Nos últimos 12 meses, em meio à pandemia da Covid-19, 24,4% das mulheres acima de 16 anos afirmam ter sofrido algum tipo de violência ou agressão. Isso significa que cerca de 17 milhões, ou uma em cada quatro mulheres, sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano. Os dados são da pesquisa Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil, apresentada em audiência pública na Câmara dos Deputados na última sexta-feira (20).

O levantamento, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Instituto Datafolha, aponta que houve uma diminuição da violência contra as mulheres nas ruas, ao passo que cresceu a violência doméstica e familiar. A falta de emprego e recursos financeiros foi apontada por participantes da audiência como um dos fatores para que a mulher não conseguisse escapar do ciclo de violência.

Ainda segundo o estudo, 61,8% das mulheres que sofreram violência no último ano afirmaram que a renda familiar diminuiu neste período. Entre as que não sofreram violência, este percentual foi de 50%. Além disso, 46,7% das mulheres que sofreram violência também perderam o emprego. A média entre as que não sofreram violência foi de 29,5%.

O tipo de violência mais frequentemente foi a ofensa verbal, como insultos e xingamentos, crimes vivenciados por cerca de 13 milhões de brasileiras (18,6%). Já 5,9 milhões de mulheres (8,5%) relataram ter sofrido ameaças de violência física como tapas, empurrões ou chutes.

Tipos de violência

Cerca de 3,7 milhões de brasileiras (5,4%) foram vítimas de ofensas sexuais ou tentativas forçadas de manter relações sexuais; 2,1 milhões de mulheres (3,1%) sofreram ameaças com faca ou arma de fogo; 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento (2,4%).

A pesquisa mostra que 44,9% das mulheres não fizeram nada em relação à agressão mais grave sofrida; 21,6% delas procuraram ajuda da família, 12,8% procuraram ajuda dos amigos e 8,2% procuraram a igreja. Apenas 11,8% denunciaram em uma delegacia da mulher, 7,5% denunciaram em uma delegacia comum, 7,1% das mulheres procuraram a Polícia Militar (Ligue 190), e 2,1% ligaram para a Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180.

Com relação às duas pesquisas anteriores, de 2019 e 2017, houve uma queda, dentro da margem de erro, no percentual de mulheres agredidas: 24,4% em 2021 contra 27,4% em 2019, e 29% em 2017. O recuo se dá em relação às mulheres que sofrem violências na rua. Em compensação, a violência dentro de casa passa de 43 para 49%.

Lei Maria da Penha completa 15 anos

Neste mês, a Lei Maria da Penha (11.340/2006) completou 15 anos. Em lembrança à data, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM entrevistou a farmacêutica que deu nome à legislação. Ela ressaltou o aumento de casos de violência contra a mulher durante a pandemia, que proporcionou maior contato entre o agressor e a vítima e contribuiu para o aumento dos números de agressões domiciliares.

“O desemprego comprometeu o relacionamento das pessoas. Se antes já existia violência e essa mulher só se sentia tranquila durante a semana, que era o período no qual tinha pouco contato com o agressor, imagina ter que conviver com ele os sete dias, e com tantos problemas em relação aos filhos, à alimentação e à saúde. É uma convivência muito danosa”, disse Maria da Penha. Leia a entrevista na íntegra.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações da Agência Câmara de Notícias)

A atividade faz parte das ações que a unidade judiciária organizou para a “18.a Semana Justiça pela Paz em Casa”, que acontecerá de 16 a 20 deste mês.

Servidores (as) e estagiários (as) da equipe do 1.° Juizado Especializado no Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (“1.º Juizado Maria da Penha”) participaram na manhã de quinta-feira (12/8) da palestra “Atendimento Humanizado à Mulher e Prevenção à Violência Institucional”. A atividade faz parte das ações que a unidade judiciária organizou para a “18.a Semana Justiça pela Paz em Casa”, que acontecerá de 16 a 20 deste mês.

Na terça-feira (10) uma primeira turma de integrantes da equipe do Juizado já havia participado de palestra sobre o mesmo tema. As duas edições do evento foram realizadas na sala de Apoio da Equipe Multidisciplinar do Juizado, no Fórum Ministro Henoch Reis, no bairro São Francisco, zona Sul.

“Além das audiências de instrução pautadas para esta ’18.ª edição da Semana Justiça pela Paz em Casa’, também estamos realizando atividades com o intuito de divulgar o que é previsto em lei e alertar a população para o número alarmante de casos de violência doméstica. Um dos eventos que programamos foi este, dirigido aos servidores do Juizado, no qual abordamos o tema da violência institucional. Debater esse assunto com a equipe é uma maneira de aprimorar cada vez mais o atendimento do Juizado, no sentido de que este seja sempre humanizado, acolhedor para com a vítima, dando a ela mais segurança para que saia do ciclo de violência ao qual está submetida”, disse a juíza Ana Lorena Gazzineo, titular do “1.° Juizado Maria da Penha”. 

A magistrada comentou sobre a importância das equipes do Juizado estarem preparadas para esse atendimento, conforme propõe o tema da palestra, destacando que a violência doméstica envolve uma questão de afetividade e que, geralmente, é muito difícil para uma vítima chegar a denunciar um marido ou ex-marido, um irmão, um filho. “Antes de ir até uma delegacia denunciar, essa mulher já passou por muito sofrimento, mas ela pega o restinho de dignidade que tem e consegue ir lá denunciar, e é hora do acolhimento, de dar um tratamento humanizado. Para que possamos dar um atendimento diferenciado, até porque somos um Juizado Especializado, os serviços têm que ser especializados também. Todos os servidores que atendem vítimas, réus, partes, todos têm que ter essa visão diferenciada do que é a violência doméstica e das consequências que ela tem para toda a família”, explica a juíza Ana Lorena.

O “1.° Juizado Maria a Penha” pautou mais de 200 audiências de acolhimento para a “18.a Semana Justiça pela Paz em Casa”, trabalho realizado paralelamente às audiências judiciais. Nesse acolhimento, a vítima é ouvida e é mostrado a ela o que vai acontecer no processo; o que pode ser feito; quais as necessidades dela e os encaminhamentos para toda a Rede de Proteção. “E isso quem faz é a nossa Equipe Multidisciplinar. O objetivo da campanha “18.ª Semana Justiça pela Paz em Casa” é dar celeridade aos processos, mas também fortalecer essa parte de conscientização da sociedade de divulgação da lei, pois os números de violência contra a mulher são alarmantes”, frisou a juíza Ana Lorena.

Sensibilização

Responsável pela Equipe Multidisciplinar do “1.º Juizado Maria da Penha”, a servidora Celi Cristina Nunes Cavalcante, que palestrou no evento, afirmou que o objetivo com a apresentação e a roda de conversa é “tentar sensibilizar os servidores para que eles tenham não só um conhecimento, mas também um olhar mais ampliado e aprofundado sobre as questões relacionadas à violência contra a mulher, especialmente em relação aos fatores que fazem com que essa mulher se mantenha muitas vezes em relacionamentos abusivos”.

Segundo ela, “esse olhar diferenciado possibilita um maior acolhimento e uma prevenção à violência institucional que é o nosso maior objetivo, de fazer com que essa mulher não seja revitimizada no nosso espaço institucional, uma vez que ela já vem carregada de várias violações de direitos”.

“Queremos ser um local de proteção e de acolhimento, e não de mais uma violência que ela possa sofrer. Atendemos as mulheres que estão em situação de violência ou que passaram por situação de violência, bem como os autores de violência. A Equipe Multidisciplinar também atende os filhos desses casais, em determinadas ocasiões, até para fazer esse estudo da família e buscar alternativas para que essa família saia da situação de violência. Esse atendimento humanizado faz com que essa mulher consiga realmente entender que o Judiciário é um espaço de proteção e que aqui seja um local que fomente esse rompimento definitivo da situação de violência”, ressalta Celi Cristina.

Pandemia

Ao comentar sobre a violência doméstica no contexto da pandemia da covid-19, uma vez que os estudos têm apontado para o crescimento da violência doméstica contra a mulher no período, a juíza Ana Lorena frisou que a violência doméstica é um crime que acontece geralmente dentro do lar e, com a necessidade de isolamento social, a convivência na família ficou muito mais próxima.

“No momento mais crítico da pandemia foi necesário suspender alguns serviços da rede de proteção a essas vítimas, mas logo depois, sensíveis à dificuldade que a vítima tinha de, por exemplo, pedir uma medida protetiva ou de registrar uma ocorrência do crime, toda a rede, inclusive os “Juizados Maria da Penha”, buscaram disponibilizar canais para que essas mulheres pudessem fazer isso pelo aplicativo de troca de mensagens Whatsapp, e-mail, telefone. Foram medidas que realmente melhoraram o acesso. Ninguém estava preparado para essa pandemia. Até hoje sentimos a dificuldade do sistema funcionar da forma que funcionava antes, mas o esforço é muito grande para que as vítimas tenham acesso a toda Rede de Proteção, que é enorme, e da qual o Poder Judiciário faz parte”, disse a titular do “1.º Juizado Maria da Penha”.

A juíza titular também comentou que as crianças e os adolescentes tendem a se tornar vítimas replicadoras do ambiente violento no qual vivem. “A violência doméstica é um crime muito silencioso e que atinge milhares de lares no Brasil inteiro com efeito muito negativo às crianças e aos adolescentes. Tem que ser coibida não só pelo Estado, mas por toda a sociedade. Como essas crianças crescem em ambiente de violência, elas tendem a repetir esses atos. Isso acaba sendo uma coisa difícil de frear, pois se elas repetem os atos, isso sempre vai ocorrer. Somente a educação e mudança da cultura patriarcal e do machismo permitirão mudar, também, esse quadro de violência intensa contra as mulheres”, afirma a magistrada.

Paulo André Nunes

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Há 15 anos, foi sancionada a Lei Maria da Penha (11.340/2006), um marco para o ordenamento jurídico brasileiro que instaurou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Celebrado neste sábado, 7 de agosto, o aniversário da lei que leva o nome da farmacêutica vítima de violência doméstica em 1983 é uma oportunidade não apenas para reconhecer os avanços, mas também apontar os desafios e propor soluções para garantir a, ainda imprecisa, efetivação da norma.

Em entrevista ao Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Maria da Penha Maia Fernandes afirma que, se o crime cometido contra ela por seu então marido, na década de 1980, tivesse ocorrido no cenário atual, no qual há uma legislação criada para proteger as mulheres, possivelmente ela não teria sofrido uma tentativa de homicídio. “Com o conhecimento que tenho hoje, eu teria tomado uma providência para sair desse relacionamento de maneira segura. Quem sabe até teria pedido a transferência do meu trabalho para outro estado”, reconhece.

A realidade é que o agressor de Maria da Penha, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, só foi levado a julgamento oito anos após a primeira tentativa de feminicídio; um tiro nas costas, enquanto dormia, que a deixou paraplégica. Ele, porém, saiu do fórum em liberdade. Em 1996, no segundo julgamento, foi condenado a 10 anos e seis meses de prisão, mas a sentença não foi cumprida, sob alegação de irregularidades processuais.

Diferentes tipos de violência

Reconhecida pela Organização das Nações Unidas – ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência de gênero, a Lei Maria da Penha considera a existência de diferentes tipos de violência, que podem ser cometidos de forma conjunta ou não, dentro de um contexto de violência doméstica, familiar ou em uma relação íntima de afeto: sexual, psicológica, moral, física e patrimonial.

Para que a lei seja aplicada, é necessário que a vítima seja mulher – o que inclui travestis e mulheres transexuais, uma vez que trata-se de uma identidade de gênero. O agressor, porém, não necessariamente precisa ser homem, já que há a possibilidade de aplicação da lei em casos de agressão de uma mãe contra a filha ou em uma relação homoafetiva.

O tema, segundo Maria da Penha, se tornou ainda mais caro à sociedade brasileira durante a pandemia, que proporcionou maior contato entre o agressor e a vítima e contribuiu para o aumento dos números de agressões domiciliares. “O desemprego comprometeu o relacionamento das pessoas. Se antes já existia violência e essa mulher só se sentia tranquila durante a semana, que era o período no qual tinha pouco contato com o agressor, imagina ter que conviver com ele os sete dias, e com tantos problemas em relação aos filhos, à alimentação e à saúde. É uma convivência muito danosa.”

Integração de serviços

Quinze anos após a promulgação da lei, muitas mulheres ainda são vítimas de violência doméstica e familiar diariamente. Para Maria da Penha, garantir a efetivação da Lei demanda a criação de uma Casa da Mulher Brasileira em cada estado do país – espaço  que integra, amplia e articula todos os serviços do governo oferecidos às mulheres em situação de vulnerabilidade.

O objetivo da Casa da Mulher Brasileira é oferecer um atendimento humanizado às vítimas de violência doméstica e evitar que elas precisem buscar atendimento fragmentado em diversos órgãos públicos, o que pode culminar na revitimização. “Lá estão reunidas todas as políticas públicas que fazem com que a lei saia do papel, como a delegacia, Ministério Público, Defensoria Pública, Juizado, e até mesmo brinquedotecas, onde os filhos podem brincar enquanto as mães buscam providências para sair dessa situação”, destaca Maria da Penha.

Outra luta do Instituto Maria da Penha é pela implementação de um Centro de Referência da Mulher nos postos de saúde de todos os municípios brasileiros. “Nos pequenos municípios, o posto de saúde muitas vezes é a única política pública disponível, e é o local onde a mulher vai para cuidar dos seus ferimentos da alma e do corpo. Ao encontrar um Centro de Referência na unidade de saúde, ela poderá ser atendida, tirar suas dúvidas e receber orientações para sair dessa situação que, em muito pouco tempo, pode vitimá-la mortalmente.”

Mudança comportamental

Maria da Penha avalia que uma maior efetivação da lei exige também o aumento do investimento na educação para a conscientização da sociedade. Segundo ela, a falta do investimento em educação é responsável pela reprodução da violência observada vivenciada e aprendida na infância, que, “de geração em geração, é reproduzida até hoje”.

“Os filhos das militantes da minha geração têm entregado para a sociedade homens e mulheres respeitadores dos direitos humanos, pois foram educados em casa nesse sentido. Se esses ensinamentos chegarem à educação formal, para nossas crianças e jovens, teremos a sociedade que queremos, com todas as pessoas se respeitando“, observa.

A falta de conhecimento, segundo ela, também afeta o próprio comportamento das vítimas, que escondem as agressões por medo de retaliações ou mesmo da estigmatização. “Muitas não falam sobre o que ocorreu porque são provenientes dessa cultura de que a mulher que apanha merece. Elas terminam negando a sua própria personalidade e acreditando que o agressor tem razão.”

A farmacêutica lembra que há ainda quem não denuncie por medo de não poder criar os filhos sozinha, por desconhecimento de que existe uma lei, ou mesmo por desconhecimento dos caminhos que devem seguir para acessar essa lei.

“Há ainda o desconhecimento do ciclo da violência ao qual ela está submetida. A vítima precisa entender que este ciclo acontece em quatro etapas: primeiro, há tensão entre o casal; depois, a violência; em seguida, o agressor pede perdão e promete que aquilo não voltará a acontecer e eles têm um período de lua de mel. Após algum tempo o ciclo se reinicia, com a possibilidade de se tornar mais violento”, detalha.

O que falta, segundo Maria da Penha, é o conhecimento de como acontece a violência, como ela se inicia e como se repete. “Sem esse conhecimento, elas ficam sempre acreditando que o agressor vai melhorar, dependendo dele, e achando que não tem solução. E temos solução, mas ela precisa ter conhecimento para saber como achar essa solução.”

Proteção dos direitos

Para quem vivencia, ou já vivenciou, uma situação de violência doméstica e familiar, Maria da Penha indica o telefone 180, que funciona 24 horas e foi criado especialmente para esclarecer as dúvidas da mulher que não é respeitada no seu relacionamento. Destaca ainda a importância de contar com uma amiga que possa se informar e trazer os esclarecimentos necessários, além de acompanhá-la até uma política pública para que ela se sinta mais encorajada.

A farmacêutica ressalta que essa política pública não seria a Delegacia da Mulher, porque a vítima não teria essa coragem nesse primeiro momento. Ela indica o Centro de Referência da Mulher, que é o espaço onde a mulher será atendida por um profissional do serviço social, uma psicóloga e um advogado. “Esses três profissionais vão orientá-la sobre os seus direitos, sobre os riscos e sobre a possibilidade de sair daquela situação. Com essa amiga do lado, a vítima se sente mais fortalecida.”

Quanto aos profissionais do Direito que atuam nessa área, Maria da Penha defende a necessidade de capacitações continuadas e do conhecimento concreto sobre a Lei Maria da Penha. Para ela, aqueles que falham na aplicação da lei devem ser punidos rigorosamente por seus órgãos de classe.

Na abertura do segundo semestre judiciário, o presidente do STF disse que o povo brasileiro não aceitará soluções fora dos limites constitucionais.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, afirmou nesta segunda-feira que o relacionamento entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário deve ocorrer dentro dos limites constitucionais, com freios e contrapesos recíprocos, de forma harmônica e com alinhamento visando à materialização dos valores constitucionais. “Porém, harmonia e independência entre os poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições”, disse.

Limites da Constituição

Para o presidente do STF, numa sociedade democrática, momentos de crise servem ao fortalecimento, e não à deslegitimação da confiança da sociedade nas instituições, e ambientes democráticos garantem aos cidadãos liberdade para pensar, inovar, empreender e se expressar. “Afinal, no contexto atual, após 30 anos de consolidação democrática, o povo brasileiro jamais aceitaria que qualquer crise, por mais severa, fosse solucionada mediante mecanismos fora dos limites da Constituição”, pontuou.

Civilidade e respeito

Fux salientou que, para a manutenção da democracia, não há nada automático, natural ou perpétuo. Ao contrário, o regime democrático necessita ser reiteradamente cultivado e reforçado, com civilidade, respeito às instituições e às pessoas que se dedicam à causa pública. “Trago uma advertência, porém: democracia é o exercício da liberdade com responsabilidade”.

Valores democráticos

Segundo o presidente do STF, o Tribunal permanecerá atento aos ataques de inverdades à honra dos cidadãos e das cidadãs que se dedicam à causa pública. Segundo ele, atitudes como essa deslegitimam veladamente as instituições e ferem não apenas biografias individuais, “mas corroem sorrateiramente os valores democráticos consolidados ao longo de séculos pelo suor e pelo sangue dos brasileiros que viveram em prol da construção da democracia de nosso país”. Ainda de acordo com Fux, o STF, em momentos de calmaria ou de turbulência, tem cumprido o seu papel de guardar a Constituição e atuado pela “estabilidade institucional da nação, da harmonia entre os Poderes e da proteção da democracia, sempre pelo povo e para o povo brasileiro”.

Vacina, emprego e comida

Para o ministro, é necessário saber ouvir a voz das ruas para assimilar o verdadeiro diálogo que o país pede nesse momento sensível. “O brasileiro clama por saúde, paz, verdade e honestidade. Não deseja ver exacerbados os conflitos políticos: quer a democracia e as instituições em pleno funcionamento. Não quer polarizações exageradas: quer vacina, emprego e comida na mesa”, disse.

Razão e diálogo

Fux considera que nunca é tarde para a razão e o diálogo, “maior símbolo da democracia”. Segundo ele, “sempre há tempo para o aprendizado mútuo, para o debate público compromissado com o desenvolvimento do país, e para a cooperação entre os cidadãos bem intencionados”.

Ambiente plural

O presidente do STF afirmou que a democracia é uma prática constante e que sua manutenção exige a atuação de diversos setores: uma sociedade civil consciente de seus direitos e deveres, imprensa e magistrados independentes, instituições fortes, inclusivas e estáveis e atores políticos cumpridores das regras do jogo democrático e responsivos aos diversos interesses da população. “Nesse ambiente plural de responsabilidades, cada um dos atores contribui, a seu modo, para a necessária proteção do Estado Democrático de Direito, nos limites das normas constitucionais”, argumentou.

Leia a íntegra do pronunciamento

PR/

Uma sentença do Juizado Especial Criminal e de Violência Doméstica da Comarca de Tubarão, em Santa Catarina, aplicou a Lei Maria da Penha (11.340/2006) para combater a postura machista de um ex-marido. Já com medidas protetivas vigentes, ele teria feito contato com a ex-esposa diversas vezes, pessoalmente e via aplicativo de mensagens, e proferido ameaças de morte.

Segundo os autos, mesmo após quase três meses de prisão, o acusado repetiu sua conduta em juízo, como nas mensagens enviadas à vítima, com visão machista, patriarcal e dominadora do relacionamento. Na decisão, o juiz considerou que a conduta trata-se exatamente do tipo de relação de dominação para a qual foi pensada a Lei Maria da Penha.

“Ao interrogatório do réu evidencia-se que ele simplesmente não admite que a vítima não queira se manter no relacionamento consigo, afirmando que ‘aí tem coisa, não pode’, que ela ‘tinha coisa na cabeça’, em clássica postura de homem que se sente não apenas superior à mulher como seu proprietário, mostrando-se assim indiferente aos desígnios de vontade daquela que não se alinhem com os seus”, observou o magistrado.

O juiz ressaltou que, em reforço a postura antiquada e retrógrada em relação à ex-esposa, o que mais incomodou o réu no término do relacionamento era “chegar em casa e ver tudo de qualquer jeito” e “não ter comida em casa”, e não a ausência da parceira em si, sendo evidente a falta que sentia unicamente de alguém que cuidasse de suas necessidades domésticas.

Para o magistrado, “é lamentável que, mesmo com o período de reflexão forçada imposto ao réu com sua prisão, ele pareça incapaz de compreender que a ex-companheira não existe para lhe servir”. Deste modo, o homem foi condenado à pena de um ano, um mês e nove dias de detenção, em regime aberto, ao uso de dispositivo de monitoramento eletrônico e a indenizar a vítima em R$ 13 mil em danos morais, mais multa pelo descumprimento das medidas protetivas impostas, além da manutenção das condições impostas na medida protetiva. Os processos tramitaram em segredo de justiça.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TJSC)

Ao analisar o caso de um pai biológico que reivindicava retirada do nome do pai socioafetivo do registro civil de uma criança, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG manteve a sentença da Comarca de Belo Horizonte que decidiu por conservar as duas paternidades no documento.

Conforme consta nos autos, o pai biológico teve um envolvimento amoroso com a mãe da criança durante sete meses. O relacionamento acabou quando a mulher estava no sexto mês de gestação, e, posteriormente, ela se casou com outra pessoa.

O homem alegou que evitou contato com a mulher para não atrapalhar o novo relacionamento, mas recebia notícias por conhecidos comuns. Quando o menino nasceu, em setembro de 2014, ele procurou a mãe do bebê e soube que a criança havia sido registrada em nome do marido dela. Diante disso, ajuizou ação contra o casal, pedindo o reconhecimento de sua paternidade e a anulação do registro de nascimento do infante.

Solução intermediária

Em primeira instância, o Ministério Público de Minas Gerais – MPMG manifestou-se por uma solução intermediária, que fizesse constar do registro o nome do pai biológico e do pai socioafetivo. A sentença julgou o pedido nesse sentido, declarando a paternidade biológica do autor, com a devida inclusão de seu nome no registro, e mantendo a paternidade já registrada.

Ao recorrer da decisão, o autor justificou que a paternidade socioafetiva se deu por ato ilícito, de forma criminosa. Para ele, a atribuição de multiparentalidade seria benéfica apenas se fosse realizada de boa-fé, quando existe harmonia entre os interessados ou na ausência de um dos pais.

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela negativa da solicitação. O caso suscitou discussão na turma julgadora.

Estreitos e verdadeiros laços familiares

Para a desembargadora que propôs o entendimento majoritário no TJMG, a ausência de vínculo biológico, por si só, não é motivo para anular a paternidade espontaneamente reconhecida, pois constituiu-se o vínculo afetivo, e “os estreitos e verdadeiros laços familiares se formam pela atenção continuada e pela convivência social”.

Segundo a magistrada, há provas nos autos de que “o pai registral está inserido de maneira relevantíssima na vida da criança, mesmo sabendo da inexistência de vínculo genético entre eles”. Nesse caso, impõe-se o registro multiparental, em benefício do menor, porque o menino convive com o pai socioafetivo desde que nasceu, mas a tentativa do pai biológico de ter a paternidade reconhecida data da mesma época.

“Ressalvados entendimentos em sentido contrário, a exclusão da paternidade registral, no presente feito, poderá ocasionar danos irreversíveis ao menor, e a improcedência do pedido de reconhecimento da paternidade em relação ao pai biológico fere seu direito de pai que busca desde os primeiros dias de vida do menor”, concluiu a desembargadora.

Para a relatora, que teve o voto vencido, inscrever no registro o nome do pai socioafetivo sem consultar o biológico gerou um conflito familiar que ocasiona “efeitos nefastos” na vida e no interesse da criança, “que tem direito de saber a verdade”.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TJMG)

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ acolheu recurso especial e determinou o processamento de pedido de adoção personalíssima apresentado por parentes colaterais por afinidade de uma criança. O casal alegou ser parente da criança, pois os dois seriam tios por afinidade de sua mãe biológica – a genitora é filha da irmã da cunhada do homem do casal.

Conforme consta nos autos, o pai biológico da criança é desconhecido, e ela foi entregue pela mãe ao casal logo após o nascimento, em 2018 – motivo pelo qual buscavam a regularização jurídica da situação de fato. O processo foi assinado pela genitora, que concordou com a destituição de seu poder familiar, em caráter irrevogável.

Ao cassar o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP e a sentença que extinguiu a ação de adoção, o STJ considerou a existência de relação de afetividade entre a criança e os adotantes, a comprovação de que não houve burla ao Cadastro Nacional de Adoção e a possibilidade de interpretação extensiva da noção legal de família.

Para o relator do recurso especial dos adotantes, ministro Marco Buzzi, “o parentesco até o quarto grau definido na legislação civil não tem o alcance capaz de restringir o conceito de família ampla/extensa e do que se possa considerar parentes próximos, pois a ‘família’ dos tempos hodiernos é eudemonista, tendo como escopo precípuo a satisfação pessoal de cada indivíduo que a compõe.”

Decisões judiciais

No curso da ação, a criança chegou a ser recolhida em abrigo e foi objeto de diferentes decisões judiciais que ora a colocavam sob a proteção de uma família substituta, ora a mantinham sob a guarda provisória dos adotantes.

Por entender que não havia parentesco civil ou de afetividade e em razão de suposta burla ao cadastro de adoção, o juízo de primeiro grau extinguiu a ação sem resolução de mérito. O magistrado também determinou o acolhimento institucional da criança e a sua inserção no Cadastro Nacional de Adoção. O TJSP manteve a sentença, sob o esclarecimento de que o casal requerente continuaria apto e habilitado no cadastro.

Após a interposição de recurso especial, o casal peticionou informando que a criança, antes colocada em abrigo, havia sido encaminhada para família substituta em maio de 2020, data em que o seu recurso de apelação nem havia sido julgado pelo TJSP. A última decisão antes da análise do mérito do recurso especial pelo STJ manteve a guarda provisória com o casal adotante.

Proteção da criança

Marco Buzzi pontuou que seria possível, desde o início da ação de adoção, o deferimento da guarda provisória do menor ao casal adotante, como medida alternativa à colocação em abrigo ou família substituta, como forma de resguardar a sua proteção integral e o seu melhor interesse. Segundo ele, a permanência provisória da criança em instituição pública ou com pessoas com as quais não tinha qualquer grau de parentesco ou afinidade representou sua exposição ao risco de um dano irreversível: a possibilidade de novos episódios de rompimento de vínculos afetivos, dos quais poderiam resultar abalos psicológicos.

Para o ministro, o caso apresenta grave violação dos princípios básicos de proteção da criança, tanto em virtude da opção de acolhimento institucional, em detrimento da manutenção do menor com a família que o acolheu desde o nascimento, quanto pela extinção prematura da ação de adoção personalíssima – a despeito de o casal estar regularmente inscrito no Cadastro Nacional de Adoção.

Buzzi considerou que o casal adotante demonstrou boa-fé em todas as circunstâncias relacionadas à criança, pois buscou, desde o início, solucionar juridicamente a situação. Ressaltou ainda que o casal havia pedido sua habilitação no cadastro de adoção dois anos antes do nascimento da criança e que, de acordo a jurisprudência, a ordem cronológica de preferência das pessoas cadastradas não é absoluta, devendo ceder ao princípio do melhor interesse da criança.

“Em hipóteses como a tratada no caso, critérios absolutamente rígidos estabelecidos na lei não podem preponderar, notadamente quando em foco o interesse pela prevalência do bem-estar, da vida com dignidade do menor, recordando-se, a esse propósito, que, no caso sub judice, além dos pretensos adotantes estarem devidamente habilitados junto ao Cadastro Nacional de Adoção, não há sequer notícias, nos autos, de que membros familiares mais próximos tenham demonstrado interesse no acolhimento familiar dessa criança”, frisou o ministro.

Ao votar, o magistrado lembrou que o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA estabelece que é direito da criança ser criada e educada no seio familiar, e que o próprio estatuto prevê um conceito expandido de família, abarcando tanto a família natural quanto a família ampliada – composta por parentes próximos com os quais a criança convive e mantém laços de afetividade.

“O legislador ordinário, ao estabelecer no artigo 50, parágrafo 13, inciso II, do ECA que podem adotar os parentes que possuem afinidade/afetividade para com a criança, não promoveu qualquer limitação (se aos consanguíneos em linha reta, aos consanguíneos colaterais ou aos parentes por afinidade), a denotar, por esse aspecto, que a adoção por parente (consanguíneo, colateral ou por afinidade) é amplamente admitida quando demonstrado o laço afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, bem como quando atendidos os demais requisitos autorizadores para tanto”, concluiu o ministro.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STJ)

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal – STF, reforçou que não é possível reconhecer direitos previdenciários a famílias simultâneas. As relações classificadas como “concubinato”, concomitantes ao casamento, não se equiparam às uniões estáveis, no entendimento do relator. A tese, debatida no Recurso Extraordinário – RE 883.168, é leading case do Tema 526 e será julgado pelo em Plenário virtual até o dia 2 de agosto, após o recesso.

O caso concreto, que chegou ao STF em 2015, diz respeito a uma mulher que busca o recebimento de pensão por morte de ex-combatente, na condição de companheira do falecido. Ela alega ter convivido com o de cujus entre 1998 e 2001, ano da morte. No mesmo período, ele era casado, o que caracteriza a relação de “concubinato” com a autora da ação.

Na primeira instância, julgada pela Justiça Federal de Santa Catarina, definiu-se que a recorrida, uma mulher, não tinha direito de usufruir da pensão por morte de ex-combatente das Forças Armadas, por mais que alegasse ter vivido com ele por cerca de três anos.

“Embora seja ponto controvertido da demanda a existência de impedimento da viúva no recebimento da pensão, já que a autora pretende a reversão integral do benefício, podendo, em tese, a questão ser tratada nestes autos, a falta de reconhecimento da união estável retira da autora a legitimidade para postular o cancelamento da pensão da viúva”, escreveu a juíza federal Luísa Hickel Gamba, “sendo certo que, no ponto, não há relação processual ou lide entre a União e a esposa do ex-combatente, figurando ambas no pólo passivo da ação.”

Estado não diz como famílias se constituem, lembra especialista

O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM atua como amicus curiae. Na sustentação oral, o advogado Marcos Alves da Silva, diretor nacional do IBDFAM, indicou que juízes e tribunais regionais ao redor país têm reconhecido efeitos em relação a duas uniões estáveis, acolhendo aquilo que está no artigo 226 da Constituição Federal de 1988. “Agora, o Estado não diz mais o que é família e como elas se constituem, como diziam as constituições anteriores. É fundamental esse entendimento.”

Para o professor, há um segundo pilar a ser levado em consideração, de natureza principiológica: em um Estado que se diga laico e democrático, esses valores andam colados. “É condição sine qua non para a democracia que o Estado seja laico”, pondera o especialista. Ele questiona: “Se o Estado é laico, quem é o Estado para dizer como e de que forma as pessoas se constituem?”.

Leading case do Tema 529

No julgamento, Dias Toffoli manteve o entendimento da Corte já apresentado no leading case do Tema 529, que definiu que a preexistência de casamento ou de união estável impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários. “Considerando que esta suprema corte concluiu não ser possível o reconhecimento de uma segunda união estável, impende reconhecer que o concubinato – união entre pessoas impedidas de casar – não gera efeitos previdenciários”, resumiu Dias Toffoli.

Com isso, propôs a adoção da seguinte tese: “É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável.”

Até o fechamento desta reportagem, votaram os ministros Marco Aurélio Mello, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski, ambos acompanhando o relator.

Por Guilherme Mendes – Repórter em Brasília

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

Promulgada na última sexta-feira (11), a Lei 14.171/2021 garante duas cotas de auxílio emergencial ao provedor de família monoparental, independentemente do gênero. O texto, de autoria da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), busca a priorização da mulher no sistema de auxílio emergencial.

Nos casos em que pai e mãe indicarem o mesmo dependente no cadastro para recebimento do auxílio, será priorizado o registro feito pela mulher, ainda que tenha sido feito após o homem.

A lei também determina que a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 deve estar equipada para lidar com denúncias de mulheres que tiverem o auxílio emergencial subtraído, retido ou recebido indevidamente por outra pessoa. Garante ainda ao genitor que teve seu direito ao auxílio subtraído por informações falsas dadas por outra pessoa o pagamento retroativo das cotas a que faria jus.

Segundo Fernanda Melchionna, a medida pune o dano patrimonial às mulheres. “A partir de agora, mulheres que foram lesadas e tiveram o direito roubado por pais que não cuidam dos filhos poderão reaver o auxílio emergencial roubado como violência patrimonial”, pontuou a parlamentar.

Para a deputada Soraya Santos (PL-RJ) a derrubada do veto, que deu origem à lei no início de junho, foi uma vitória da bancada feminina, “fruto de uma grande articulação da bancada feminina junto aos líderes da Casa.”

Socorro paliativo

Para a advogada Marlene Moreira Farinha Lemos, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família seção Goiás – IBDFAM-GO, a Lei 14.171/2021 beneficia principalmente as famílias monoparentais mais vulneráveis e carentes até de pensão alimentícia. “É um socorro que, paliativamente, vem em boa hora. Não resolve o problema da subsistência básica, mas atenua temporariamente a fome.”

“A lei, porém, padece de alguns pecadilhos, a começar pela introdução que endereça o benefício somente à mulher. Entretanto, logo no artigo 2º § 3º conserta o equívoco quando esclarece que as cotas são devidas a pessoas de qualquer gênero. Hoje há um percentual considerável de pais com os filhos, sem a mãe, que se enquadram no conceito família monoparental”, comenta a especialista.

A advogada aponta uma impropriedade no artigo 3º da legislação, que dispõe sobre o     atendimento específico para denúncias de violência e de dano patrimonial, para os casos em que a mulher tiver o auxílio emergencial subtraído, retido ou recebido indevidamente por outrem. Ela ressalta que o homem também pode ser vítima dessa conduta criminosa e deveria também ser ressarcido desses valores desviados por terceiros.

“O que se vê é que a lei tentou, demasiadamente, conferir uma proteção maior à mulher, discriminando o homem, que também na atualidade vive essa situação de família monoparental”, afirma Marlene.

Segundo a presidente do IBDFAM-GO, a lei que defere, por reconhecer, a carência da família monoparental, é uma inovação social com a intervenção incisiva e direta na questão da sobrevivência, mesmo que temporariamente.

“É fato que outros benefícios têm suas dimensões e refletem quase sempre de forma tênue e duradoura, como exemplo o auxílio maternidade pago pelo INSS. A questão de dobrar o benefício do bolsa família atende a uma situação premente e reflete a inadiável e reconhecida necessidade da mãe ou pai, desamparados por um ciclo completo ou maior familiar, no qual um recorre ao outro, o Estado-Social, que é uma faceta a ser concretizada por leis de cunho social, como é o caso desta novel, que reflete a concretude da realidade da instituição familiar nessa modalidade vivida por muitos”, explica a advogada.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

O Conselho Federal de Medicina – CFM publicou na terça-feira (15) a Resolução 2.294, de 27 de maio de 2021, com normas éticas para aplicação de técnicas de reprodução assistida no Brasil. Entre as disposições, foram fixados limites de idade para as gestantes, requisitos para que se possa desempenhar a barriga de aluguel, exigências para realizar inseminação com material genético deixado por falecido e também a garantia dos direitos às pessoas transgêneras.

A nova resolução garante o uso das técnicas por heterossexuais, homoafetivos e transgêneros – em normativas anteriores, pessoas trans não eram citadas. Também frisa a permissão à “gestação compartilhada” pelas uniões homoafetivas femininas, situação em que o embrião obtido a partir da fecundação dos óvulos de uma mulher é transferido para o útero de sua parceira.

Permite-se ainda a reprodução assistida post mortem, desde que haja autorização específica do falecido para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente. O tema teve repercussão recentemente, com um julgamento no Superior Tribunal de Justiça – STJ que impediu uma viúva de realizar a fertilização.

O texto frisa ainda que “técnicas de reprodução assistida não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou quaisquer outras características biológicas do futuro filho, exceto para evitar doenças no possível descendente”. Há também requisitos sobre doação de gametas e embriões, com restrição de idade e sigilo de identidade.

Barriga de aluguel

Em relação à cessão de útero, prática conhecida como “barriga de aluguel”, o CFM manteve a versão anterior que limitava tal possibilidade a pessoas com vínculo familiar de até quarto grau de parentesco. Agora, com a condição de que a cessionária tenha um filho biológico vivo.

Além disso, segue vedada a doação de material genético e a prática da barriga de aluguel quando motivadas por interesses financeiros ou lucrativos. A assistência à mulher que emprestou o útero até o puerpério também segue garantida, com custeio de acompanhamento e atendimento médico necessários para a paciente.

A nova resolução também frisa que a idade máxima para as candidatas à gestação é de 50 anos, podendo haver exceções com base em critérios técnicos e científicos a partir do caso concreto. Mulheres de até 37 anos poderão inserir até dois óvulos fecundados; aquelas com idade superior a 37, poderão implantar até três.

Poucas novidades

Segundo Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a Resolução 2.294/2021 do CFM traz poucas novidades. Ela destaca o uso da expressão “gestação compartilhada”, para designar algo já expresso em resolução anterior (2.168/2017), e também a inserção, agora de modo expresso, das pessoas transgêneras entre aquelas que têm o direito à reprodução assistida.

A advogada lamenta, por outro lado, o surgimento de mais uma exigência para a gravidez por substituição, uma das técnicas mais utilizadas na atualidade. Agora, há a indispensabilidade de que aquela que vai ceder o útero, além de ser parente, já tenha um filho. Trata-se de um requisito desnecessário, na opinião da especialista.

“Essa exigência de um vínculo de parentesco biológico não se justifica, principalmente porque vivemos na era dos vínculos parentais de várias origens, baseados no afeto”, comenta a advogada. “Se essa limitação decorre de uma tentativa de coibir pagamento ou remuneração, essa restrição já existe. Esse requisito acaba cerceando o direito constitucional à forma de constituir família.”

Autorização do Conselho Regional de Medicina

Para Maria Berenice Dias, também é desnecessário que, como previsto na nova normativa, sejam sujeitos à avaliação e autorização do Conselho Regional de Medicina – CRM os casos em que a cedente temporária do útero não tenha filho vivo ou não pertença à família dos pretendentes a pais.

“Isso é de uma burocracia descabida, porque o médico que atende, dentro de seu compromisso ético, tem como perceber essas assertivas feitas. Encaminhar para o CRM, o qual não faz qualquer tipo de investigação ou audiência, acaba culminando em uma autorização oca, que não diz nada”, critica a vice-presidente do IBDFAM.

Segundo a especialista, por conta dessas e de outras disposições, não há muito o que comemorar com a nova resolução. “O encaminhamento ao CRM cerceia a autonomia do médico e retarda o sonho da felicidade, já que vai levar, na prática, mais de seis meses para que se consiga essa autorização”, ressalta.

Importância das resoluções do CFM

Vice-presidente da Comissão de Biodireito e Bioética do IBDFAM, o advogado Eduardo Vasconcelos dos Santos Dantas explica que as resoluções do Conselho Federal de Medicina esclarecem dúvidas e criam balizas para os procedimentos éticos dos médicos. Contudo, não impedem que apareçam divergências na Justiça.

“Ainda há a possibilidade de surgimento de processos e questionamentos judiciais, seja sobre as próprias normas estabelecidas pelo CFM, seja pelos aspectos decorrentes da própria reprodução humana”, afirma Eduardo. Assim, as questões relativas ao tema devem seguir na pauta das discussões em Direito das Famílias e das Sucessões.

“É importante que essas normas se mantenham sempre atualizadas, como o CFM vem fazendo periodicamente, acompanhando a evolução da ciência e das novas descobertas dentro da reprodução humana assistida. Assim, permite decisões judiciais mais bem fundamentadas e com embasamento médico, técnico e científico”, frisa.

Inseminação caseira

Segundo Eduardo Dantas, os casos de inseminação caseira, recorrentes na jurisprudência, fogem do controle do CFM. “O procedimento não é feito por médicos, mas por leigos, em casa. Por isso, faz-se necessário, até por conta dessas situações, não apenas as resoluções do CFM, mas a criação de uma legislação que possa tornar mais claras as consequências dessas situações”, pontua.

Ele destaca a necessidade de projetos de lei que tratem desses casos, de acordo com a evolução e as possibilidades trazidas por essas técnicas específicas. “É algo sobre o que precisamos voltar a nos debruçar de forma séria e urgente, para que não tenhamos esse vácuo legislativo que realmente cria problemas e situações indesejadas na hora do registro das crianças”, opina.

Uma legislação específica poderia trazer segurança jurídica a casais que, sem a possibilidade de recorrer a uma clínica especializada, optam pela inseminação de forma informal, realizada no ambiente doméstico. Não raro, por não haver acompanhamento médico e registro do procedimento, esses casos acabam na Justiça logo na ocasião do registro da criança, como noticiado recentemente pelo IBDFAM.

Necessidade de um Estatuto da Reprodução Humana Assistida

Para Eduardo Dantas, a Resolução 2.294/2021 do CFM traz uma evolução natural em relação às normativas anteriores do Conselho sobre o tema. Para as próximas edições, alguns pontos podem ser lembrados, segundo o especialista. “Pode-se complementar com aspectos mais claros sobre algumas situações”, diz.

Como exemplo, ele cita a especificação do momento de se apresentar determinados documentos e da criação dos contratos entre as partes envolvidas. Também seria bem-vinda, segundo o diretor nacional do IBDFAM, uma exposição mais clara das consequências do uso de cada técnica de reprodução assistida.

“Essas exposições precisam partir não apenas das resoluções do Conselho Federal de Medicina, mas também de uma legislação muito mais específica e clara. Já passamos do momento da criação de um Estatuto da Reprodução Humana Assistida no Brasil”, conclui o advogado.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações da Agência Brasil)