplou hipótese de silêncio eloquente, sejam os motivos legítimos ou não, de modo a inexistir lacuna a ser colmatada por meio das técnicas hermenêuticas disponíveis ao exegeta”, disse.

Para o relator, a implementação do direito em discussão deve ocorrer pela via legislativa. “Reputa-se, portanto, descabida a ampliação das modalidades de transporte submetidos ao regime da gratuidade por esforço interpretativo, na via estreita do recurso especial, sob o risco deste órgão julgador incorrer em ativismo judicial incompatível com sua atribuição. Até porque, no caso, constatou-se ser hipótese de silêncio desejado pelo legislador”, concluiu o relator.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1155590

Por não verificar situação extraordinária que configurasse sofrimento profundo ou abalo psicológico relevante, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou pedido de fixação de indenização por danos morais em virtude de atraso em voo internacional.

Por unanimidade, o colegiado manteve indenização de R$ 5 mil fixada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) por causa do extravio de bagagem, mas afastou o argumento de que seria presumido (in re ipsa) o dano moral decorrente de atraso no voo.

“Dizer que é presumido o dano moral nas hipóteses de atraso de voo é dizer que o passageiro, necessariamente, sofreu abalo que maculou a sua honra e dignidade pelo fato de a aeronave não ter partido na exata hora constante do bilhete – frisa-se, abalo este que não precisa sequer ser comprovado, porque decorreria do próprio atraso na saída da aeronave em si”, afirmou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.

Na ação de reparação por danos morais e materiais, o cliente alegou que adquiriu pacote de viagem com destino a Paris, com conexão em Lisboa. Segundo a parte, houve atraso de mais de três horas na conexão, além de o avião ter pousado na capital francesa em aeroporto diferente do previsto no pacote. O autor também reportou problemas com a bagagem, que foi extraviada.

Razoabilidade

Em primeira instância, o juiz condenou a empresa aérea pelos danos morais sofridos apenas em razão do extravio de bagagem. A sentença foi mantida pelo TJMG, que concluiu que o atraso no voo não superou os limites da razoabilidade, razão pela qual não haveria dano moral indenizável.

Por meio de recurso especial, o cliente alegou que bastaria a comprovação do atraso no voo para a configuração do dano moral, o qual, segundo disse, é presumido em tais situações. Ele também afirmou que a companhia aérea frustrou a sua expectativa de viagem, o que teria violado os seus direitos de personalidade.

A ministra Nancy Andrighi reconheceu que a jurisprudência do STJ, em casos específicos, concluiu pela possibilidade de compensação de danos morais independentemente da demonstração de dor, traduzindo-se na chamada consequência in re ipsa. Todavia, apontou que, na hipótese específica de atraso de voos comerciais, outros fatos devem ser considerados para apurar a ocorrência de dano moral.

Circunstâncias concretas

Segundo a relatora, entre as circunstâncias que devem balizar a apuração do dano moral estão o tempo levado para a solução do problema, se a companhia aérea ofereceu alternativas para atender os passageiros e se foi disponibilizado suporte material como alimentação e hospedagem.

No caso dos autos, Nancy Andrighi apontou que “não foi invocado nenhum fato extraordinário que tenha ofendido o âmago da personalidade do recorrente. Via de consequência, não há como se falar em abalo moral indenizável”.

Em relação aos danos pelo extravio de bagagem, ela citou jurisprudência do STJ no sentido de que a modificação do valor fixado a título de danos morais só é permitida quando a quantia estipulada for irrisória ou exagerada, o que não ficou caraterizado no caso.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1584465

De acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o tráfico de drogas é a atividade criminosa mais lucrativa do mundo, com uma movimentação de cerca de 320 bilhões de dólares por ano.

Relatório publicado em 2017 pela UNODC aponta ainda crescimento no número de usuários de drogas, que atingiu a marca de 250 milhões de pessoas em 2015. Dessas, cerca de 29,5 milhões de pessoas – ou 0,6% da população adulta global – apresentaram transtornos relacionados ao consumo de drogas, incluindo a dependência.

O aumento exponencial da demanda e o potencial lucrativo fomentam o tráfico em suas diversas modalidades, entre elas o tráfico internacional de drogas, que movimenta das classes sociais mais baixas às mais altas. Milhares de jovens e adultos em busca de uma vida melhor se arriscam diariamente em fronteiras e aeroportos para transportar drogas.

O Brasil está entre os principais exportadores de drogas ilegais do planeta, e o combate a essa atividade criminosa envolve toda a sociedade e o Poder Judiciário, responsável por julgar de forma razoável e proporcional os sujeitos envolvidos nesse processo.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui ampla jurisprudência sobre o tema.

Lei de Drogas

Um grande avanço no combate ao tráfico foi a publicação da chamada Lei de Drogas – Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. Ela instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), além de prescrever medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas.

Também foram estabelecidas normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e definidos os crimes respectivos.

“Mulas” do tráfico

Em abril do ano passado, no julgamento do HC 387.077, de relatoria do ministro Ribeiro Dantas, após as turmas de direito penal oscilarem bastante sobre o tema em seus julgados, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu seguir o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que é possível o reconhecimento do tráfico privilegiado (artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006) ao agente transportador de drogas na qualidade de “mula”.

Na ocasião, o ministro relator destacou que a simples atuação nessa condição não induz automaticamente à conclusão de que o agente seja integrante de organização criminosa, sendo imprescindível, para tanto, prova inequívoca do seu envolvimento estável e permanente com o grupo criminoso.

A turma também seguiu o entendimento do STF ao decidir que, apesar de a atuação como “mula” não ser suficiente para configurar participação em organização criminosa, é circunstância concreta e idônea para ser valorada negativamente na terceira fase da dosimetria da pena, modulando a aplicação da causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado.

No caso julgado, o relator decidiu pela aplicação da fração mínima de um sexto para a redução da pena-base da paciente, pois, segundo o parágrafo 4º do artigo 33, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

“Devidamente comprovado que a conduta da paciente se reveste de maior grau de reprovabilidade, pois ela tinha conhecimento de estar a serviço do crime organizado no tráfico internacional, o percentual de redução, pela incidência da minorante do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/06, deve ser estabelecido no mínimo legal”, concluiu o magistrado.

O processo está citado na edição 602 do Informativo de Jurisprudência.

Importação de sementes

A jurisprudência do STJ entende que a importação clandestina de sementes de Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, configura tráfico internacional de drogas, conforme o artigo 33, parágrafo 1º, inciso I, da Lei 11.343/06.

Entretanto, quando se trata de pequena quantidade de sementes, o entendimento das turmas de direto penal ainda não está consolidado.

Para a Quinta Turma, independentemente da quantidade, a importação de semente de maconha constitui crime de perigo abstrato ou presumido e deve ser punido na forma do artigo 33, parágrafo 1º, inciso I, da Lei de Drogas. O entendimento pode ser observado, por exemplo, no julgamento do Agravo Regimental no REsp 1.637.113, em que o colegiado não reconheceu o princípio da insignificância no caso de um réu que importou 14 sementes de maconha da Holanda.

Já a Sexta Turma, ao julgar o REsp 1.675.709, decidiu pela atipicidade da conduta de importação de pequena quantidade de sementes quando destinada à preparação de droga para consumo pessoal, posição que permaneceu no julgamento do Agravo Regimental no REsp 1.658.928.

Transnacionalidade

A majorante do tráfico transnacional de drogas (artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras. Esse é o entendimento fixado na Súmula 607 do STJ.

No julgamento do REsp 1.391.929, de relatoria do ministro Ribeiro Dantas, a Sexta Turma manteve a condenação de duas pessoas que tentavam exportar para a Europa uma carga de 250 quilos de cocaína. A droga foi encontrada em um contêiner, camuflada em vasos de plantas ornamentais.

Os dois acusados foram condenados a 14 anos de reclusão pelo crime de tráfico internacional de drogas, segundo o artigo 33 da Lei 11.343/06, com a majorante da transnacionalidade prevista no artigo 40.

No recurso, os réus requereram o reconhecimento da modalidade tentada do delito de tráfico e a retirada da majorante, pois o entorpecente que seria supostamente encaminhado à Itália foi apreendido ainda no Brasil.

No entanto, o relator destacou que “é suficiente a comprovação de que os agentes tinham como intento a disseminação do vício no exterior, sendo indiferente que não tenham conseguido ultrapassar as fronteiras nacionais com a substância ilícita para a configuração da referida causa de aumento”.

Ainda em relação à aplicação da majorante pela transnacionalidade, o STJ entende que não se configura bis in idem na aplicação do artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06, em virtude de o artigo 33 da mesma lei prever as condutas de “importar” e “exportar”, pois se trata de tipo penal de ação múltipla, e o simples fato de o agente “trazer consigo” a droga já conduz à configuração da tipicidade formal do crime de tráfico.

Competência

No julgamento do HC 168.368, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, a Quinta Turma, em concordância com jurisprudência já firmada pelo STF, ratificou o entendimento de que a competência da Justiça Federal para julgamento do crime de tráfico de entorpecentes apenas se efetiva com a suficiente comprovação de seu caráter internacional, conforme preceitua o artigo 70 da Lei 11.343/06.

No caso analisado, o paciente e outros 16 réus foram presos em flagrante na região de Campinas (SP) portando aproximadamente 34,8 quilos de pasta base de cocaína e uma pistola calibre 38. Um dos réus alegou a incompetência da Justiça estadual para o julgamento do caso pelo fato de a droga ter sido adquirida no Paraguai e na Bolívia, o que caracterizaria a internacionalidade do delito, atraindo a competência da Justiça Federal.

O juízo de primeiro grau não aceitou a alegação por entender que a atuação da quadrilha era tão somente em solo brasileiro, na região de Paulínia (SP). A sentença condenatória foi mantida em segunda instância.

No STJ, o relator citou precedentes do próprio tribunal para mostrar que as circunstâncias de os corréus serem estrangeiros ou de a droga ter origem externa não configuram necessariamente a transnacionalidade do delito nem o consequente deslocamento do caso para a Justiça Federal.

“Da leitura da sentença condenatória e do acórdão hostilizado, conclui-se ser apenas provável a origem estrangeira da droga (cocaína). Assim, não há como caracterizar, sem outros elementos de convicção, a transnacionalidade da conduta perpetrada, que reclama prova contundente para atrair a competência da Justiça Federal, como bem ressaltou o tribunal de origem”, afirmou o relator.

Pesquisa Pronta

Produzido pela Secretaria de Jurisprudência do STJ, o serviço Pesquisa Pronta apresenta o entendimento do tribunal em relação a determinados temas jurídicos. Confira abaixo o resultado de três pesquisas sobre assuntos abordados nesta matéria:

Configuração ou não de bis in idem da aplicação conjunta do crime de tráfico de drogas com a majorante relativa à transnacionalidade

Análise da configuração do crime de tráfico de drogas na importação clandestina ou ilegal de sementes de cannabis sativa (maconha)

Análise da natureza do papel desempenhado pelo transportador de drogas, na função de “mula”, e suas implicações na dosimetria da pena

O serviço Súmulas Anotadas traz dois tópicos relacionados ao tema: Súmula 607 e Súmula 528.A pesquisa pelo número do enunciado traz excertos dos julgados que lhe deram origem. Além disso, são disponibilizados links para pesquisa, em tempo real, dos acórdãos posteriores ao enunciado sumular e para o acesso a outros produtos relacionados aos assuntos sumulados.

Bibliografias Selecionadas

Para saber mais sobre entorpecentes, consulte a edição Drogas Ilícitas, da coleção “Bibliografias Selecionadas”, produzida pela Secretaria de Documentação do STJ. A edição reúne publicações sobre o assunto editadas entre 2015 e 2017.

Outros temas podem ser encontrados aqui.

Por considerar que não foram adotadas as medidas de segurança condizentes com os riscos da operação contratada, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou uma transportadora a indenizar em R$ 170 mil uma cliente cuja carga foi roubada em São Paulo.

Para o colegiado, o alto valor da carga impunha à empresa a obrigação de adotar outras cautelas além de realizar o transporte por uma rota em horário movimentado – providência que, em circunstâncias diversas, poderia ser suficiente para afastar a responsabilidade da transportadora diante do roubo.

Desde o julgamento do REsp 435.865 pela Segunda Seção, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que, “se não for demonstrado que a transportadora não adotou as cautelas que razoavelmente dela se poderiam esperar”, o roubo de carga constitui motivo de força maior apto a isentá-la de responsabilidade. Em geral, a adoção de rota em horário de movimento vem sendo considerada medida suficiente.

No caso julgado pela Terceira Turma, os ministros interpretaram o conceito de razoabilidade das cautelas tomadas pela transportadora para concluir que, como a carga ultrapassava o valor mínimo do seguro obrigatório (R$ 80 mil), isso tornava previsível a possibilidade de roubo e exigia providências adicionais para evitar os prejuízos financeiros decorrentes.

Subcontratação

A carga de chapas de inox estava avaliada em cerca de R$ 340 mil. Sem informar à cliente, a transportadora subcontratou outra empresa para realizar o serviço e não fez seguro suficiente para cobrir todo o valor da mercadoria. Após o roubo, a dona da carga ajuizou ação contra a transportadora e, no curso do processo, houve denunciação da lide à seguradora da ré.

Em primeira instância, o juiz condenou a transportadora a ressarcir à cliente o valor da carga, além de condenar a seguradora a pagar à transportadora o montante correspondente ao seu prejuízo financeiro, até o limite da apólice.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou a sentença por entender que o roubo de carga configura evento de força maior e, por consequência, exclui a responsabilidade da transportadora. Com isso, o pedido de indenização foi julgado improcedente.

Cautelas razoáveis

No STJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso da cliente da transportadora, disse que “há evidente previsibilidade do risco de roubo de mercadorias na realização do contrato de transporte de carga, tanto é assim que há obrigatoriedade na realização de seguro. E há, também, evitabilidade, se não do roubo em si, mas de seus efeitos, especialmente a atenuação dos prejuízos causados”.

Segundo o ministro, as cautelas que razoavelmente se poderiam esperar no caso, mas que não foram tomadas pela transportadora, incluíam a realização de seguro pelo valor total da carga (ou parcelamento da carga até o limite da apólice durante a rota) e a comunicação à cliente e à seguradora sobre a subcontratação, a fim de que fosse avaliado eventual agravamento do risco, além da comunicação da rota à seguradora para eventual utilização do rastreamento do veículo.

Indenização proporcional

Sanseverino destacou que a contratante pagou apenas 0,81% do valor da carga para realizar o transporte por uma das regiões com maior risco de roubos do país. Por outro lado, a transportadora, aceitando esse pagamento, subcontratou o serviço de terceiro sem o consentimento da cliente, descumpriu a obrigação de fazer o seguro no valor integral da carga e não atendeu às exigências do contrato de seguro, como o rastreamento via satélite ou a escolta armada para transporte de valores acima de R$ 80 mil.

A indenização fixada pela Terceira Turma corresponde à metade do valor da carga roubada, já que o colegiado também levou em conta os deveres recíprocos da contratante e da contratada de atenuação dos efeitos do crime. No mesmo julgamento, a seguradora da empresa de transportes foi condenada a pagar os valores fixados em apólice.

“Não é razoável atribuir ao demandante todo o ônus da perda da carga, mesmo tendo pago tão pouco pelo serviço inadequadamente prestado. Não se pode, também, atribuí-lo somente à transportadora, que não presta serviço de segurança à carga, mas de transporte. Nem somente à seguradora, que é contratada por imposição legal com o agravamento desenfreado do risco pelos envolvidos”, concluiu o ministro ao estabelecer a indenização de forma proporcional e condenar a seguradora no limite da apólice.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1676764

Por maioria, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que operadora de plano de saúde deve fornecer cobertura de internação domiciliar à paciente enferma e portadora de Mal de Parkinson, uma vez que este seria o único meio pelo qual a beneficiária de 81 anos conseguiria uma sobrevida saudável. Para o colegiado, diante das circunstâncias fáticas, é legítima a expectativa da recorrente de receber o tratamento conforme a prescrição do neurologista.

Beneficiária do plano de saúde desde 1984, a recorrente recebeu orientação médica para home care diante da piora do seu quadro de saúde, agravado pela doença de Parkinson, com a apresentação de gastrostomia, dieta enteral, aspiração pulmonar e imobilismo. A operadora negou o serviço, pois não haveria a respectiva cobertura no contrato.

A mulher ajuizou ação de obrigação de fazer contra a operadora que foi julgada procedente em primeiro grau. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença e considerou que a situação não se enquadraria na hipótese de home care, uma vez que não se trataria de transposição do tratamento hospitalar para o domicílio.

No recurso especial, a recorrente alegou que o contrato cobre internação hospitalar e, dessa forma, também deveria dispor de internação em home care. A beneficiária questionou, ainda, acórdão do TJSP o qual considerou que os cuidados necessários poderiam ser prestados por familiares ou cuidadores, solução que, para a recorrente, não tem qualquer elemento de prova.

Expectativa de tratamento

A relatora para o acórdão no STJ, ministra Nancy Andrighi, destacou que a prescrição médica solicitou o fornecimento de home care e somente no julgamento da apelação houve a interpretação de que a paciente precisaria de assistência domiciliar ao invés de internação domiciliar.

“O acórdão recorrido presumiu um estado clínico do qual apenas o médico neurologista poderia efetivamente afirmar. Pela leitura dos autos e considerando a posição do juízo de primeiro grau de jurisdição, que teve um contato mais próximo com as partes e as provas produzidas, percebe-se que a recorrente possui diversos problemas de saúde que recomendam, com lastro no laudo do seu neurologista, a internação domiciliar”, disse a relatora em seu voto.

Para ela, “postergar a internação domiciliar de pessoa idosa e sensivelmente enferma, sob o pretexto de a sua situação de saúde ser tratada suficientemente com cuidados familiares e cuidadores, importa restrição exagerada e iníqua que coloca o sujeito mais frágil da relação contratual em posição de completo desamparo”.

Em seu voto, a relatora considerou que, no caso concreto, há expectativa legítima da recorrente em receber o tratamento médico conforme a prescrição do neurologista, sobretudo quando considerados os 34 anos de contribuição para o plano de saúde e a grave situação de moléstia, com consequências que agravam ainda mais o seu quadro, como a dieta enteral, aspiração frequente e imobilismo.

A ministra Nancy Andrighi ainda ressaltou que afastar a obrigação de fazer da operadora de plano de saúde em fornecer a internação domiciliar da beneficiária idosa e enferma “sem apontar concretamente quais as circunstâncias fáticas juridicamente relevantes justificam a prescindibilidade da internação domiciliar, implica tornar inútil o plano de saúde contratado na expectativa de ser devidamente atendido no tratamento de sua saúde”.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1728042

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reformando acórdão de segunda instância, entendeu ser possível a propositura de ação autônoma exibitória. Para o colegiado, o interesse de agir está, sim, presente no caso.

Baseada em fundamentos doutrinários e enunciados da II Jornada de Direito Processual Civil, realizada em setembro deste ano, a ministra Isabel Gallotti afirmou que os documentos essenciais para a decisão sobre ajuizar ou não uma ação posterior podem ser solicitados em processo autônomo, e não de maneira incidental na própria demanda principal.

“Apresentado o documento, o autor definirá se ajuizará ou não ação de conhecimento. Adequada, portanto, a ação autônoma de exibição para o fim proposto (CPC, artigos 381 e 396)”, destacou a ministra.

Entendimento reformado

No processo que deu origem ao recurso especial, a autora requereu que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinasse a uma instituição bancária o fornecimento de sua via de contrato relativo a operação que teria ensejado o lançamento do seu nome em cadastro de inadimplentes.

Ao negar o pedido, os desembargadores do TJSP, ratificando os termos da sentença, entenderam que o pedido formulado pela autora, desde a entrada em vigor do CPC/2015, deveria ser requerido no curso de ação principal, ou em caráter antecedente, e não de maneira autônoma.

Relatora do recurso no STJ, a ministra Isabel Gallotti entendeu que, no caso, “a doutrina destoa de tal juízo, afirmando que a parte que necessita obter documento em posse de outrem pode se servir de ação autônoma para satisfazer sua pretensão”.

“Tal providência, a teor dos enunciados da II Jornada de Direito Processual Civil e da doutrina autorizada, pode ser buscada por meio de ação autônoma, não havendo que se falar em falta de adequação ou interesse”, decidiu Gallotti.

Enunciados

Os enunciados 119 e 129 da jornada dizem, respectivamente, que é admissível o ajuizamento de ação de exibição de documento de forma autônoma e que se admite a exibição de documento como objeto de produção antecipada de prova.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1774987