Ao considerar que a Lei 6.024/1974–a qual regula a liquidação extrajudicial de instituições financeiras –, por ser especial, prevalece sobre a Lei 11.101/2005(Lei de Recuperação Judicial e Falência), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que as cooperativas de crédito podem ser submetidas a processo de falência, embora haja aparente contradição entre essas normas.

O colegiado, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial interposto pelo ex-administrador de uma cooperativa de crédito rural cuja sentença de falência foi confirmada em segunda instância. O recorrente, que também é cooperado, alegou que as cooperativas de crédito não se sujeitariam à insolvência, pois o artigo 2º, inciso II, da Lei 11.101/2005 exclui expressamente essas entidades de sua incidência.

Cooperativa de crédito se equipara a instituição financeira

Relator do recurso, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino explicou inicialmente que a cooperativa de crédito se equipara a uma instituição financeira pela atividade desenvolvida; por isso, sujeita-se ao regime de liquidação especial estabelecido na Lei 6.024/1974.

No caso dos autos, o magistrado observou que, conforme o disposto no artigo 21, alínea b, da Lei 6.024/1974, o Banco Central (Bacen) autorizou a cooperativa a requerer autofalência, após ser apurado em liquidação extrajudicial que o ativo da entidade não seria suficiente para cobrir metade dos créditos quirografários, além de haver indícios de crimes falimentares.

Lei especial deve prevalecer sobre lei geral

Acerca da alegação do recorrente, o ministro Sanseverino observou que, apesar de o artigo 2º, inciso II, da Lei 11.101/2005 excluir as cooperativas de crédito de seu âmbito de incidência, para parte da doutrina, tal restrição se refere somente ao regime de recuperação judicial – não ao regime de falência –, tendo em vista a possibilidade de a cooperativa de crédito requerer sua insolvência, de acordo com o artigo 21, alínea b, da Lei 6.024/1974.

Isso porque, explicou o ministro, as disposições da Lei 6.024/1974, que é lei especial, devem prevalecer sobre o conteúdo da Lei 11.101/2005, o qual deve ser aplicado de forma subsidiária.

“Filio-me à corrente doutrinária que entende pela possibilidade de decretação da falência das cooperativas de crédito, tendo em vista a especialidade da Lei 6.024/1974, de modo que o enunciado normativo do artigo 2º, inciso II, da Lei 11.101/2005 exclui tão somente o regime de recuperação judicial”, afirmou o magistrado.

Ao manter a sentença de falência, Sanseverino também destacou que o acórdão recorrido registrou estarem presentes ambas as hipóteses autorizadoras do pedido falimentar previstas no artigo 21, alínea b, da Lei 6.024/1974.

Leia o acórdão no REsp 1.878.653.
Destaques de hoje

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1878653

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.061), definiu que, nas hipóteses em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a ela o ônus de provar a veracidade do registro.

A tese foi estabelecida pelo colegiado ao analisar o REsp 1.846.649 – interposto por um banco contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Para fixação do precedente qualificado, a seção havia suspendido todos os processos em trâmite no TJMA. 

Leia também: O que é recurso repetitivo

Na origem, questionou-se a probidade da conduta das instituições financeiras nos contratos de empréstimos consignados em folha pactuados entre os bancos e pessoas idosas, aposentadas, clientes de baixa renda e indivíduos analfabetos.

Ao julgar o IRDR, o TJMA imputou às instituições bancárias, em caso de dúvida do cliente sobre a autenticidade da assinatura do contrato, o dever de provar a veracidade da informação por meio de perícia grafotécnica ou mediante os meios de prova legais ou moralmente legítimos (artigo 369 do Código de Processo Civil).

Por meio do recurso especial, o banco alegou que as assinaturas devem ser presumidas verdadeiras e que eventual impugnação de autenticidade deve ser provada por aquele que requer a dilação probatória respectiva. Asseverou, ainda, que a imposição do ônus da prova para a instituição financeira, de forma automática e independente das circunstâncias do caso concreto, viola a regra processual vigente de distribuição do ônus probatório.

Exceção ao ônus da prova inaugurada pelo artigo 429 do CPC/2015

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio Bellizze explicou que a regra geral estabelecida pela legislação processual civil é de que cabe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito e ao réu demonstrar, caso os alegue, os fatos novos, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

Porém, Bellizze ressaltou que, quando se trata de prova documental, o artigo 429 do CPC/2015 cria uma exceção à regra, dispondo que ela será de incumbência da parte que arguir a falsidade de documento ou seu preenchimento abusivo, e da parte que produziu o documento quando se tratar de impugnação da autenticidade da prova.

“A parte que produz o documento é aquela por conta de quem se elaborou, porquanto responsável pela formação do contrato, sendo quem possui a capacidade de justificar ou comprovar a presença da pessoa que o assinou”, disse o relator.

Demonstração de veracidade da assinatura no contrato

O ministro também lembrou que o STJ tem entendimento no sentido de que os efeitos da inversão do ônus da prova não têm o poder de obrigar a parte contrária a pagar as custas da prova requerida pelo consumidor, não obstante implique àquele a obrigação de arcar com as consequências jurídicas decorrentes da sua produção.

“Aqui não se cuida de inversão do ônus probatório com a imposição de a casa bancária arcar com os custos da perícia, mas sim quanto à imposição legal de a parte que produziu o documento suportar o ônus de demonstrar a veracidade da assinatura constante no contrato e oportunamente impugnada pelo mutuário, o que abrange a produção da perícia grafotécnica”, esclareceu.

Outra observação feita pelo ministro é de que não se pode afirmar que o fornecedor, nas relações regidas pelo direito do consumidor, deverá arcar com a produção da prova pericial em toda e qualquer hipótese, mas apenas que será ônus seu, em regra, demonstrar a veracidade da assinatura aposta no contrato.

Cooperação entre os sujeitos do processo para uma solução com efetividade

Além disso, o relator enfatizou que as ações repetitivas que justificaram a admissão do IRDR na origem envolviam consumidores idosos, aposentados, de baixa renda e analfabetos – os quais, em sua maioria, foram vítimas de fraudes ou práticas abusivas praticadas por correspondentes bancários.

Bellizze salientou que o artigo 6º do CPC/2015 prevê expressamente o dever de cooperação entre os sujeitos do processo para que se obtenha uma solução com efetividade, devendo as partes trazer aos autos as alegações e provas capazes de auxiliar, de forma efetiva, na formação do convencimento do magistrado para o deferimento da produção das provas necessárias.

“O Poder Judiciário não pode fechar os olhos para as circunstâncias fáticas que gravitam ao redor da questão jurídica, porquanto tais demandas envolvem, via de regra, pessoas hipervulneráveis, que não possuem condições de arcar com os custos de uma prova pericial complexa, devendo ser imputado tal ônus àquela parte da relação jurídica que detém maiores condições para sua produção”, concluiu o ministro.

IRDR e recursos repetitivos

Previsto no artigo 976 e seguintes do CPC/2015, o IRDR é um incidente que pode ser provocado perante os tribunais de segunda instância quando houver repetição de processos com idêntica controvérsia de direito e risco de ofensa aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Verificados esses pressupostos, o tribunal de segundo grau pode admitir o incidente para a fixação de tese, a qual será aplicada a todos os demais casos presentes e futuros em sua jurisdição.

Havendo recurso especial contra o julgamento de mérito do IRDR, a tese fixada pelo STJ “será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito” (artigo 987, parágrafo 2º, do CPC).

Leia o acórdão no REsp 1.846.649.
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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1846649

O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Jorge Mussi, no exercício da presidência, suspendeu execução contra a Livraria Cultura em trâmite na Justiça do Trabalho do Ceará e determinou que as medidas urgentes no processo trabalhista sejam apreciadas pela Justiça de São Paulo, na qual tramita o pedido de recuperação judicial da livraria.

A liminar foi deferida em conflito de competência entre a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central de São Paulo e a 15ª Vara do Trabalho de Fortaleza.

Segundo o ministro Mussi, o STJ tem jurisprudência no sentido de que os atos de execução dos créditos individuais promovidos contra empresas falidas ou em recuperação judicial – tanto sob a vigência do Decreto-Lei 7.661/1945 quanto após a edição da Lei 11.101/2005–, devem ser realizados pelo juízo universal da recuperação.

Livraria alega que execução trabalhista contraria plano de recuperação judicial

No conflito de competência, a Livraria Cultura questionou a decisão da 15ª Vara do Trabalho de Fortaleza que determinou a liberação de depósitos recursais feitos pela empresa em sede de reclamação trabalhista ajuizada por uma vendedora demitida por justa causa.

A defesa alegou que a decisão contestada foi proferida à revelia do plano de recuperação judicial aprovado pelos credores e homologado pelo juízo da recuperação.

De acordo com o ministro Jorge Mussi, a legislação falimentar – nos termos dos incisos II e III do artigo 6º da Lei 11.101/2005 – prevê que a decretação da falência ou a abertura do processo recuperacional implica a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência.

O ministro observou que essa previsão legal proíbe, também, qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, a partir de demandas referentes a créditos ou obrigações submetidos à recuperação judicial ou à falência.

Juízo da recuperação deve decidir sobre liberação de depósitos

Com base em precedentes do STJ, Mussi também assinalou que compete ao juízo da recuperação judicial deliberar a respeito da destinação dos depósitos recursais realizados em reclamações trabalhistas, mesmo em momento anterior à decretação da falência ou ao deferimento da recuperação.

“Mesmo em relação aos créditos não sujeitos à recuperação judicial, é competente o juízo da recuperação para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial”, acrescentou.

Além disso, o magistrado lembrou que o STJ vem se posicionando no sentido de que, autorizado o processamento ou, posteriormente, aprovado o plano de recuperação judicial, é incabível a retomada automática das execuções individuais, ainda que decorrido o prazo de 180 dias estabelecido pelo artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei 11.101/2005.

O mérito do conflito de competência será analisado pela Segunda Seção, sob relatoria do ministro Raul Araújo.

Leia a decisão no CC 185.558. Destaques de hoje

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): CC 185558

A página da Pesquisa Pronta disponibilizou sete entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Produzida pela Secretaria de Jurisprudência da corte, a nova edição aborda, entre outros assuntos, a competência para revisão das prisões preventivas no âmbito do Código de Processo Penal e a abusividade de cláusula que exclui tratamento ou procedimento necessário à cura de doença coberta pelo plano de saúde.

O serviço tem o objetivo de divulgar os entendimentos do STJ por meio da consulta, em tempo real, sobre determinados temas. A organização dos assuntos é feita de acordo com o ramo do direito ou em categorias predefinidas (assuntos recentes, casos notórios e teses de recursos repetitivos).

Direito Processual Civil – Recursos e outros meios de impugnação

Admissibilidade Recursal. Recurso Especial. Conceito de faturamento e receita bruta. 

“Na forma da jurisprudência do STJ, ‘a discussão referente ao conceito de faturamento e receita bruta, notadamente no que se refere à definição da base de cálculo, implica análise de matéria constitucional, o que é vedado nesta Corte Superior, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.'”

AgInt no REsp 1.944.062/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 09/11/2021, DJe 12/11/2021.

Direito processual penal – prisão preventiva

Prisão Preventiva. Competência para revisão a cada 90 (noventa) dias. 

“Acerca da regra prevista no parágrafo único do art. 316 do CPP, ‘nos termos do parágrafo único do art. 316 do CPP, a revisão, de ofício, da necessidade de manutenção da prisão cautelar, a cada 90 dias, cabe tão somente ao órgão emissor da decisão (ou seja, ao julgador que a decretou inicialmente).'”

AgRg no RHC 155.263/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021.

Direito civil – contratos

Plano de Saúde. Cláusula excludente do custeio de tratamento clínico, procedimento cirúrgico, medicamento ou materiais necessários à cura.  

“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a abusividade da cláusula excludente do custeio de tratamento clínico, procedimento cirúrgico, medicamento ou materiais necessários à cura de doença coberta ante a flagrante frustração da finalidade precípua do contrato, qual seja, a garantia da saúde do usuário.”

AgInt no AREsp 1.713.875, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 09/08/2021, DJe 17/08/2021.

Direito Penal – Aplicação da pena

Tráfico de Drogas. Repercussão do histórico de prática de atos infracionais na dosimetria da pena.  

“Por ocasião do julgamento do EREsp 1.916.596/SP (Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Rel. p/ acórdão Ministra Laurita Vaz), na sessão de 8/9/2021, prevaleceu, no âmbito da Terceira Seção, para fins de consolidação jurisprudencial e ressalvado o posicionamento da Relatora para o acórdão, ‘entendimento intermediário no sentido de que o histórico infracional pode ser considerado para afastar a minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, por meio de fundamentação idônea que aponte a existência de circunstâncias excepcionais, nas quais se verifique a gravidade de atos pretéritos, devidamente documentados nos autos, bem como a razoável proximidade temporal de tais atos com o crime em apuração.'” 

AgRg no AgRg no HC 631.924/DF, Rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 16/11/2021, DJe 19/11/2021).

Direito Civil – Contratos

Extinção de Contrato. Arras Confirmatórias.

“A jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que as arras confirmatórias não se confundem com a prefixação de perdas e danos, tal como ocorre com o instituto das arras penitenciais, visto que servem como garantia do negócio e possuem característica de início de pagamento, razão pela qual não podem ser objeto de retenção na resolução contratual por inadimplemento do comprador.”

AgInt no AREsp 1.934.898/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/11/2021, DJe 25/11/2021).

Direito Civil – Responsabilidade Civil

Sentença Penal Absolutória. Repercussão nas esferas civil e administrativa.  

“Este Tribunal Superior tem reiteradamente afirmado a independência entre as instâncias administrativa, civil e penal, salvo se verificada absolvição criminal por inexistência do fato ou negativa de autoria. Dessa forma, a absolvição criminal motivada por ausência de comprovação do elemento anímico da conduta não obsta o prosseguimento da ação civil pública por ato de improbidade administrativa.”

AgInt no REsp 1.761.220/PR, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 11/10/2021, DJe 20/10/2021.

Direito Processual Penal – Ação penal

Instrução Penal. Participação de corréus nos interrogatórios de outros réus.  

“O art. 188 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003, dispõe que o magistrado, após proceder ao interrogatório, deve indagar de todas as partes, sem exceção, se restam eventuais fatos a serem esclarecidos. A propósito, o Supremo Tribunal Federal tem firmado entendimento no sentido da legitimidade da participação dos Corréus nos interrogatórios de outros réus, em reverência ao princípio do contraditório.”

AgRg no REsp 1905931/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 10/08/2021, DJe 16/08/2021. 

Por maioria, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um banco para excluir dos efeitos da recuperação judicial os recebíveis cedidos fiduciariamente em garantia de cédulas de crédito bancário. O colegiado também entendeu que esse tipo de crédito não pode ser considerado bem de capital, razão pela qual não se sujeita ao impedimento de retirada do estabelecimento da recuperanda durante o prazo de suspensão previsto no artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei 11.101/2005.

No julgamento, os ministros reformaram acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que compreendeu que a falta de registro da cessão fiduciária desconstituiria a garantia; com isso, o banco não poderia receber os valores respectivos fora da recuperação judicial.  

A relatora do recurso, ministra Isabel Gallotti, lembrou que a jurisprudência do STJ considera que os contratos gravados com cessão fiduciária não se submetem ao regime da recuperação, pois são bens ou valores extraconcursais, conforme o parágrafo 3º do artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência (LRF).

“A ausência de registro não produz as consequências a ela atribuídas pela corte estadual, diante de que é requisito apenas para a preservação de direito de terceiros, portanto não constitui requisito para perfectibilizar a garantia”, disse.

Registro garante eventual direito de terceiros

Segundo a magistrada, o parágrafo 1º do artigo 1.361 do Código Civil cuida exclusivamente de bens infungíveis, qualidade que não alcança os recebíveis e os direitos de crédito em geral – como é o caso dos recebíveis discutidos no processo, que foram objeto de cessão fiduciária e possuem disciplina em lei própria.

Os credores da empresa em recuperação – esclareceu a relatora – não são os terceiros para os quais o registro promove a publicidade, uma vez que os direitos cedidos fiduciariamente integram o patrimônio do credor fiduciário, e não da recuperanda.

“A necessidade de registro se destina a salvaguardar eventuais direitos de terceiros, vale dizer, no caso de recebíveis, direitos que possam ser alegados pelos devedores da empresa em soerguimento, e não pelos seus credores, aos quais é indiferente o destino de bem que não integra o patrimônio sujeito à recuperação”, observou.

Crédito cedido fiduciariamente não é bem de capital

Para a magistrada, não prevalece o argumento da recuperanda segundo o qual, pelo princípio da preservação da empresa, e em vista da parte final do artigo 49, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005, seria vedada a retenção dos valores pelo banco antes de escoado o prazo legal de 180 dias (stay period), por se tratar de bem de capital.  

De acordo com o artigo 6º da LRF, procedimentos como as execuções ajuizadas pelo devedor e eventuais retenções, penhoras ou outras constrições judiciais contra o titular do pedido de recuperação ficam suspensos por 180 dias.

Ao destacar precedente da Terceira Turma, a relatora afirmou que direitos de crédito cedidos fiduciariamente não se encontram sob o abrigo de tal regra, seja por não estarem no estabelecimento empresarial sob a posse direta da empresa em recuperação, por força de sua disciplina legal específica, seja por não constituírem bem de capital.

Bens de capital, segundo o entendimento da relatora, são bens corpóreos, utilizados no processo produtivo (como a planta industrial da empresa, equipamentos, veículos), os quais não se destroem com o uso, sendo passíveis de entrega ao proprietário fiduciário caso persista o inadimplemento da operação garantida após o stay period.

Também com base na jurisprudência, Isabel Gallotti ponderou que, em se tratando de bens utilizados no processo produtivo, não cabe a sua retirada do estabelecimento do devedor durante o denominado stay period. Havendo controvérsia a respeito da necessidade do bem para o soerguimento da empresa, afirmou, caberá ao juízo da recuperação avaliar a sua essencialidade e decidir pela entrega imediata ao titular da propriedade resolúvel, para a execução da garantia, ou, ao contrário, pela impossibilidade de sua retirada.

“Observo, todavia, que, mesmo em se tratando de bem de capital, se o declarado intuito da recuperanda for fazer caixa, alienando imóvel cuja propriedade resolúvel é de titularidade do credor, a jurisprudência desta seção não reconhece a respectiva submissão ao juízo da recuperação, permitindo a continuidade da busca e apreensão perante o juízo da execução”, destacou.
Destaques de hoje

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1629470

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que considerou ilegítima para propor ação revisional de contrato bancário uma empresa que transferiu a dívida a terceiros, entregando-lhes toda a responsabilidade pela obrigação.

Para o colegiado, como a transferência do débito foi feita nos moldes previstos pelo artigo 299 do Código Civil, todos os direitos e deveres relacionados passaram para o novo devedor, sem reservas ou constituição de obrigação solidária.

No recurso ao STJ, a empresa sustentou que o devedor primitivo não perde o direito de reclamar contra o banco os danos que sofreu na vigência do contrato, pois ela teria transferido o domínio e a posse de imóveis como condição para que o terceiro assumisse a obrigação de pagar à instituição financeira.

Dessa forma, argumentou a empresa, o novo devedor assumiria o negócio apenas com o recebimento dos bens; por isso, só poderia discutir eventuais vícios contratuais a partir da celebração do pacto que resultou na assunção da dívida.

Devedora primitiva não compõe mais a relação obrigacional

O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso especial, explicou que a assunção de dívida consiste no negócio jurídico em que o devedor originário é substituído por uma terceira pessoa, a qual assume a posição de devedora na relação obrigacional.

De acordo com o artigo 299 do Código Civil, prosseguiu o magistrado, para que o terceiro assuma a obrigação do devedor, é preciso que haja o consentimento expresso do credor, momento em que haverá a exoneração do devedor primitivo – salvo se esse terceiro, na época da assunção da dívida, fosse insolvente e o credor ignorasse esse fato. As condições legais para a assunção da dívida, apontou o relator, foram confirmadas nos autos.

Segundo Bellizze, se a responsabilidade pelo pagamento da dívida foi integralmente transferida a terceiros – ainda que, no caso, a devedora primitiva tenha entregado imóveis de sua propriedade por valores supostamente menores do que a cotação de mercado –, não é possível ajuizar ação para buscar a revisão do contrato, tendo em vista que a devedora primitiva não compõe mais o polo passivo da relação obrigacional.

Empresa teria que anular a assunção da dívida para discutir nulidades

Para o ministro, a empresa recorrente poderia, previamente, tentar anular a assunção da dívida, a fim de retornar à condição de devedora da obrigação perante o banco, e, a partir daí, discutir eventuais nulidades das cláusulas contratuais.

“A prevalecer o entendimento defendido pela recorrente acerca da sua legitimidade ativa ad causam, ela seria duplamente beneficiada, pois, além de ter sido liberada da totalidade do débito, em razão da assunção da dívida, não podendo mais ser cobrada pelo credor, ainda assim receberia pelos encargos indevidos do contrato, caracterizando verdadeiro comportamento contraditório (venire contra factum proprium)”, concluiu o ministro ao manter a decisão do TJPR.

Leia o acórdão no REsp 1.423.315.

Não havendo na sentença condenatória transitada em julgado a determinação expressa de reparação do dano, o juízo da execução penal não pode inserir essa exigência como condição para a progressão de regime do preso condenado por crime contra a administração pública.  

O entendimento foi da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso em habeas corpus interposto por um ex-empregado público condenado à pena de quatro anos e dois meses de reclusão pela prática de peculato e lavagem de capitais. O prejuízo para a instituição em que trabalhava foi de mais de R$ 174 mil.

A defesa contestou decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) que, confirmando entendimento do juízo da execução, considerou impossível a progressão de pena do réu, por ele não ter cumprido o disposto no artigo 33, parágrafo 4º, do Código Penal (CP) – o qual, nos crimes praticados contra a administração, condiciona o benefício à reparação do dano ou à devolução do produto da conduta ilícita.  

De acordo com a defesa, apesar da previsão do CP, tal limitação à progressão de pena não deveria existir no caso, pois não houve condenação à reparação do dano, tendo em vista a ausência de pedido expresso na denúncia – circunstância que inviabilizou o contraditório e a ampla defesa, e levou o tribunal de origem, no julgamento da apelação, a excluir de forma expressa essa parte da sentença condenatória. 

STF considera constitucional vincular progressão à reparação do dano

Em seu voto, o relator no STJ, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar o artigo 33, parágrafo 4º, do Código Penal, reconheceu a constitucionalidade da norma que vincula a progressão do regime prisional à reparação do dano ou à devolução do produto do ilícito, com os acréscimos legais. 

Porém, o magistrado observou que, no caso analisado, embora a condenação de primeiro grau tenha fixado como mínimo indenizatório valor superior a R$ 174 mil, o TJPE, ao julgar a apelação, excluiu esse capítulo da sentença.  

“Não havendo na sentença condenatória transitada em julgado determinação expressa de reparação do dano ou de devolução do produto do ilícito, não pode o juízo das execuções inserir referida condição para fins de progressão, sob pena de se ter verdadeira revisão criminal contra o réu”, afirmou o relator. 

Observância aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório

Reynaldo Soares da Fonseca salientou que a execução penal guarda relação com o título condenatório formado no juízo de conhecimento, razão pela qual não é possível agregar como condição para a progressão de regime um capítulo da sentença que foi removido em respeito ao devido processo legal.

“Se não foi possível manter o mínimo indenizatório no título condenatório, em virtude da não observância aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não é possível restabelecê-lo por ocasião da execução do referido título no juízo das execuções”, concluiu.

Leia o acórdão do HC 686.334.

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em execução por quantia certa, em que é direito do exequente receber dinheiro, não se pode impor unilateralmente que o credor receba coisa distinta daquela estipulada na decisão judicial provisória ou definitivamente executada, sob pena de absoluta subversão da lógica processual que orienta a execução.

Com esse entendimento, o colegiado negou o recurso de um espólio que, no cumprimento provisório de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa (R$ 1,7 milhão), depositou um imóvel (e não o valor cobrado) como forma de se isentar da multa e do pagamento de honorários advocatícios previstos no artigo 523, parágrafo 1º, do CPC/2015, que se aplicam às execuções provisórias por força do artigo 520, parágrafo 2º, do mesmo código.

Apesar da recusa do exequente, o juiz aceitou o depósito do bem, avaliado em R$ 6,5 milhões. Contudo, a decisão foi reformada após recurso, no sentido de que não há equivalência entre o oferecimento do imóvel e o depósito voluntário da quantia devida.

Previsto no artigo 520, parágrafo 3º, do CPC/2015, o depósito judicial na execução provisória, na qual ainda há recurso pendente de apreciação, serve para isentar o executado da multa e dos honorários advocatícios. Funciona como forma de evitar a invasão patrimonial durante a fase provisória da execução (penhora, expropriação, alienação, adjudicação), podendo ser imediatamente levantado, em regra, mediante a prestação de caução pelo exequente.

Atual legislação autoriza a cobrança de multa e honorários em decisão provisória

A ministra Nancy Andrighi, relatora, afirmou que, diferentemente da jurisprudência firmada na vigência do CPC/1973, em que se permitia cobrança de honorários apenas em caso de descumprimento de decisão definitiva, a nova legislação processual civil prevê, expressamente, a incidência de tais encargos também na hipótese de cumprimento provisório.

Citando precedente firmado no REsp 1.803.985, a relatora esclareceu que, no cumprimento definitivo, a multa será excluída apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão do débito.

“Todavia, se se tratar de cumprimento provisório da decisão, a multa e os honorários advocatícios não serão devidos se houver o simples depósito judicial do valor (que, pois, não se confunde com o pagamento voluntário da condenação), de modo a compatibilizar a referida regra com a preservação do interesse recursal do executado que impugnou a decisão exequenda”, declarou.

Depósito de bem distinto deve ser aceito pelo exequente

Em seu voto, a magistrada destacou que a finalidade da execução por quantia certa é o recebimento do dinheiro do crédito, provável ou definitivo, a que o credor faz jus. Para a ministra, não há direito subjetivo do devedor em realizar o depósito ou quitar a dívida com um bem, mas assiste ao credor o direito subjetivo de ter seu crédito satisfeito nos moldes e termos da decisão que a fixou.

Nancy Andrighi ponderou que, caso fosse possível realizar o depósito de item distinto do estabelecido, caberia ao exequente decidir entre aceitar o bem ofertado em substituição ao dinheiro ou prosseguir com a fase de cumprimento da sentença de execução, com a possibilidade de penhora e conversão do bem em pecúnia – incluídos a multa e os honorários advocatícios.

“Assim, por qualquer ângulo que se examine a questão, somente se pode concluir que o artigo 520, parágrafo 3º, do CPC/2015 não autoriza a interpretação de que o depósito judicial de dinheiro possa ser substituído pelo oferecimento de bem equivalente ou representativo do valor executado, salvo se houver concordância do exequente, inexistente na hipótese em exame, razão pela qual é devida a multa e os honorários previstos no artigo 520, parágrafo 2º, do CPC/2015”, concluiu a relatora ao rejeitar o recurso.

Leia o acórdão no REsp 1.942.761.
Destaques de hoje

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1942671

e o concurso público fosse uma religião, um de seus dogmas mais sagrados seria o respeito à lista de classificação dos candidatos – um desdobramento do princípio da isonomia no serviço público. O respeito à ordem da lista garante que, de fato, os cargos públicos sejam ocupados pelos candidatos que apresentaram melhor desempenho no certame.

Nessa religião, seria pecado mortal a chamada preterição arbitrária, situação em que um candidato, de modo indevido, deixa de ser convocado na sequência da lista de aprovados, em razão de preferência por outro ou de alguma circunstância externa ao concurso.

As alegações de preterição arbitrária são comuns no Brasil, e muitas vezes as demandas judiciais daí resultantes – em geral, travadas entre os candidatos e a administração pública – exigem o pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Precedente importante do STF

Sobre o tema da preterição, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou precedente importante ao julgar o RE 837.311, em 2015.

Na ocasião, o STF estabeleceu que o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora do número de vagas previsto no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração pública.

Segundo o STF, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso surge nas seguintes hipóteses: 1) quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas do edital; 2) quando houver preterição na nomeação, por não observância da ordem de classificação; 3) quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração.

Vagas originadas de decisão judicial

Sob essa orientação, no RMS 63.471, a Primeira Turma estabeleceu que o acréscimo de candidatos aprovados por força de decisão judicial não implica o aumento do número de vagas previsto no edital. Dessa forma, o colegiado afastou o argumento de que teria havido preterição arbitrária por parte do Distrito Federal.

O caso foi analisado pelo colegiado no âmbito de recurso em mandado de segurança interposto por quatro candidatos classificados fora tanto do número de vagas do edital (20) quanto das posições destinadas a cadastro de reserva (40). De acordo com os candidatos, as 60 vagas inicialmente ofertadas foram acrescidas, após decisões da Justiça, de cinco vagas extras.

Posteriormente, quatro pessoas em posições melhores que as dos impetrantes – classificados nas posições de 61º a 64º – acabaram desistindo do concurso, o que teria gerado, segundo os autores, direito subjetivo à nomeação, pois eles estariam dentro das 65 vagas existentes após as decisões judiciais.

O ministro Sérgio Kukina, relator do recurso, apontou que eventual decisão judicial que tenha considerado aprovado determinado candidato não poderia ser interpretada como aumento do número de vagas a serem preenchidas no concurso, tendo em vista que esse número continuará sendo aquele definido no edital do certame.

“Não há, por isso, falar em preterição arbitrária por parte da administração pública, ao considerar, no cômputo das nomeações, o número de vagas originariamente ofertado”, concluiu o ministro.

Contratação temporária de enfermeiros na pandemia

Durante a pandemia da Covid-19, ao analisar o RMS 65.757, a Segunda Turma concluiu que a contratação temporária de enfermeiros, em decorrência da crise sanitária, não configurou preterição ilegal e arbitrária nem gerou direito a provimento em cargo público por candidato aprovado em cadastro de reserva.

Na ação, os candidatos alegaram que a contratação temporária realizada pelo município de Petrópolis (RJ), mediante processo seletivo, demonstrava tanto a necessidade do serviço quanto a disponibilidade orçamentária e a existência de vagas em aberto. Assim, para os impetrantes, a aprovação em concurso – ainda que para cadastro de reserva – deveria prevalecer sobre a simples aprovação em processo seletivo.

O relator do caso, ministro Mauro Campbell Marques, citou precedente do STJ (RMS 64.166) no sentido de que a contratação temporária não significa, por si só, a preterição do aprovado em concurso. De acordo com o magistrado, além de a contratação temporária ter previsão constitucional – o que aponta a regularidade intrínseca do procedimento –, a ilegalidade nessa forma de admissão só ocorre quando não são observados os requisitos da legislação da respectiva unidade federativa.

Ainda segundo o ministro, o município agiu no contexto do combate à pandemia, buscando a contratação de profissionais para o enfrentamento de situação temporária. Além disso, ressaltou, a contratação questionada teve origem em ação civil pública ajuizada justamente em razão da necessidade temporária advinda da pandemia.

Em tal circunstância – quando a nomeação decorre de determinação judicial –, a jurisprudência considera que não se caracteriza a preterição ilegal, concluiu o relator.

Preterição no cálculo de vaga para candidato cotista

A preterição de candidato foi reconhecida pela Primeira Turma no RMS 62.185, caso que envolvia a convocação de aprovados na lista de ampla concorrência e nas vagas destinadas a cotistas.

Segundo a ação, o concurso público para o cargo de jornalista previa três vagas – duas delas para concorrência ampla e uma destinada a pessoa com deficiência. No mandado de segurança, o candidato aprovado em primeiro lugar entre as pessoas pretas e pardas alegou que, de acordo com decreto do Estado do Rio Grande do Sul, em todo concurso em que houvesse três vagas em disputa, uma delas deveria ser reservada para a cota racial.

O ministro Sérgio Kukina explicou que o edital do concurso reservou aos pretos e pardos vagas em percentual equivalente à sua representação na composição populacional do Rio Grande do Sul, como determinado em lei estadual. De acordo com o edital, esse percentual deveria ser calculado sobre o total de vagas disponibilizado para cada cargo.

Já segundo a legislação do Rio Grande do Sul, quando o número de vagas reservadas aos pretos e pardos resultasse em fração, deveria ser arredondado para o número inteiro imediatamente superior, em caso de fração igual ou maior que 0,5, ou para o número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5.

Nesse sentido, o relator destacou que o tribunal de origem considerou, no cálculo da possível vaga para pretos, apenas os postos destinados à ampla concorrência, chegando ao coeficiente de 0,336 e concluindo, por extensão, que não haveria direito do candidato negro à convocação. Essa interpretação, para o ministro, não representou a melhor solução para a controvérsia.

Dessa forma, considerando o percentual de 16,8% de pessoas negras e pardas no Rio Grande do Sul à época do concurso, Sérgio Kukina apontou que o resultado do cálculo, levando em consideração o total de vagas do concurso, seria o coeficiente de 0,504 – atingindo, assim, o percentual previsto pela lei estadual para a convocação de candidato da lista especial de pretos e pardos.

“Ora, tendo sido nomeados dois candidatos oriundos da concorrência ampla e um terceiro proveniente da vaga reservada a candidato com deficiência, caracterizada restou a preterição na convocação do ora recorrente – primeiro colocado na lista de candidatos negros –, em desenganada afronta não apenas à regra editalícia, como também à Lei Estadual 14.147/2012 e ao seu Decreto 52.223/2014”, concluiu o ministro.

Comprovação de vagas e necessidade de novos profissionais 

A preterição também foi identificada pela Segunda Turma no RMS 63.562, impetrado por um candidato aprovado em 13º lugar para o cargo de professor em Minas Gerais. Segundo o candidato – aprovado fora do número de vagas –, foram convocados os 12 primeiros candidatos do concurso e, ainda durante a validade do certame, surgiram três novas vagas, o que configuraria o seu direito líquido e certo à nomeação.

O relator do recurso em mandado de segurança, ministro Herman Benjamin, mencionou que a jurisprudência do STF – além do entendimento no RE 837.311 – considera válida a contratação temporária quando o objetivo é evitar a interrupção da prestação do serviço, sem que isso signifique vacância ou existência de cargos vagos.

Entretanto, o ministro destacou que houve comprovação suficiente de que, como apontou o candidato, surgiram três novas vagas para o cargo de professor, fato que resultou na preterição do seu direito de ser nomeado, em razão da contratação irregular de servidores temporários para o mesmo cargo em que o candidato foi aprovado.

“Ademais, existe contratação temporária de professores, e o impetrante está exercendo a função de professor temporário, o que pressupõe a necessidade de novos profissionais para trabalhar com a educação”, finalizou o magistrado.

Nomeação por sentença não gera direito à indenização

No EREsp 1.117.974, a Corte Especial analisou caso no qual a candidata deixou de ser nomeada para o cargo de defensora pública na ordem de classificação porque a administração estadual do Rio Grande do Sul rejeitou a comprovação do tempo de prática jurídica – decisão posteriormente invalidada pelo Judiciário. Como consequência, a candidata foi nomeada mais de um ano depois dos demais aprovados.

Em razão dessa situação, a candidata aprovada entendia que o Rio Grande do Sul deveria indenizá-la pelo atraso em sua nomeação.

Em seu voto, o ministro Teori Zavascki (falecido) lembrou que o STF, analisando o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, reconhecia ao candidato o direito de ser indenizado pelo valor dos vencimentos que deixou de receber. No entanto, a corte passou a considerar que não é devida indenização pelo tempo em que se aguardou uma solução judicial definitiva sobre aprovação no concurso.

Segundo o ministro, a responsabilidade civil do Estado é matéria constitucional, razão pela qual ganha relevância e supremacia a jurisprudência do STF sobre o tema.

Prazo prescricional a partir da nomeação questionada

Nos casos de preterição de candidato em concurso, qual seria o prazo para a pessoa prejudicada reivindicar judicialmente a reparação? Para a Segunda Turma, o prazo prescricional de cinco anos tem início na data em que foi nomeado outro servidor no lugar do aprovado no certame.

No caso analisado – em que se discutiu a preterição de candidato pelo remanejamento de vagas no Ministério Público da União –, o Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1) entendeu que, nos termos do artigo 1º da Lei 7.144/1983, prescreveria em um ano, a contar da data em que fosse publicada a homologação do resultado final, o direito de ação contra qualquer ato relativo a concurso para provimento de cargos na administração direta e nas autarquias federais. Assim, como o concurso havia sido homologado em 2007 e o processo foi ajuizado em 2009, o TRF1 declarou a prescrição do direito de ação do candidato.

A ministra Assusete Magalhães apontou jurisprudência do STJ no sentido de que as normas previstas na Lei 7.144/1983 se aplicam apenas a atos relativos ao concurso público, nos quais não se insere a controvérsia sobre preterição ao direito público subjetivo de nomeação para o candidato aprovado e classificado dentro do número de vagas oferecidas no edital de abertura, hipótese para a qual o prazo é o previsto no Decreto 20.910/1932.

Além disso, a magistrada lembrou que, no REsp 415.602, o STJ estabeleceu que, havendo preterição de candidato aprovado em concurso, o marco inicial do prazo prescricional recai no dia em que foram nomeados outros servidores.

“Nesse contexto, consoante a jurisprudência desta corte, aplica-se o prazo prescricional de cinco anos do Decreto 20.910/1932, tendo por termo inicial o ato lesivo à posse do recorrente, que, na espécie, consiste na remoção de servidor público do MPU para a vaga que o autor entende deveria ser a ele destinada”, ressaltou a ministra.
Destaques de hoje

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RMS 63471RMS 65757RMS 64166RMS 62185RMS 63562REsp 1643048EREsp 1117974REsp 415602

“Salvo disposição contratual expressa, os planos de saúde não são obrigados a custear o tratamento médico de fertilização in vitro.” Essa foi a tese firmada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.067).

Leia também: O que é recurso repetitivo

Com o julgamento do tema, podem voltar a tramitar os processos individuais e coletivos que tratavam da mesma controvérsia e estavam suspensos em todo o país à espera da definição do precedente qualificado.

Legislação não obriga cobertura de fertilização in vitro

A relatoria dos recursos especiais coube ao ministro Marco Buzzi, o qual considerou que a técnica médica de fecundação conhecida como fertilização in vitro não tem cobertura obrigatória, segundo a legislação brasileira e as normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O magistrado apontou que a Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde) exclui a inseminação artificial do plano-referência de cobertura obrigatória, mas inclui o planejamento familiar, atribuindo à ANS a competência para regulamentar a matéria.

Na Resolução Normativa 192/2009, a ANS estabeleceu como procedimentos de cobertura obrigatória relacionados ao planejamento familiar as consultas de aconselhamento, as atividades educacionais e o implante de dispositivo intrauterino (DIU), e excluiu expressamente a inseminação artificial. Também a Resolução 428/2017 da ANS permitiu a exclusão da cobertura de inseminação artificial nos contratos.

Distinção entre inseminação artificial e fertilização in vitro

De acordo com o ministro, embora a inseminação artificial e a fertilização in vitro sejam técnicas de reprodução humana assistida, é importante considerar a distinção entre elas: a primeira, procedimento mais simples, consiste na colocação do sêmen diretamente na cavidade uterina; a segunda, mais complexa, feita em laboratório, envolve o desenvolvimento do embrião e sua transferência para o útero.

“Não há lógica que o procedimento médico de inseminação artificial seja, por um lado, de cobertura facultativa – consoante a regra do artigo 10, III, da lei de regência – e, por outro, a fertilização in vitro, que possui característica complexa e onerosa, tenha cobertura obrigatória”, concluiu Marco Buzzi.

O relator destacou que as duas resoluções da agência reguladora se basearam na Lei dos Planos de Saúde para excluir a técnica de inseminação artificial da cobertura obrigatória. Para ele, não é possível entender que a ANS tenha agido de maneira excessiva, pois foi autorizada expressamente pela lei a regulamentar a matéria.

Interpretação deve garantir o equilíbrio dos planos

Segundo o ministro, se a lei exclui a inseminação artificial da cobertura obrigatória que deve ser oferecida pelos planos aos consumidores, sendo a sua inclusão nos contratos facultativa, “na hipótese de ausência de previsão contratual expressa, é impositivo o afastamento do dever de custeio do mencionado tratamento pelas operadoras de planos de saúde”.

Citando diversos precedentes da Terceira e da Quarta Turmas – especializadas em direito privado –, Marco Buzzi ressaltou que a solução da controvérsia sobre a obrigatoriedade ou não da cobertura exige uma interpretação jurídica sistemática e teleológica, de modo a garantir o equilíbrio atuarial do sistema de suplementação privada de assistência à saúde, não podendo as operadoras ser obrigadas a custear procedimentos que são de natureza facultativa, segundo a lei aplicável ao caso e a própria