A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sessão nesta quarta-feira (6), pacificou a jurisprudência sobre a interpretação da Lei 11.636/2007 e estabeleceu que não é necessário o pagamento de custas para o processamento de embargos de divergência em matéria penal.

Com o julgamento, por maioria de votos, a corte reformou decisão anterior que, pela ausência de recolhimento de custas, havia declarado a deserção e indeferido liminarmente os embargos de divergência.

No voto que foi acompanhado pela maioria do colegiado, a ministra Laurita Vaz comentou que o tema vinha tendo interpretações divergentes no tribunal. Ela explicou que os julgados favoráveis à cobrança de custas se basearam no entendimento de que os embargos de divergência não estão previstos na legislação processual penal; por isso, não poderiam ser considerados um instituto tipicamente criminal (a previsão do recurso está nos artigos 1.043 e seguintes do Código de Processo Civil, que é aplicado subsidiariamente nas ações penais).

Entretanto, a magistrada apontou que o artigo 7º da Lei 11.636/2007 (que regula as custas no STJ) prevê que não são devidas custas nos processos de habeas data, habeas corpus e recursos em habeas corpus, e nas demais ações criminais – salvo a ação penal privada.

Para ela, como se trata de recurso em matéria penal, a interpretação da norma processual que deve prevalecer é aquela mais condizente com o direito à ampla defesa e ao contraditório.

Lei 11.636/2007 dispõe so​​bre ações criminais em sentido amplo

Segundo a ministra, a Lei 11.636/2007 não limita a isenção aos recursos de natureza exclusivamente penal, mas se refere aos processos criminais em sentido amplo.

“E, no caso, não há dúvida de que os embargos de divergência, embora não sejam previstos na legislação processual penal, são inquestionavelmente cabíveis e foram manejados dentro de um processo criminal, razão pela qual entendo ser inexigível o pagamento de custas processuais”, destacou.

Ao afastar a deserção e determinar o prosseguimento da análise dos embargos de divergência, Laurita Vaz lembrou que a Terceira Seção, especializada em direito penal, em razão da existência de decisões divergentes, debateu amplamente o tema e também realinhou o entendimento no sentido da inexigibilidade do pagamento de custas em embargos de divergência criminais.​​ Destaques de hoje

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): EAREsp 1809270

​Por ser um instrumento essencial da relação entre o advogado e seu cliente, o contrato de serviços advocatícios está protegido pelo sigilo profissional e pela inviolabilidade do exercício da advocacia.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou esse entendimento ao dar provimento, por unanimidade, ao recurso em mandado de segurança interposto por um advogado contra decisão judicial que o obrigava a apresentar o contrato com um cliente. Com a determinação, o juízo pretendia obter o endereço do cliente para dar prosseguimento a um cumprimento de sentença.

Relator do recurso, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que a advocacia é função essencial à administração da Justiça, conforme a Constituição, de maneira que não se pode considerar que suas prerrogativas sejam um privilégio corporativo, pois, na verdade, são uma proteção ao cliente, que confia documentos e segredos ao seu procurador.

Terceiro prejudicado por decisão judicial

No caso dos autos, após não serem localizados bens para penhora, o juízo determinou que o advogado informasse o endereço do cliente. Ele atendeu à determinação, mas o executado não foi encontrado no endereço fornecido. Diante disso, o juízo ordenou, a pedido do credor, que o advogado apresentasse o contrato de serviços.

Contra essa decisão, o advogado impetrou mandado de segurança, alegando que ela feria seu direito líquido e certo à inviolabilidade dos documentos relacionados ao exercício da profissão, de acordo com o artigo 133 da Constituição Federal. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) indeferiu o pedido sob o entendimento de que, por se tratar de decisão interlocutória, ela deveria ser combatida por agravo de instrumento, e não por mandado de segurança.

Em seu voto, Luis Felipe Salomão registrou que a doutrina e a jurisprudência majoritárias admitem que o mandado de segurança seja impetrado contra ato judicial em situações excepcionais, como na hipótese em que um terceiro é prejudicado pela decisão.

Segundo o magistrado, como o advogado não é parte da demanda principal, foi legítima a impetração do mandado com base na Súmula 202 do STJ, a qual dispõe que “a impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso”.

Prerrogativas não são absolutas

Ao deferir a segurança e cassar a decisão do juízo executante, o relator disse que as prerrogativas do advogado não são absolutas, já que se limitam ao exercício regular da atividade profissional e não se prestam a encobrir a prática de condutas juridicamente censuradas.

Para ele, o sigilo profissional tem como referência o caráter personalíssimo que reveste a relação contratual entre o advogado e seu cliente, baseada na confiança recíproca.

Salomão lembrou que o Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes, reiterou a necessidade de que seja assegurada a inviolabilidade do advogado. Ele também apontou que a garantia do sigilo profissional é respaldada pelo artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal

O ministro ainda acrescentou que, assim como a Constituição, o artigo 7º, inciso II, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) estabelece a inviolabilidade do escritório e de documentos, salvo hipótese de busca e apreensão. Da mesma forma, observou, o sigilo profissional tem amparo no artigo 154 do Código Penal e no artigo 207 do Código de Processo Penal, pois a violação do sigilo entre advogado e cliente viola também “o próprio direito de defesa e, em última análise, a democracia”.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):RMS 67105

​​​O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 1º, preconiza a doutrina da proteção integral e impõe a observância do melhor interesse do menor. Esse princípio, que orienta tanto o legislador quanto o aplicador da lei, estabelece a primazia das necessidades infanto-juvenis como critério de interpretação da norma jurídica, ou mesmo como forma de elaboração de políticas e solução de futuras demandas.

Segundo a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nancy Andrighi, nas ações que envolvem interesse da infância e da juventude, não são os direitos dos pais ou responsáveis que devem ser observados. “É a criança que deve ter assegurado o direito de ser cuidada pelos pais ou, ainda, quando esses não manifestam interesse ou condições para tanto, pela família substituta, tudo conforme balizas definidas no artigo 227 da Constituição Federal, que seguem estabelecidas nos artigos 3º, 4º e 5º do ECA“, afirmou.

A jurisprudência do tribunal se fundou tanto na doutrina da proteção integral como no princípio do melhor interesse de forma ampla, tendo como norte a prioridade absoluta à defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, protegendo-os ora de mudanças abruptas em sua rotina e condições de vida, ora de situações de violência – como destacou o ministro Marco Buzzi.

Competência para julgar medidas pro​​tetivas

Em recente julgado, a Segunda Seção estabeleceu a competência do juízo da localidade onde uma adolescente se encontrava – e não o do domicílio de sua guardiã legal – para examinar medidas protetivas propostas pelo Ministério Público estadual.

A menor estava sob a guarda legal de uma mulher, em uma cidade do Paraná, desde a morte de sua mãe biológica, quando tinha quatro meses de idade. Devido à denúncia de violência física e psicológica por parte da guardiã, o Ministério Público estadual ajuizou medida protetiva em favor da adolescente, tendo o juízo da localidade determinado o acolhimento emergencial em abrigo municipal.

Em menos de um mês, a adolescente fugiu e se abrigou com parentes biológicos maternos residentes no Rio Grande do Sul – o que levou o juízo do Paraná a declinar da competência para julgar a medida protetiva. O juízo da cidade gaúcha, por sua vez, suscitou o conflito de competência perante o STJ, ao argumento de que o artigo 147, incisos I e II, do ECA estabelece que o foro competente para apreciar e julgar medidas, ações e procedimentos que tutelam interesses, direitos e garantias legais é determinado pelo domicílio dos pais ou responsáveis.

O relator, ministro Marco Buzzi, lembrou que a orientação pacífica do colegiado é no sentido de que, em se tratando de questionamentos acerca da guarda, prevalecerá a competência do foro da comarca daquele que detém a guarda legal da criança ou do adolescente (Súmula 383).

No entanto, o ministro observou que o caso dizia respeito à competência para julgar medida protetiva em favor de adolescente em situação de risco, e não à discussão sobre guarda legal. O magistrado destacou que, em situações semelhantes, o tribunal considerou mais adequada a declaração de competência do juízo do local onde se encontrava o menor, uma vez que, pela proximidade, seria possível atender de maneira mais eficaz aos objetivos do ECA, bem como entregar a prestação jurisdicional de forma rápida e efetiva.

“Na resolução de conflitos que versam sobre o atendimento das necessidades de crianças e adolescentes, o norte hermenêutico deve ser sempre o interesse do menor”, afirmou o relator. Segundo ele, tendo em vista esse princípio e ainda o princípio do juízo imediato (artigo 147 do ECA), a fixação da competência no juízo que tem a possibilidade de interação mais próxima com o menor e seus responsáveis viabiliza a concretização dos objetivos traçados na lei.

Ação de afastamento familiar e ação ​​de guarda

Em 2020, a Terceira Turma definiu: mesmo que a sentença em ação de afastamento de convívio familiar transite em julgado, com a determinação de acolhimento institucional do menor, é possível o ajuizamento de ação de guarda por quem pretende reavê-la.

O colegiado deu provimento ao recurso de um casal para determinar o prosseguimento da ação de guarda ajuizada em abril de 2018, na qual pretendiam reaver a guarda que exerciam irregularmente sobre uma criança no período de 2014 a 2016 – quando o Ministério Público obteve tutela antecipatória em ação de afastamento de convívio familiar para o acolhimento institucional da menor.

A ação de guarda foi extinta. O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o casal careceria de interesse processual, na modalidade utilidade, para rediscutir as mesmas questões que já haviam sido objeto de decisão na ação de afastamento.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que as ações de guarda e de afastamento do convívio familiar têm pretensões ambivalentes: na primeira, pretende-se exercer o direito de proteção da pessoa dos filhos (guarda sob a ótica do poder familiar) ou de quem, em situação de risco, demande cuidados especiais (guarda sob a ótica assistencial); na segunda, pretende-se a cessação ou a modificação da guarda em razão de risco para a pessoa que deve ser preservada.

A ministra verificou que a sentença de mérito da ação de afastamento de convívio familiar foi proferida em 2016 (quando a menor tinha menos de dois anos, logo após o seu albergamento provisório) e considerou desnecessária, naquele momento, a produção de provas sobre as circunstâncias da entrega da criança e da tentativa de adoção à brasileira.

Entretanto, afirmou, tendo sido a ação de guarda ajuizada após um tempo considerável, em 2018, e com base em causas de pedir distintas e em possíveis modificações fáticas, “é absolutamente inadequado, diante desse novo possível cenário, opor a coisa julgada que se formou na ação de afastamento do convívio familiar aos recorrentes, que têm o direito de ver as novas questões por eles suscitadas examinadas em seu mérito na ação de guarda”.

Segundo a relatora, quanto ao entendimento da sentença que julgou procedente o pedido de afastamento do convívio familiar, de que seria juridicamente impossível reconhecer a filiação socioafetiva que tenha em sua origem uma adoção à brasileira, não há impedimento para que a questão seja examinada na ação de guarda. Por mais relevantes que sejam os motivos da decisão – destacou Nancy Andrighi –, estes não fazem coisa julgada, como expressamente estabelece o artigo 504, I, do Código de Processo Civil.

Adoção à brasileira, um pr​​oblema frequente

Um dos temas mais sensíveis e frequentes que chegam ao STJ, envolvendo crianças e adolescentes, é a adoção à brasileira. As turmas de direito privado que compõem a Segunda Seção adotam o entendimento de que, salvo evidente risco à integridade física ou psíquica do menor, não é de seu melhor interesse o acolhimento institucional, devendo ser prestigiada, sempre que possível, a sua manutenção em um ambiente de natureza familiar, desde que este se mostre confiável e seguro, capaz de recebê-lo com conforto, zelo e afeto.

Leia também: Julgados sobre adoção à brasileira buscam preservar o melhor interesse da criança

Em agosto de 2020, a Quarta Turma confirmou liminar e concedeu habeas corpus para revogar a decisão que, no curso da ação de nulidade do registro civil de um bebê de um ano e seis meses, determinou o seu acolhimento institucional. O colegiado entendeu que, mesmo havendo fortes indícios de irregularidades na adoção, inclusive com suspeita de pagamento, a transferência para um abrigo não seria a solução mais recomendada; por isso, permitiu a permanência da criança com a família adotiva até a conclusão da ação de nulidade do registro.

De acordo com a ministra Isabel Gallotti, relatora, deveria prevalecer no caso o princípio do melhor interesse do menor, que conviveu desde o nascimento com a mãe registral.

A ministra relatou que a criança foi entregue de forma irregular para a mãe registral logo após o parto. A decisão de acolhimento institucional foi proferida quando ela contava com oito meses de vida. Por força de liminar deferida pela Presidência do STJ, o menor voltou ao convívio da família registral, após ter passado poucos dias no abrigo.

Segundo a ministra Gallotti, a mãe registral e sua companheira estavam inscritas no Cadastro Nacional de Adoção, e não havia menção de risco algum à integridade física e psicológica do menor. Além disso, estava comprovado no processo que a mãe biológica era uma adolescente usuária de drogas que não tinha condições nem interesse na criação do filho.

Laços socioafetivos​​ não consolidados

Em situações excepcionais, no entanto, quando os laços socioafetivos ainda não se consolidaram, e sendo a adoção irregular, a jurisprudência recomenda o acolhimento institucional, tanto para evitar o estreitamento do vínculo afetivo quanto para resguardar a aplicação da lei. Nesse sentido, a Terceira Turma negou provimento ao recurso em habeas corpus interposto por uma mulher acusada de praticar adoção à brasileira, no qual pedia a guarda da criança.

De acordo com o processo, a mãe biológica do menor foi convencida a deixá-lo aos cuidados da filha da idosa para quem trabalhava, até resolver problemas financeiros. Algum tempo depois, foi demitida por mensagem de aplicativo e não teve o filho de volta.

A filha da idosa ajuizou ação para adotar a criança, mas o juízo de primeiro grau rejeitou o pedido por reconhecer que ela agiu de má-fé, aproveitando-se das dificuldades financeiras da mãe biológica para obter a guarda de fato. Na tentativa de evitar o recolhimento a uma instituição, a guardiã ajuizou habeas corpus no tribunal estadual, o qual foi denegado.

Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso no STJ, as conclusões da Justiça de primeiro e segundo graus deixam clara a necessidade de afastar a criança dos cuidados da mulher que tentou praticar a adoção irregular. O ministro também ponderou que o imediato acolhimento do menor em abrigo, na cidade onde residia sua mãe, poderia oferecer a proteção integral e viabilizar a reaproximação gradativa dos dois.

Cuidado maior ainda na​ pandemia

A pandemia de Covid-19 adicionou um novo componente aos casos de adoção ou acolhimento institucional de crianças e adolescentes. Ao julgar um pedido de habeas corpus, a Terceira Turma concluiu que a ameaça da doença era mais uma razão para manter a criança com a família que cuidava dela desde o nascimento – pelo menos até a conclusão do processo de adoção.

Dessa forma, o colegiado concedeu o habeas corpus para permitir à família substituta acolher novamente o menor, que havia sido internado em abrigo após decisão judicial fundamentada na tese de que o casal buscava burlar o procedimento de adoção legalmente previsto, incorrendo na prática de adoção à brasileira.

A família substituta alegou não se tratar de adoção à brasileira, tendo em vista as suas tentativas de regularizar a adoção do menor. E apontou a fragilidade pulmonar da criança, o que a tornaria mais vulnerável diante dos riscos de contaminação pelo novo coronavírus caso permanecesse em abrigo. Ao STJ, pediram a manutenção da criança na família até o julgamento final de todas as ações judiciais relacionadas ao caso.

O relator do caso, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que a convivência familiar é direito fundamental das crianças e adolescentes, previsto pela Constituição de 1988, sendo que “a afetividade, no âmago familiar, é tão ou mais importante do que a consanguinidade”.

Ele considerou ainda que, em virtude da pandemia de Covid-19, é preferível manter a criança em uma família que a deseja como membro do que em um abrigo. Além disso, chamou atenção para as dificuldades que envolvem o procedimento de adoção no Brasil, que é “burocrático e demorado”.

Em seu voto, Cueva afirmou que o papel do Judiciário é aferir, a cada caso, como se realizará o bem-estar de crianças e adolescentes entregues por familiares, informalmente, aos cuidados de padrinhos ou terceiros interessados em exercer o poder familiar – o que, notoriamente, burla o cadastro e pode estimular práticas dissimuladas e criminosas, a exemplo da conduta tipificada no artigo 242 do Código Penal.

“O destino dessas crianças acaba sendo definido a cada julgamento, a partir de premissas fáticas e da sensibilidade do magistrado”, declarou.

Indenização após fracasso da ad​oção

Em maio de 2021, a Terceira Turma reconheceu a uma mulher o direito de ser indenizada em R$ 5 mil pelo casal que a adotou ainda na infância e depois, quando ela já estava na adolescência, desistiu de levar adiante a adoção e praticou atos que acabaram resultando na destituição do poder familiar.

Para o colegiado, apesar de não se descartar a falha do Estado no processo de concessão e acompanhamento da adoção, não é possível afastar a responsabilidade civil dos pais adotivos, os quais criaram uma situação propícia à propositura da ação de destituição do poder familiar pelo Ministério Público, cuja consequência foi o retorno da jovem, então com 14 anos, ao acolhimento institucional.

“O filho decorrente da adoção não é uma espécie de produto que se escolhe na prateleira e que pode ser devolvido se se constatar a existência de vícios ocultos”, apontou a ministra Nancy Andrighi, no voto que foi seguido pela maioria da turma.

A criança – que já vinha de destituição familiar anterior – foi adotada aos nove anos de idade, após longo período em acolhimento institucional, por um casal com 55 e 85 anos. A convivência na nova família foi marcada por conflitos.

Apesar de ressaltar a importância do trabalho das instituições estatais no sistema de adoção, como o Ministério Público, a ministra apontou que, no caso dos autos, era perceptível a inaptidão dos adotantes – quadro que, no entanto, só foi reconhecido após a conclusão da adoção. Caso não tivessem ocorrido falhas estatais sucessivas, ponderou, a criança certamente não seria encaminhada a uma família imprópria para recebê-la.

Os números dos processos citados não são divulgados em razão de segredo judicial.

Se a sociedade deseja um combate rápido e efetivo ao crime, por qual razão não é permitido que a polícia invada uma casa a partir de qualquer suspeita, ou que o celular de uma pessoa seja apreendido por decisão do investigador para a verificação de suposto delito? A resposta está no Estado Democrático de Direito, que garante, a um só tempo, a submissão de todos à lei e a proteção dos direitos individuais – como a liberdade, a intimidade, a ampla defesa e o devido processo legal.

Esse sistema de proteção tem base principal na Constituição, cujo artigo 5º, inciso LVI, proíbe a utilização, no processo, de provas obtidas por meios ilícitos. O mesmo artigo estabelece a casa como asilo inviolável, salvo em situações como o flagrante delito ou a entrada, durante o dia, por determinação judicial (inciso XI); e o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas (inciso XII). Como consequência, todo o sistema de persecução penal precisa respeitar determinados limites, para que as provas não venham posteriormente a ser consideradas ilícitas.

Entretanto, o crime não conhece limites e está sempre modificando suas táticas para não ser descoberto, enquanto a polícia busca desenvolver novos métodos de investigação. Nessa corrida, uma linha – muitas vezes tênue – separa a legalidade da ilegalidade nos atos investigatórios.

O Judiciário é continuamente acionado para se pronunciar sobre eventuais nulidades nas provas, decorrentes de vícios em procedimentos policiais. As decisões mais recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre os meios de obtenção de provas são o objeto desta matéria especial.

Ilegalidade em diligências no campo d​​igital

A comunicação por celulares e pela internet é um dos fenômenos modernos mais importantes nessa relação antagônica entre as novas práticas criminosas e os limites da investigação policial. Em 2018, por exemplo, a Sexta Turma declarou nula decisão judicial que autorizou o espelhamento do aplicativo WhatsApp, por meio da página WhatsApp Web, como forma de obtenção de prova em uma investigação sobre tráfico de drogas.

Para o colegiado, entre outros fundamentos, a medida não poderia ser equiparada à interceptação telefônica, já que esta permite a escuta apenas após autorização judicial, ao passo que o espelhamento possibilita ao investigador acesso irrestrito a conversas registradas antes, podendo, inclusive, interferir ativamente na troca de mensagens entre os usuários.

Como consequência, a turma anulou provas obtidas pela polícia após a apreensão e o espelhamento do celular do investigado sem que, em relação ao uso do WhatsApp Web, ele tivesse dado o seu consentimento.  

“Para que ao caso de espelhamento via QR Code fosse aplicável, por analogia, a legislação atinente às interceptações telefônicas, com o propósito de dar suporte à conclusão de que as duas medidas são admitidas pelo direito, seria imprescindível a demonstração, por parte do intérprete, de similaridades entre os dois sistemas de obtenção de provas, sobretudo no que diz respeito à operacionalização e ao acesso às comunicações pertinentes”, afirmou a relatora do recurso, ministra Laurita Vaz (processo em segredo judicial).

Na mesma linha de entendimento, em março deste ano, a Sexta Turma considerou inválida a obtenção de provas a partir de prints da tela do WhatsApp Web. As imagens foram entregues por um denunciante anônimo em caso de suspeita de corrupção (processo em segredo judicial).

Impossibilidade de substituição de chips pela​​ polícia

A Sexta Turma – ao julgar recurso sob a relatoria da ministra Laurita Vaz – entendeu ser ilegal a substituição do chip do celular do investigado por um número da polícia.

Para o colegiado, de modo distinto da interceptação telefônica – em que somente os diálogos entre o alvo interceptado e outras pessoas são captados –, a substituição do chip do investigado por um da polícia, sem o conhecimento do alvo, daria ao investigador a possibilidade de conversar com os seus contatos e gerenciar todas as mensagens – hipótese de investigação que não tem previsão na Constituição nem na Lei 9.296/1996 (processo em segredo judicial).

No REsp 1.630.097, a Quinta Turma estabeleceu que, sem o consentimento do réu ou a prévia autorização judicial, é ilícita a prova colhida coercitivamente pela polícia em conversas mantidas pelo investigado com outra pessoa em telefone celular, por meio do recurso de viva-voz.

No caso dos autos, enquanto os policiais abordavam dois homens que lhes pareceram suspeitos, o celular de um deles recebeu uma ligação. Os agentes teriam exigido que o aparelho fosse colocado no modo viva-voz e ouviram a mãe do suspeito pedir a ele que voltasse para casa e entregasse certo “material” a uma pessoa que o aguardava. Na sequência, os policiais foram até a residência e encontraram 11 gramas de crack, acondicionados em 104 embalagens plásticas.

Segundo o relator, ministro Joel Ilan Paciornik, a abordagem descrita no processo resultou em obtenção ilícita de prova, já que o ato de colocar o telefone em viva-voz foi involuntário e coercitivo, gerando verdadeira autoincriminação. O relator lembrou que qualquer tipo de prova contra o réu que dependa dele mesmo só vale se o ato for feito de maneira voluntária e consciente.

“A prova está contaminada, diante do disposto na essência da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), consagrada no artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, que proclama a nódoa de provas, supostamente consideradas lícitas e admissíveis, mas obtidas a partir de outras declaradas nulas pela forma ilícita de sua colheita”, apontou o magistrado.

No HC 537.274, a Quinta Turma reforçou que é ilícita a prova oriunda do acesso aos dados armazenados no celular, relativos a mensagens de texto, SMS e conversas por meio de aplicativos, obtidos diretamente pela polícia no momento da prisão em flagrante, sem prévia autorização judicial.

Entretanto, no caso julgado, apesar de não ter havido autorização judicial, foi provado que o acusado permitiu que os policiais acessassem as trocas de mensagens em seu celular, motivo pelo qual o colegiado afastou a ilegalidade no procedimento investigatório. Além disso, havia outras provas capazes de sustentar a condenação.

Necessidade de gravação para entrada e​m residência

Muitos dos questionamentos sobre licitude de diligências policiais que chegam ao STJ dizem respeito à abordagem pessoal e ao ingresso dos agentes em locais privados – especialmente residências. Sobre esse tema, normalmente, os debates envolvem o direito à inviolabilidade do domicílio e a proteção da intimidade, mas também a constatação de flagrância e a necessidade de ação rápida por parte da polícia.

Em 2021, a Sexta Turma firmou um precedente importante ao definir que os policiais, caso precisem entrar em uma residência para investigar a ocorrência de crime e não tenham mandado judicial, devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. A permissão para o ingresso dos policiais no imóvel também deve ser registrada, sempre que possível, por escrito.

No julgamento, o colegiado fixou o prazo de um ano para o aparelhamento das polícias, o treinamento dos agentes e as demais providências necessárias para evitar futuras situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, resultar em responsabilização administrativa, civil e penal dos policiais, além da anulação das provas colhidas nas investigações.

Segundo o relator do caso, ministro Rogerio Schietti Cruz, a inviolabilidade da moradia é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de sua família, espera ter o seu espaço íntimo preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias.

O magistrado explicou que as circunstâncias anteriores à violação do domicílio devem ser capazes de justificar a diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito. Essa motivação, esclareceu, não pode derivar de simples desconfiança policial, baseada em “atitude suspeita” ou na fuga do indivíduo em direção à sua casa durante ronda ostensiva.

Além disso, Schietti lembrou que são frequentes as notícias de abusos cometidos em operações policiais realizadas em comunidades pobres, de modo que não se poderia atribuir valor absoluto ao depoimento daqueles que são apontados como responsáveis por atos abusivos. Dessa forma, para o ministro, o registro da diligência por meio audiovisual garante não só a proteção dos direitos individuais, mas a legalidade da ação policial para obtenção de provas dentro de residências (processo em segredo judicial).

Denúncia e fuga do acusado não au​​torizam ingresso na casa

Em posição semelhante, no RHC 89.853, a Quinta Turma estabeleceu que a existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas, somada à fuga do acusado ao avistar a polícia, por si só, não configuram razões concretas para autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem a sua autorização ou sem determinação judicial.

De acordo com o ministro Ribeiro Dantas, não se exige apuração profunda, mas apenas uma breve averiguação prévia – por exemplo, uma “campana” para verificar movimentação suspeita na casa.

Em relação ao material passível de apreensão em diligências policiais, a Sexta Turma entendeu que não existe exigência de que o mandado de busca e apreensão detalhe o tipo de documento a ser apreendido, ainda que de natureza sigilosa. Como consequência, o colegiado considerou válida operação policial que apreendeu prontuários médicos no âmbito de investigação sobre cárcere privado mediante internação em casa de saúde, além de maus-tratos contra pacientes.           

Segundo o relator do caso, ministro Sebastião Reis Júnior, oartigo 243 do Código de Processo Penal disciplina os requisitos do mandado de busca e apreensão, entre os quais não está o detalhamento do que pode ou não ser apreendido. Já o artigo 240 do código, apontou, apresenta rol exemplificativo dos casos em que a medida pode ser determinada, no qual se encontra a hipótese de arrecadação de objetos necessários à prova da infração, não havendo qualquer ressalva de que os documentos não possam ser relativos à intimidade ou à vida privada do indivíduo.

“O sigilo do qual se reveste o prontuário médico pertence única e exclusivamente ao paciente, e não ao médico. Assim, caso houvesse a violação do direito à intimidade, haveria de ser arguida pelos seus titulares (pacientes), e não pelo investigado”, afirmou o ministro (processo em segredo judicial).

Ainda no tocante ao material apreendido, no RHC 59.414, a Quinta Turma definiu que a ausência de lacre em todos os documentos e bens recolhidos pela polícia não torna automaticamente ilegítima a prova obtida. O entendimento foi fixado em processo por formação de quadrilha, corrupção e outros crimes, no qual um dos réus alegou que, quando os policiais federais estiveram na sede de sua empresa para cumprir mandados de busca e apreensão, não lacraram os objetos recolhidos, como computadores, documentos e discos rígidos.

Segundo o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, a ausência de lacre se deveu à grande quantidade e bens apreendidos. Para o relator, sem haver informações sobre adulteração do material recolhido, a simples ausência do lacre não tem a capacidade de anular a diligência e a ação penal.

“A defesa do acusado não alega ou aponta eventual prejuízo, nem sequer afirma qualquer nulidade na decisão que determinou a busca e apreensão, como o descumprimento dos ditames do artigo 240 e seguintes do Código de Processo Penal, bem assim que os documentos ou bens apreendidos foram efetivamente corrompidos, limitando-se a inferir/deduzir que a ausência de lacre em todo o material colhido era suficiente para transformar a prova em ilícita e a nulidade em absoluta”, reforçou o magistrado, ao negar o pedido de anulação das provas.

Falta de diligências antes de revista ín​​​tima

Diversos outros precedentes foram firmados pelo STJ a respeito da legalidade das diligências policiais. No REsp 1.695.349, a Sexta Turma considerou ilícita a prova obtida por meio de revista íntima realizada com base unicamente em denúncia anônima. Segundo o processo, com base em denúncia de que a acusada tentaria entrar no presídio com drogas, os agentes penitenciários submeteram-na a revista íntima e encontraram cerca de 45 gramas de maconha na vagina.

O ministro Rogerio Schietti afirmou que, sem diligências prévias para apurar a plausibilidade da informação anônima, não seria possível autorizar a realização da revista íntima, sob pena se esvaziar o direito constitucional à intimidade, à honra e à imagem da pessoa.

“Em que pese eventual boa-fé dos agentes penitenciários, não havia elementos objetivos e racionais que justificassem a realização de revista íntima. Eis a razão pela qual são ilícitas as provas obtidas por meio da medida invasiva, bem como todas as que delas decorreram (por força da teoria dos frutos da árvore envenenada), o que impõe a absolvição dos acusados, por ausência de provas acerca da materialidade do delito”, concluiu o magistrado.

Outro aspecto que gera controvérsias judiciais em investigações é o encontro casual de provas – a teoria da serendipidade. No RHC 117.113, a Quinta Turma definiu que são válidas as provas encontradas ao acaso pela polícia, relativas a crime até então desconhecido, durante diligência regularmente autorizada para a obtenção de provas de outro crime, ainda que os investigados ou réus em cada caso não sejam os mesmos.

De acordo com o colegiado, o encontro fortuito de provas é válido mesmo que não exista conexão ou continência entre os crimes e o delito descoberto não cumpra os requisitos autorizadores da diligência, e desde que não haja desvio de finalidade na execução do meio de obtenção de prova.​Destaques de hoje

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1630097HC 537274REsp 1630097HC 537274RHC 89853REsp 1695349RHC 117113

Embora o artigo 787, parágrafo 2º, do Código Civil estabeleça que é proibido ao segurado, sem a expressa concordância da seguradora, reconhecer sua responsabilidade ou fechar acordo para indenizar terceiro a quem tenha prejudicado, a inobservância dessa regra, por si só, não implica a perda automática da garantia securitária. 

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de o dispositivo legal não prever expressamente a consequência jurídica pelo descumprimento da regra, a jurisprudência da corte se firmou no sentido de que os contratos de seguro devem ser interpretados de acordo com a sua função social e a boa-fé objetiva, de modo que a perda do direito ao reembolso só ocorrerá se ficar comprovado que o segurado agiu de má-fé na transação com o terceiro.

Esse entendimento levou o colegiado a reformar decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que afastou o direito de um segurado ao reembolso, depois que ele, condenado por acidente de trânsito, fez acordo diretamente com a vítima. Para o tribunal local, a restituição do valor pago pelo segurado à vítima dependeria de ter havido a anuência da seguradora no acordo judicial.

O TJRS levou em consideração que, além do artigo 787 do Código Civil, a apólice exigia a concordância expressa da seguradora com o pagamento pelo segurado, no caso de sentença ou acordo.

Dispositivo legal busca coibir a má-fé

A ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, explicou que a finalidade do artigo 787, parágrafo 2º, do Código Civil é evitar fraude por parte do segurado, que, agindo de má-fé, poderia se unir ao terceiro para impor à seguradora um ressarcimento exagerado ou indevido.

Segundo ela, o segurado que age dessa forma pode perder o direito à garantia do reembolso, ficando pessoalmente responsável pela obrigação que tiver assumido com o terceiro.

Entretanto, Nancy Andrighi apontou que a interpretação harmônica entre o artigos 787 e 422 do Código Civil leva à conclusão de que a vedação imposta ao segurado não pode gerar a perda automática do direito ao reembolso, caso ele tenha agido com probidade e boa-fé.

“Poderá a seguradora, ao ser demandada, alegar e discutir todas as matérias de defesa no sentido de excluir ou diminuir sua responsabilidade, não obstante os termos da transação firmada pelo segurado, o qual somente perderá o direito à garantia/reembolso na hipótese de ter, comprovadamente, agido de má-fé, causando prejuízo à seguradora”, afirmou a ministra.

Seguradora não foi prejudicada

No caso dos autos, Nancy Andrighi ressaltou que não há indícios de que o segurado tenha agido de má-fé, tampouco de que o acordo tenha prejudicado os interesses da seguradora – mesmo porque o juízo de primeiro grau, ao homologá-lo, destacou que os valores combinados eram condizentes com o montante da condenação.

A relatora afirmou também que, como o processo estava na fase de cumprimento de sentença, o segurado não tinha outra opção senão o pagamento do valor da indenização, inclusive porque ele já estava com bens penhorados.

Leia o acórdão no REsp 1.604.048.

​​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a divulgação pública de conversas pelo aplicativo WhatsApp sem autorização de todos os interlocutores é ato ilícito e pode resultar em responsabilização civil por eventuais danos, salvo quando a exposição das mensagens tiver o propósito de resguardar um direito próprio de seu receptor.

Para o colegiado, assim como as conversas por telefone, aquelas travadas pelo aplicativo de mensagens são resguardadas pelo sigilo das comunicações, de forma que a divulgação do conteúdo para terceiros depende do consentimento dos participantes ou de autorização judicial.

“Ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bem como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano”, afirmou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.

Divulgação prejudicou membros de clube do Paraná

Na origem do caso, um torcedor foi acusado de postar em redes sociais e de vazar para a imprensa mensagens trocadas em um grupo do WhatsApp, do qual ele participava com outros torcedores e dirigentes de um clube de futebol do Paraná (PR). Segundo os autos, os textos revelavam opiniões diversas, manifestações de insatisfação e imagens pessoais dos participantes, o que resultou no desligamento de alguns membros do clube.

Na primeira instância, o autor da divulgação foi condenado a pagar R$ 40 mil em danos morais aos integrantes do clube que se sentiram afetados pela sua atitude. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), sob o fundamento de que houve violação à privacidade dos participantes do grupo, que acreditaram que suas conversas ficariam restritas ao âmbito privado.

Em recurso ao STJ, o torcedor sustentou que a gravação de conversa por um dos interlocutores não constitui ato ilícito e que o conteúdo das mensagens era de interesse público.

Liberdade de informação e direito à privacidade

Ao proferir seu voto, Nancy Andrighi lembrou que o sigilo das comunicações está diretamente ligado à liberdade de expressão e visa resguardar os direitos à intimidade e à privacidade, protegidos tanto pela Constituição Federal quanto pelo Código Civil, em seus artigos 20 e 21.

Ela destacou que, se o conteúdo das conversas enviadas pelo aplicativo de mensagens puder, em tese, interessar a terceiros, haverá um conflito entre a privacidade e a liberdade de informação, o que exigirá do julgador um juízo de ponderação sobre esses direitos.

“É certo que, ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia”, observou a relatora.

No caso analisado, a magistrada ressaltou que, conforme o que foi apurado pelas instâncias ordinárias, o divulgador não teve a intenção de defender direito próprio, mas de expor as manifestações dos outros membros do grupo.

Leia o acórdão no REsp 1.903.273.

​​Amicus curiae (amigo da corte) é uma expressão latina utilizada para designar o terceiro que ingressa no processo com a função de fornecer subsídios ao órgão julgador. Com o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), tal modalidade de intervenção – cujas regras se encontravam dispersas pela legislação processual civil extravagante – foi sistematizada.

Segundo o artigo 138 do código, o juiz ou o relator do processo, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema ou a sua repercussão social, poderá solicitar ou admitir a participação no feito de pessoa física ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada.

No STJ, a atuação dos amigos da corte é destinada, especialmente, ao julgamento de recursos especiais repetitivos, em que são analisadas questões jurídicas presentes em múltiplas ações. Essa função foi fortalecida pela previsão legal de que o amicus curiae, apesar de, em geral, não poder interpor recursos, está autorizado a opor embargos de declaração e a recorrer da decisão que julgar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).

Apesar do avanço trazido pelo CPC/2015 com a sistematização dessa importante figura, ainda restam muitos questionamentos sobre os requisitos de admissão, as funções e os limites do amicus curiae no processo judicial – em especial, diante do impacto gerado pelas decisões em matéria repetitiva. Veja, a seguir, algumas teses construídas pelo STJ sobre o tema.

Admitir amicus curiae é faculdade do m​​​agistrado

Ao julgar recurso repetitivo (REsp 1.696.396), a Corte Especial do STJ entendeu que a decisão monocrática que trate da admissibilidade do amicus curiae não é impugnável por agravo interno. A relatoria foi da ministra Nancy Andrighi, a qual destacou ser a admissão dos amigos da corte uma faculdade do magistrado, como preceitua o a​rtigo 138 do CPC/2015.

“A leitura do artigo 138 do CPC/2015 não deixa dúvida de que a decisão unipessoal que verse sobre a admissibilidade do amicus curiae não é impugnável por agravo interno, seja porque o caput expressamente a coloca como uma decisão irrecorrível, seja porque o parágrafo 1º expressamente diz que a intervenção não autoriza a interposição de recursos, ressalvada a oposição de embargos de declaração ou a interposição de recurso contra a decisão que julgar o IRDR”.

Nancy Andrighi salientou ainda que, apesar de haver precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) – especialmente em ações diretas de inconstitucionalidade – no sentido de que o candidato a amicus curiae teria legitimidade para recorrer da decisão que o inadmite, a questão não era tratada expressamente no ordenamento jurídico brasileiro até o advento do CPC/2015.

“Esse entendimento é fruto de construção jurisprudencial consolidada na ausência de regra jurídica específica que disciplinasse a recorribilidade pelo amicus curiae, lacuna legislativa que veio a ser amplamente sanada pelo CPC/2015″, afirmou a magistrada.

Interesse na causa nã​o basta

Sob a relatoria da ministra Isabel Gallotti, a Segunda Seção indeferiu pedido de atuação como amicus curiae da Defensoria Pública da União (DPU) noREsp 1.333.977, o qual discutia, no sistema dos repetitivos, encargos de crédito rural destinado ao fomento de atividade comercial. Na ocasião, firmou-se a tese de que “a legislação sobre cédulas de crédito rural admite o pacto de capitalização de juros em periodicidade inferior à semestral”.

A DPU alegou representar consumidores em milhares de ações sobre o tema. O colegiado, que não acolheu o pedido de intervenção, entendeu que a matéria, em regra, não configura hipótese de atuação típica da Defensoria Pública. A relatora classificou a argumentação da DPU como “insuficiente” para justificar uma intervenção formal em processo submetido ao rito dos repetitivos.

“Considero que a representatividade das pessoas, órgãos ou entidades referidos deve relacionar-se, diretamente, à identidade funcional, natureza ou finalidade estatutária da pessoa física ou jurídica que a qualifique para atender ao interesse público de contribuir para o aprimoramento do julgamento da causa, não sendo suficiente o interesse em defender a solução da lide em favor de uma das partes (interesse meramente econômico)”, declarou Gallotti.

“Apenas a situação de eventual devedor necessitado justificaria, em casos concretos, a defesa da tese jurídica em debate pela Defensoria, tese esta igualmente sustentada por empresas de grande porte econômico”, acrescentou.

A relatora ressaltou que a impossibilidade de a Defensoria Pública intervir no feito como amicus curiae não impediria a devida assistência judiciária como representante processual.

Intervenção deve ser pedida antes​​ do julgamento

Em questão de ordem suscitada no julgamento do REsp 1.152.218, a Corte Especial relembrou a jurisprudência do STJ no sentido de que o pedido de intervenção, na qualidade de amicus curiae, em recurso submetido ao rito dos repetitivos, deve ser feito antes do início do julgamento pelo colegiado, e fica a critério do relator.

No caso analisado pelos ministros, a Fazenda Nacional pleiteou seu ingresso como amigo da corte para discutir questão relacionada à classificação do crédito de honorários advocatícios na falência. O órgão defendeu seu interesse jurídico na demanda, em razão do fato de ser credora de inúmeras massas falidas e por força da interpretação atribuída ao artigo 186 do Código Tributário Nacional (CTN).

Em seu voto, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, com base em precedentes do STF e do próprio STJ, afirmou não haver “utilidade prática” nem “espaço” para o ingresso da Fazenda Nacional como amicus curiae, pois o julgamento já havia sido iniciado, com diversos votos proferidos.

De acordo com o magistrado, naquele momento processual não seria mais cabível forma alguma de intervenção do pretenso amigo da corte, e, “segundo assevera remansosa jurisprudência, o amicus curiae não tem legitimidade recursal, inviabilizando-se a pretensão de intervenção posterior ao julgamento”.

OAB na discussão de hono​​rários

Ao relatar os EDcl no EREsp 1.645.719, o ministro Villas Bôas Cueva negou pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção do Rio de Janeiro, por intermédio de sua Comissão de Prerrogativas, para ingressar como amicus curiae em defesa dos profissionais que patrocinaram a causa, os quais teriam tido seus honorários aviltados.

Seguido por unanimidade pela Segunda Seção, o relator lembrou posicionamento do STJ no sentido de não admitir a intervenção da OAB como amicus curiae em processos nos quais se discute o valor de honorários, quando o interesse da autarquia se vincula diretamente ao julgamento favorável em prol de uma das partes.

Cueva destacou ainda que a intervenção de amicus curiae é prevista para as ações de natureza objetiva, que são aquelas em que o fornecimento de elementos informativos é capaz de melhor respaldar a decisão judicial que irá dirimir a questão posta nos autos.

“No caso de ações de natureza subjetiva, sua admissão é excepcional, justificando-se em hipóteses nas quais seja identificada uma multiplicidade de demandas similares, a indicar a generalidade do tema discutido, devendo ficar demonstrado que a intervenção tem como finalidade colaborar com a corte e defender interesse público relevante, objetivos que não restam demonstrados na presente hipótese”, considerou o ministro.

Nessa mesma linha, votaram a ministra Isabel Gallotti, no REsp 1.023.053, e o ministro Og Fernandes, no AgRg na PET no REsp 1.336.026.

Na ocasião da relatoria do agravo, Og Fernandes lembrou que o STF ressaltou ser imprescindível a demonstração, pela entidade pretendente a colaborar com a corte, de que não está a defender interesse privado, mas sim relevante interesse público.   

Sem legitimidade para emb​​​argar

Ao analisar os EDcl no REsp 1.815.055, a Corte Especial definiu que não configurou nulidade o julgamento do recurso sem ter sido apreciado antes o pedido de intervenção do Conselho Federal da OAB, e, por não ostentar a condição de amicus curiae, a autarquia não tinha legitimidade para embargar. A relatoria foi da ministra Nancy Andrighi.

Com esse entendimento, o colegiado não conheceu dos embargos de declaração opostos pela OAB contra acórdão proferido pela própria Corte Especial. A entidade alegou que a decisão embargada foi omissa ao não apreciar seu pedido de ingresso no feito.

Em seu voto, a relatora destacou que, em hipótese análoga, o STF não conheceu de embargos de declaração opostos com fundamento em nulidade do julgamento – atribuída à não apreciação do requerimento de ingresso do embargante na condição de amicus curiae – por reconhecer a ilegitimidade recursal e a ausência de nulidade.

“Conquanto o referido julgamento tenha sido realizado sob a égide do CPC/1973, cabe salientar que o parágrafo 1º do artigo 138 do CPC/2015, invocado nas razões recursais, admite a oposição dos embargos de declaração pelo amicus curiae que participa do processo, condição essa que não ostenta o embargante”, concluiu Nancy Andrighi.

Sustentação oral do amigo da co​​rte

Em questão de ordem suscitada pelo ministro Benedito Gonçalves no repetitivo REsp 1.205.946, a Corte Especial, por maioria, firmou a orientação de não reconhecer o direito do amicus curiae de exigir sustentação oral.

Segundo o voto vencedor, o tratamento que se deve dar ao amicus curiae em relação à sustentação oral é o mesmo dos demais atos do processo: o STJ tem a faculdade de convocá-lo ou não. Dessa forma, definiu-se que, se o tribunal entender que deve ouvir a sustentação oral, poderá convocar um ou alguns dos amici curiae, mas não há por parte deles o direito de exigir a sustentação.

Defesa dos associados em proc​​esso alheio

Recentemente, em EDcl na QO no REsp 1.813.684, a Corte Especial entendeu que não há legitimidade recursal do amicus curiae para, no interesse específico de seus associados, opor embargos de declaração em questão de ordem em processo subjetivo. Para o colegiado, a contribuição dos amigos da corte para a formação do convencimento, por ocasião do julgamento de mérito, não se estende a questão de ordem que apenas declara o objeto da deliberação anterior, como ocorreu no caso analisado.

A relatoria foi da ministra Nancy Andrighi, que destacou que o papel do amicus curiae consiste em subsidiar e qualificar o debate em questões controvertidas, e não em “defender interesses subjetivos, corporativos ou classistas”, especialmente quando tal intervenção ocorrer em processos subjetivos – isto é, que não sejam recursos especiais repetitivos ou nos quais não tenham sido instaurados incidente de resolução de demandas repetitivas ou incidente de assunção de competência.

“A intervenção do amicus curiae em processo subjetivo é lícita, mas a sua atuação está adstrita aos contributos que possa eventualmente fornecer para a formação da convicção dos julgadores, não podendo assumir a defesa dos interesses de seus associados ou representados em processo alheio”, afirmou a ministra.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

REsp 1696396

REsp 1333977

REsp 1152218

REsp 1645719

REsp 1023053

REsp 1336026

REsp 1815055

REsp 1205946

REsp 1813684

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que reconheceu a legitimidade de um sindicato para responder, ao lado do advogado que indicou, em ação na qual um filiado buscou a restituição de valores que teriam sido levantados e retidos indevidamente pelo defensor em processo movido com o auxílio da entidade sindical.

Na decisão, o colegiado entendeu que, estando configurada a relação jurídica entre o sindicato e o advogado – que foi colocado à disposição dos filiados para prestar assistência jurídica –, o ente sindical responde de forma objetiva e solidária pelos atos ilícitos praticados pelo defensor contra o associado.

De acordo com os autos, o filiado foi ao setor jurídico do sindicato para obter informações sobre o andamento de ação de interesse dos sindicalizados, momento em que o advogado solicitou que ele revogasse procuração anterior e o outorgasse poderes para que fosse requerido o levantamento de valores na ação. Posteriormente, o filiado descobriu que o advogado havia levantado o dinheiro no processo, mas não havia repassado nada a ele.

Em primeiro grau, ao reconhecer que houve lesão ao filiado, o juízo condenou o sindicato e o advogado, de forma solidária, ao pagamento de cerca de R$ 41 mil, além de fixar indenização por danos morais de R$ 8 mil. O acórdão foi mantido pelo TJSP.

No recurso ao STJ, o sindicato alegou que não poderia ser responsabilizado solidariamente pela condenação, pois não teria participação no levantamento indevido realizado pelo advogado. Segundo o ente sindical, a mera indicação de um profissional para tutelar as ações dos associados não poderia gerar uma obrigação inerente à atuação do defensor.

Parceria entre sindicato e advogado

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou ser incontroverso nos autos que o sindicato indicou o advogado para prestar assistência jurídica ao sindicalizado, bem como que o defensor se apropriou indevidamente da quantia que cabia apenas ao filiado.

No tocante à relação entre o advogado e o sindicato, o magistrado destacou que, segundo apontado pelo TJSP, à época dos fatos, havia uma relação de parceria entre ambos, de forma que os serviços prestados pelo patrono caracterizavam um tipo de benefício aos sindicalizados, mas também resultavam em atrativo para a filiação de novos funcionários.

Sob o aspecto legal, Bellizze apontou que, a princípio, a reponsabilidade civil é individual, mas o artigo 932 do Código Civil prevê casos excepcionais em que a pessoa deve suportar as consequências do fato com outro. Entre elas, o inciso III estabelece a responsabilidade do empregador ou comitente, em relação a seus empregados e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.

“O artigo 933 do mesmo diploma, por sua vez, preceitua que todos os responsáveis designados no dispositivo anterior responderão pelo ato praticado pelos terceiros, mesmo que não haja culpa, sendo a responsabilidade civil, portanto, objetiva e solidária (artigo 942, parágrafo único, do CC)”, declarou o ministro.

Advogado contratado pelo sindicato

Para a configuração da responsabilidade objetiva indireta, o relator observou que “é prescindível a existência de um contrato típico de trabalho, sendo suficiente que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem”.

No caso dos autos, Marco Aurélio Bellizze apontou que o instrumento de mandato outorgado pelo filiado define expressamente o defensor como contratado do sindicato, o que evidencia a conexão entre a atuação do patrono e o serviço de assistência jurídica prestado pelo ente sindical aos associados.

“Dessa forma, sendo incontroverso que os danos causados ao autor foram decorrentes do ato ilícito perpetrado por profissional, não apenas indicado, mas que mantinha relação jurídica com o sindicato, a fim de atuar na defesa dos interesses de seus associados, de rigor a aplicação dos artigos 932, III, e 933 do Código Civil”, concluiu o ministro ao manter o acórdão do TJSP.

Leia o acórdão do REsp 1.920.332.​

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, ao analisar pedido de nulidade do procedimento arbitral, reconheceu a ocorrência de decadência porque a impugnação, baseada exclusivamente no artigo 32, VIII, da Lei de Arbitragem, foi apresentada após o decurso do prazo de 90 dias previsto no artigo 33 da mesma lei. Além disso, o TJSP ressaltou que a matéria apontada não está prevista no artigo 525, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil.

A controvérsia analisada teve origem em ação de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral na qual se alegou a nulidade do processo por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da produção de prova pericial e deficiência na instrução da ação. 

Ao pedir a reforma do acórdão do TJSP, o autor da impugnação defendeu que o prazo decadencial de 90 dias estabelecido pelo artigo 33 da Lei 9.307/1996 deveria ser observado somente para a ação declaratória de nulidade autônoma. Argumentou, ainda, que o parágrafo 3º do mesmo artigo autoriza que a nulidade da sentença arbitral seja suscitada na impugnação ao cumprimento de sentença – sem que houvesse, nesse caso, a incidência da decadência.

Duas vias

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que a declaração de nulidade da sentença arbitral pode ser pleiteada, judicialmente, por duas vias: por meio de ação declaratória de nulidade de sentença arbitral (artigo 33, parágrafo 1º, da Lei 9.307/1996) ou mediante impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (artigo 33, parágrafo 3º, da Lei 9.307/1996).

Segundo Nancy Andrighi, se a invalidação for requerida por meio de ação própria, há a imposição de prazo decadencial. “Esse prazo, nos termos do artigo 33, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem, é de 90 dias. Sua aplicação, reitera-se, é restrita ao direito de obter a declaração de nulidade devido à ocorrência de qualquer dos vícios taxativamente elencados no artigo 32 da referida norma”, acrescentou.

Dessa forma, observou a magistrada, embora a nulidade possa ser suscitada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, se a execução for ajuizada após o decurso do prazo decadencial da ação de nulidade, a defesa da parte executada fica limitada às matérias especificadas pelo artigo 525, parágrafo 1º, do CPC, sendo vedada a invocação de nulidade da sentença com base nas matérias definidas no artigo 32 da Lei 9.307/1996.

Cerceamento de defesa

No caso julgado, segundo a relatora, a ação de cumprimento de sentença arbitral foi ajuizada após o decurso do prazo decadencial de 90 dias, fixado para o ajuizamento da ação de nulidade de sentença arbitral.

Além disso – destacou a ministra Nancy Andrighi –, a recorrente suscitou a nulidade da sentença arbitral em razão de suposto cerceamento de defesa, tendo fundamentado o seu pedido no artigo 32, VIII, da Lei 9.307/1996.

Entretanto, ao manter o acórdão do TJSP, a magistrada destacou que o cerceamento de defesa não é uma das hipóteses previstas no parágrafo 1º do artigo 525 do CPC/2015, o que impede o reconhecimento da validade da impugnação à sentença arbitral.

Leia o acórdão no REsp 1.900.136.

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, o acordo extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de alimentos quando os valores pagos deixam de atender às necessidades da criança ou do adolescente. O colegiado entendeu que é direito indisponível do filho ver analisada a possibilidade de receber alimentos de forma proporcional à sua necessidade e prestados de acordo com as possibilidades reais do seu genitor, de modo a atender o seu melhor interesse – o que autoriza o arrependimento dos termos do acordo extrajudicial.

No caso em questão, o colegiado deu provimento ao recurso especial interposto por uma mãe após o Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG rejeitar a sua alegação de que o acordo extrajudicial firmado anteriormente não seria interessante para a criança. A corte estadual considerou que a questão dos alimentos havia sido dirimida de forma consensual no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSC, e que não haveria interesse processual capaz de justificar a ação.

O relator, ministro Moura Ribeiro, explicou que o interesse processual está na necessidade que a parte tem de buscar o Poder Judiciário e se valer do processo para reparar algum prejuízo ou afastar ameaça a algum direito. Destacou também que os argumentos da petição inicial devem possibilitar ao magistrado deduzir, a partir de um exame abstrato, que a parte pode ter interesse na relação jurídica, dispensando-se, em tal momento, qualquer apresentação de prova.

Conforme a teoria da asserção, adotada pela jurisprudência do STJ, as condições da ação, entre elas o interesse processual, devem ser avaliadas de forma abstrata, exclusivamente à luz da narrativa constante da petição inicial, “sem o aprofundamento na matéria de mérito e dispensando qualquer atividade probatória”.

Em seu voto, o magistrado ressaltou que, diferentemente da conclusão do TJMG, o arrependimento e a insatisfação com os termos do acordo extrajudicial – por não atender ao interesse da criança – caracterizaram, em tese, potencial interesse processual. “Ademais, o alegado prejuízo se confunde com o próprio mérito da ação, que se mostra adequada para a pretensão buscada.”

Princípio do melhor interesse

Segundo o ministro, o interesse em análise é o da criança, que, por ocasião do ajuizamento da ação de alimentos, tinha apenas cinco anos. “Por se tratar de alimentos insuficientes para a sua sobrevivência – logo, direito indisponível –, a questão deveria ser examinada com cuidado e sob a ótica dos princípios do melhor interesse, da proteção integral do menor e, principalmente, da dignidade da pessoa humana.”

Para Moura Ribeiro, a questão em análise envolve não somente o interesse patrimonial, mas também a dignidade da criança, que é sujeito de direitos e não objeto, devendo receber alimentos suficientes para o atendimento das suas necessidades básicas, que são presumidas, considerando a sua pouca idade. O relator pontuou ainda que não há necessidade de se aguardar alteração do binômio necessidade/possibilidade – previsto no artigo 1.694 do Código Civil – para a promoção de ação de alimentos ou até mesmo ação revisional, uma vez que o acordo no CEJUSC não faz coisa julgada material.

O magistrado lembrou que o argumento primordial trazido na ação de alimentos é o de que o acordo foi prejudicial aos interesses da menor (insuficiência da verba alimentar) – questão de mérito que não poderia ter sido extinta de forma precoce. Apontou, ainda, a necessidade da participação do Ministério Público nos acordos extrajudiciais de alimentos, para evitar situações desvantajosas para o infante.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STJ)